
A primeira pessoa transgénero a assumir na Europa um cargo ministerial tem um percurso invejável. Como médica e investigadora, como ativista e na ação política.
O nome não é novo na Europa. Como médica, professora de ginecologia e investigadora na Universidade de Ghent, destaca-se em trabalhos científicos, relevantes e reconhecidos fora e dentro do espaço europeu, no campo da fertilidade. Na intervenção cívica, a feminista é figura central – icónica para as pessoas LGBT+ – da luta pela igualdade de género e pelos direitos sexuais reprodutivos. Na ação política, a militante do partido Verde, ex-senadora belga e parlamentar europeia eleita em 2019, ganha destaque na presidência da Comissão de Mercado Interno e Proteção do Consumidor, na defesa dos direitos das crianças na gestação de substituição e na regulação da modificação genética no ser humano. “Deixa saudades”, declaram no Twitter colegas parlamentares.
Petra de Sutter tem 57 anos e é transgénero. A 1 de outubro de 2020, tornou-se a primeira pessoa transexual a assumir um cargo ministerial no continente europeu. “Tinha 40 anos quando decidi converter-me na mulher que sempre fui e por esta decisão perdi colegas, gente que conhecia e inclusivamente amigos”, explica, em entrevista. Uma década depois, em 2014, era então senadora, assume publicamente. “Tenho um sentimento muito forte de justiça e considero tão injusto que haja quem sofra por querer ser quem é”, lê-se ainda.
Na tomada de posse, Petra de Sutter agradeceu ao primeiro-ministro, Alexander de Croo, a confiança depositada. Porém, a nomeação não surpreendeu a Bélgica, como prova a comunicação social, interessada em relevar, acima de tudo, o percurso meritório da agora vice-primeira-ministra. “Estou orgulhosa de que, na Bélgica e na maior parte da União Europeia, a tua identidade de género não te defina como pessoa e não seja um problema”, escreveu na conta pessoal do Twitter. Porém, exatamente na semana em que é nomeada, o tribunal constitucional romeno debate a exclusão da temática de género dos currículos escolares. Depois da Bulgária. Depois da Polónia, onde a “Carta da Família” do presidente Andrzej Duda, defensor das “LGBTI free zones”, proíbe aquelas temáticas. No Reino Unido, novas diretrizes podem ser interpretadas como sinal de que as escolas não devem abordar a identidade de género, avisam ativistas. E em Portugal há quem demonize a disciplina de Cidadania por abordar as mesmas matérias. Por isso, a nomeação de De Sutter não pode deixar de ser um marco. Um marco no avanço civilizacional. A própria refere a necessidade de atender aos sinais preocupantes que chegam todos os dias: “Por um lado”, diz, “não quero ser julgada por um aspeto que faz parte da minha história pessoal e da minha identidade. É muito redutor. Quero ser julgada pelo que fizer e pelo que disser. Sobre isso podemos discutir”. Mas, acrescenta, “por outro lado, vejo que muitas pessoas me veem como um exemplo no combate antidiscriminação. Vejo com bons olhos esse papel na medida em que pode ajudar as pessoas a combater contra a discriminação”. Depois do italiano Gianmarco Negri ter conquistado há um ano a câmara de Tromello e de, mais recentemente, a francesa Marie Cau assumir a de Tilloy-lez-Marchiennes, chega a ministra De Sutter. O caminho faz-se caminhando.
Petra De Sutter
Cargo: vice-primeira-ministra da Bélgica
Nascimento: 10/06/1963 (57 anos)
Nacionalidade: Belga