Quando as articulações começam a degenerar

Procurar ajuda precocemente facilita o prognóstico (Foto: PxHere)

São incómodas, dolorosas. Mais frequentes nos seniores, podem aparecer noutras idades e afetar várias articulações. As artroses roubam autonomia. Procurar ajuda especializada, para controlo e tratamento, é a melhor opção.

Foi operada a uma artrose da anca aos 90 anos porque queria sair com as amigas sem sentir dores a caminhar. O relato, feito por contacto telefónico, por Ema Rocha, a caminho dos 103 anos, a comemorar no dia 8 de novembro, é confirmado pelo médico que a operou. Carlos Evangelista, médico ortopedista e responsável pela Unidade de Ortopedia Geriátrica do Hospital Sant’Ana e do Hospital CUF Cascais, conta que a cirurgia às artroses é pouco frequente nestas idades, mas Ema estava decidida. “Foi operada com uma técnica minimamente invasiva que é menos agressiva e que facilita a recuperação, pois danificamos menos o músculo”, especifica. Um dos grandes problemas das artroses, acrescenta, é a incapacidade para a marcha, condicionando a qualidade de vida. “O doente acaba por perder a sua autonomia porque quer andar e não consegue.”

A viver desde o centenário num lar em Paço de Arcos, Oeiras, Ema conta que dois dias depois da cirurgia já andava pelo próprio pé. “Disse ao médico que já não precisava de canadianas, correu tudo muito bem”, recorda, com uma gargalhada contagiante que reforça a sua assumida “força de vontade”. “Agora tenho queixas no joelho direito, mas já não vou a tempo de ser operada”, completa, deixando escapar que o faria, sem hesitar, não fosse a condicionante da idade que teima em aparecer no Cartão de Cidadão. O médico ortopedista confirma. “Depois de ter colocado uma prótese na anca, 13 anos depois continua a andar e é independente. Por norma, os doentes não são operados com esta idade e acabam por ficar confinados a uma cama ou a uma cadeira, com uma cabeça ótima mas com queixas devido à artrose que os impede de caminhar.”

A cirurgia é uma das formas de tratamento da artrose, uma doença que, teoricamente, pode afetar várias articulações, mas que é mais frequente nos dedos das mãos, do joelho, da anca, da coluna (sobretudo coluna cervical e lombar) e do dedo grande do pé. Esta é uma “doença degenerativa da cartilagem articular, que tem características mecânicas, e que também pode ter episódios inflamatórios associados”, explica Jaime Branco, reumatologista, responsável pela Unidade de Reumatologia no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa. “A artrose é tão velha como a própria humanidade”, aponta Carlos Evangelista.

Poucos escapam

As queixas dos doentes estão sobretudo associadas à dor que sentem com a carga e o movimento. “Na artrose, a articulação dói apenas nos estádios mais avançados da doença, quando a solução já é sobretudo cirúrgica”, observa Jaime Branco, também diretor de Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental – Hospital Egas Moniz. Se o doente se mexer menos, sente menos dor, o que pode provocar uma alteração da articulação em si e um atrofio dos músculos, dando-se “uma cascata de sintomas” a partir daí. Isto faz com que os doentes já cheguem ao médico reumatologista numa fase avançada e tardia. “Normalmente, as fases mais precoces da artrose não perturbam muito o doente. Quando este começa a ter queixas que o incomodam verdadeiramente, a artrose já está mais adiantada.”

“Deve-se começar um processo de tonificação global a partir dos 50 anos, que permita defender a estrutura óssea e articular, iniciando uma suplementação adequada para prevenção”, garante o médico ortopedista Carlos Evangelista
(Foto: DR)

O diagnóstico da artrose pode ser feito através da história clínica do doente e com o recurso a uma radiografia, que é o exame clássico. “Podemos também utilizar a TAC ou a ressonância magnética consoante necessitarmos de aprofundar alguma questão relativamente à cirurgia em si”, pormenoriza Carlos Evangelista.

