Os fundamentalistas podem dizer que o frigorífico de Sílvia Pinhão não parece o de uma nutricionista. Os mais gulosos vão achar que é perfeito, está cheio de coisas boas. De lambarices. Efetivamente está. Bolos e sobremesas não faltam. Não, este não é um caso de “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”. Há uma justificação para o recheio, fruto de uma tentativa de minimizar estragos.
Eis a explicação. A nutricionista do Centro Hospitalar de São João, no Porto, celebrou 40 anos no passado dia 28. Como “forma de reduzir os excessos das festas de final de ano” decidiu “juntar dois eventos num só, o aniversário e a passagem de ano”. Quantas pessoas o fariam? “Assim sempre há menos probabilidade de comer demasiado em duas datas seguidas. Exagera-se só numa.” E, na opinião desta profissional de saúde, “não há mal nenhum nisso”. Porque festas são festas. “Não concordo nada com alguns colegas que nesta altura recomendam reduzir ao açúcar ou aos ovos. Não concordo com o refazer de receitas, porque assim as rabanadas e as filhoses, por exemplo, deixam de ter o sabor das nossas origens. E preservar a tradição é muito importante.”
Sílvia Pinhão, também docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, diz que é muito mais a favor de reduzir as quantidades do que se cozinha – até porque “se evita o desperdício”, – do que de se mexer no sabor dos pratos que estão associados às memórias. Em todo o caso, refere que “por norma o frigorífico não está assim”. Aliás, a nutricionista até tem uma imagem bastante organizada do seu eletrodoméstico, que costuma mostrar aos utentes. De resto, a palavra de ordem é moderação. “Os meus pacientes emagrecem na mesma a comer gomas e chocolates. O que é preciso é moderação.”
Após as festas, a vida entra nos eixos para Sílvia Pinhão. “Recomendo que se volte à rotina, à atividade física, e que se tente respeitas os horários das refeições, mesmo que não se tenha vontade de comer.” Porque “ajuda a evitar fome excessiva nos horários das refeições principais”. A inclusão de sopas e legumes na dieta é outro segredo. “De uma forma geral, contrabalançam a quantidade de gordura ingerida.” Por último, a nutricionista lembra a importância da hidratação. “Água, chás ou infusões”, sem açúcar. “Que também ajudam a regular o trânsito intestinal.” E deixar os refrigerantes e as bebidas alcoólicas para as datas especiais. Com uma alimentação “equilibrada e variada”, em “15 dias, no máximo” o corpo volta ao normal.
A regra é não ter
Para quem tem como resolução de ano novo perder peso, Joana Gante, nutricionista no Hospital CUF Coimbra, dá os conselhos que aplica em casa. “Tento passar à minha família (marido e dois filhos, uma menina com quatro anos e um menino com dois) as regras de uma alimentação saudável.” Por isso, para começar, no seu frigorífico há sempre sopa. Também tem sempre fruta e legumes, frescos ou congelados. “Os iogurtes que existem variam entre os magros de sabor ou os naturais.”
Não há sumos. A bebida de eleição é a água. “Também temos leite de vaca, magro para nós adultos e meio gordo para a minha filha.” Em relação a doces, há chocolate preto e bolacha Maria ou tostada. “Não entram mais doces cá em casa.” Bom, às vezes há uns gelados. De leite e fruta, do género Solero. “Mas como sabemos que é difícil controlar, a regra é não ter. Assim não se come.” Porque como Joana Gante admite, “todos nós somos gulosos”. E quanto mais tarde “introduzirmos os doces às crianças melhor”. Bem como os fritos e os salgados.
De resto, todos comem de tudo. “Não devemos demonizar alimentos.” E para quem se queixa que não sabe o que comprar, a nutricionista relembra que o site da Direção-Geral da Saúde tem um descodificador de rótulos. “Saber o que se come é muito importante.”
Mudar de estilo de vida no novo ano pode ser fácil. E “não é preciso ser fundamentalista”. O ideal é que as pessoas tentem dietas que consigam cumprir. Metas que consigam alcançar. Senão não vai resultar. “E tem de estar de acordo com os hábitos e rotinas de cada um, porque há certas regras que se aplicam a umas pessoas e não a outras.” Mas, em geral, é possível começar com coisas simples. “Sopa, prato de carne ou de peixe e legumes (preferencialmente metade do prato). Água e fruta.”
Atenção às proporções
Mónica Pitta Grós Dias, nutricionista no Hospital CUF Descobertas em Lisboa, recorda que “não existem alimentos proibidos”. Pode comer-se o que se gosta, “desde que se tenha cuidado com a frequência”. Sair da regra de vez em quando tampouco é negativo “quando se faz uma alimentação equilibrada”. É tudo uma questão de se ter atenção às proporções, sugere.
A especialista, adepta das dietas tradicionais, recomenda aos pacientes o que faz para si. Uma alimentação fracionada, em que se comem poucas quantidades. “Comer menos e mais vezes ao dia.” Cinco ou seis vezes. “Iniciar refeições com sopa. Depois, o prato principal deve ter sempre 50% de legumes ou salada, 25 % de hidratos de carbono e 25% de proteína.” Variar entre massa integral e arroz integral. “Comer duas a três peças de fruta por dia, porque têm vitaminas e minerais e fibra de alta qualidade.” Por fim, recorda a importância da hidratar o corpo com um litro e meio diário de água. “É o melhor detox que se pode fazer.” A especialista é direta. “As dietas não têm de ser complicadas. Algumas das recomendações atuais pecam pelo excesso de fibra. A melhor que existe encontramos na fruta, legumes e pão integral.”
Em suma, o ideal para quem quer começar a comer melhor é escolher objetivos que acha que consegue cumprir. E, se precisar de ajuda, pode procurar uma nutricionista, ou inspirar-se no frigorífico de uma destas profissionais. E para que as imagens não o induzam em erro, não se dispensa a leitura deste artigo.