Quando o cérebro ativa a sensação de nojo

A emoção do nojo pode causar problemas psicopatológicos (Foto: Freepik)

É uma emoção geralmente associada a algo negativo, mas também pode ter o seu efeito benéfico. Sem grande esforço conseguimos identificar precisamente aquilo que nos causa repulsa. De que forma é que o cérebro desencadeia o nojo? E que atitudes podemos associar a este sentimento?

O nojo, enquanto emoção básica, implica uma sensação de repulsa ou de evitação, da possibilidade real ou imaginária, de algo que a pessoa considera repugnante, perigoso ou contagioso. “É através dos cinco sentidos que o indivíduo vai percecionar essa emoção. Embora o paladar seja o primordial, o olfato, a visão, o tato e a audição também têm um papel fundamental no desencadeamento da interpretação cognitiva que, posteriormente, origina a emoção de nojo e a respetiva atitude de repulsa/aversão”, detalha Patrícia Fonseca, psicóloga clínica e da saúde. “A nível comportamental, é fácil perceber quando alguém sente repulsa: é algo reconhecido através da expressão facial, da variação do tom de voz, da contração dos lábios e do erguimento das pálpebras inferiores.”

Tal como noutras emoções, como a alegria, o medo e a tristeza, o nojo “desencadeia automaticamente alterações fisiológicas no nosso corpo, como uma leve alteração respiratória e cardíaca, falta de apetite, náusea ou vómito”, salienta Diana Prata, professora e investigadora principal na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, investigadora associada no ISCTE e professora auxiliar honorária no King’s College London. E ainda que seja uma emoção negativa, permite-nos atuar de forma preventiva contra alguns perigos, como o envenenamento alimentar, a exposição ao risco ou a infeções. Pode também ainda pensar-se no nojo como parte de um “sistema imunitário comportamental, o que nos leva a detetar e afastar de ameaças infeciosas ou tóxicas antes de estas nos ‘atacarem’. Este sistema existe em vários animais, desde nematodes, peixes, aves, insetos a mamíferos”, acrescenta Diana Prata. Do nojo ao sentimento de repulsa e ao afastamento do que quer que o esteja a causar vai mesmo um pequeno passo.

Uma sensação universal

O nojo traduz-se no nosso cérebro por uma estimulação dos neurónios da ínsula (região do córtex cerebral), prossegue a investigadora da Universidade de Lisboa. Por exemplo, quando provamos algo que sabe mal, produz-se uma expressão facial de asco. A sensação e a expressão do nojo são universais. Todas as culturas o exprimem mas podem existir diferenças entre espécies, faixas etárias e géneros. “Há vários nojos que uma criança de dois anos ainda não sente, mesmo o de fezes. As fêmeas, tanto em ratinhos como em humanos, têm uma sensibilidade de nojo maior do que os homens, tanto para comidas como parceiros sexuais, e principalmente na gravidez, provavelmente para compensar o facto de o sistema imunitário geral estar menos ‘alerta’ de modo a não rejeitar o bebé”, assinala a catedrática. Os miúdos começam, desde muito cedo, a rejeitar alguns alimentos com sabor desagradável, lembra a psicóloga Patrícia Fonseca, mas “só mais tarde é que têm consciência da experiência da emoção do nojo como uma atitude de repulsa total, quando conseguem compreender, por exemplo, os alimentos nocivos e/ou impróprios para consumo”.

Existem demonstrações no reino animal de que o nojo depende de um balanço de custo-benefício socioeconómico. “Quando o comportamento de repulsa é tão alto que leva à fome e à perda de oportunidades sexuais de reprodução, então a sensibilidade ao nojo diminui”, observa Diana Prata.

A hormona oxitocina tem um papel central na regulação da saliência do nojo social, na empatia, na tendência humana para a aproximação versus afastamento dos outros, e para a filiação versus discriminação social. Regra geral, favorece-se a empatia, cooperação e redução do nojo dentro do “nosso grupo”, e isso aplica-se a várias espécies animais, incluindo a nossa. “Temos inclusive estudos a decorrer em Lisboa sobre o papel desta hormona na nossa vida em sociedade: na CUF Infante Santo, no Hospital de Santa Maria e no ISCTE, com a colaboração do SAMS-ISCTE, do Hospital Júlio de Matos, da Alfa-Sigma e da Farmácia Santa Maria”, pormenoriza a investigadora. Estes estudos contam com a participação voluntária da população portuguesa, mediante inscrição em neurocolab.wordpess.com. Diana Prata assegura que surgirão novidades em breve relativamente aos resultados destes estudos.

A força do preconceito

No que respeita ao nojo moral, associado à ativação da ínsula quando assistimos a situações que consideramos reprováveis, como roubar, mentir, trair, é sabido que existe um efeito cultural e que alguns povos apresentam mais esta emoção relativamente a comportamentos contrários aos valores defendidos nas suas comunidades. “Há evidência de que os povos asiáticos sentem mais nojo de comportamentos contrários à coesão social e os norte-americanos aos de liberdade individual”, constata Diana Prata.

O nojo está também relacionado com generalizações apressadas. “Se existir preconceito relativamente a uma determinada raça, essa pessoa desencadeará a emoção de nojo quando for exposta a um estímulo, real ou imaginário, com pessoas dessa etnia. Existem também alguns estudos que relacionam essa simbiose relativamente à homossexualidade”, explica Patrícia Fonseca. “É então mais ‘natural’ sermos mais punitivos e ficarmos mais enojados com atos imorais de membros de grupos a que não pertencemos do que aos nossos. De facto, preconceitos discriminatórios, em relação a etnia, toxicodependência ou obesidade, estão associados com maior ativação da ínsula, bem como menor empatia, em certas pessoas”, revela a professora e investigadora Diana Prata.

Tal como o medo e a ansiedade e, em casos mais graves, o desencadeamento de fobias específicas, a emoção do nojo pode causar problemas psicopatológicos. Algumas perturbações obsessivo-compulsivas poderão estar associadas a esta emoção, pelo risco, real ou imaginário, de contaminação e/ou sujidade. “As pessoas desencadeiam comportamentos exaustivos e permanentes de limpeza e de higiene evitando os pensamentos obsessivos e negativos de contaminação e sujidade, evitando a sensação de nojo e repugnância pelos estímulos identificados como nocivos. Ainda existem estudos que relacionam os distúrbios alimentares ao sentimento de nojo a alguns alimentos ou até fobias sociais pela repulsa a outras pessoas”, conclui a psicóloga Patrícia Fonseca.

O que nos causa mais asco?

● Produtos ou fluidos corporais (fezes, saliva, sangue, vómito, etc.)
● Animais (minhocas, aranhas, baratas, ratos, moscas, etc.)
● Comportamentos sexuais
● Contacto com morte ou cadáveres
● Falta de higiene a vários níveis (cabelo, unhas, dentes, mau cheiro, entre outros)
● Contaminações (por exemplo, comida ou outros produtos estragados)
● Lixo ou outras substâncias tóxicas
● Atos não higiénicos, como a mutilação
● Violação de normas sociais ou morais, roubos, assassinatos, violação, etc. (nojo moral)