Habitualmente, apresenta-se em indivíduos com mais de 50 anos mas pode atingir pessoas de todas as faixas etárias, dependendo também do ambiente e da utilização que é dada a determinada articulação, muito devido à atividade profissional ou desportiva, por exemplo. Ou seja, as articulações com maior utilização são as que têm mais potencial de vir a degenerar nesta doença. “A artrose das articulações discais dos dedos passa de mães para filhas, isso é algo que está bem demonstrado”, lembra o reumatologista. E algumas atividades precipitam esta doença: aos futebolistas, por exemplo, não raras vezes são associadas artroses do pé ou tornozelo. Carlos Evangelista refere ainda o caso de “um jovem que possa ter sofrido um acidente, tendo destruído a cartilagem do joelho e iniciado um processo artrósico prematuro”. Uma coisa é certa: se todos vivermos tempo suficiente, não devemos escapar a esta doença, ainda que “a idade não seja, por si só, um fator determinante”, sublinha Jaime Branco.

E atenção, não se deve confundir artrite com artrose, pois são doenças distintas. Carlos Evangelista clarifica: “A artrite é um processo inflamatório da articulação e a artrose é um processo degenerativo da mesma, que pode inflamar”.

A má notícia é que não é conhecida cura para a artrose. A boa? É que é possível “atrasá-la, melhorá-la e diminuí-la”, sugere o ortopedista. A prevenção pode assim fazer a diferença num diagnóstico futuro. O médico aconselha a que “se comece um processo de tonificação global a partir dos 50 anos que permita defender a estrutura óssea e articular, iniciando uma suplementação adequada para prevenção”.

É possível atrasar a doença

Apesar de a cirurgia constituir a única oferta definitiva para a artrose, existem opções terapêuticas “suficientes para a maioria dos doentes”, esclarece Jaime Branco. Ruy Oliveira tem 88 anos, vive na Póvoa de Santo Adrião e, além da toma de medicação, começou a fazer fisioterapia diariamente para controlo de uma artrose na anca que lhe provoca muitas dores. “Tem corrido bem, fiz poucas sessões mas já me sinto melhor”, confessa. Sempre é uma maneira de se mexer, pois já não frequenta as aulas de ginástica que fazia no centro do dia para se proteger da covid-19. “Sempre fui uma pessoa com muita energia mas agora pouco saio de casa com isto da covid-19. E quando vou ao supermercado, vou a conduzir”, revela o viúvo que tem a responsabilidade da casa e da filha, portadora de deficiência, a seu cargo.

“Normalmente, as fases mais precoces da artrose não perturbam muito o doente. Quando este começa a ter queixas que o incomodam verdadeiramente, a artrose já está mais adiantada”, reconhece o reumatologista Jaime Branco
(Foto: DR)

Também Ema Rocha tem sentido o impacto que a pandemia tem trazido aos seus dias. “Este ano vai ser um aniversário triste, sem família. Eu andava sempre na rua, o vírus é que veio estragar tudo”, lamenta. Ruy e Ema sentem falta do convívio com amigos, com quem almoçavam regularmente. O contacto é por agora apenas telefónico, por precaução. “Não é a mesma coisa”, diz Ruy. “Eu sou uma doente de risco, não posso facilitar”, acrescenta Ema. Jaime Branco assinala, com preocupação, o impacto que a pandemia tem trazido aos seniores, não só a nível mental, mas também físico. “Muitos dos nossos doentes estão mais isolados ou a sair apenas para o estritamente necessário. O exercício físico é fundamental para manutenção da saúde e da mobilidade muscular nas patologias crónicas.” São oportunidades de controlo das artroses e outras doenças que se perdem em prol da proteção contra este vírus.

Procurar ajuda precocemente facilita o prognóstico. “Pode ser possível travar o avanço da doença e dominar os surtos inflamatórios. Deve-se recorrer a apoio especializado o mais precocemente possível, a partir do momento em que o doente tem queixas e sobretudo se tiver história familiar de artrose”, conclui Jaime Branco.