Valter Hugo Mãe

Pequenos e grandes costumes


Os números voltam a subir significativamente, diariamente, e urge apenas o verão.

No pequeno mercado aqui de casa, a senhora usa uma máscara social que perdeu o elástico e pende diante do rosto como se usasse um novíssimo decote. À boca exposta, a senhora leva o dedo para molhar e folhear as notas ou abrir os sacos de plástico. Se vier alguém para fiscalizar os costumes, ajeita-se a máscara com a mão exactamente como um disfarce porque, como as de Carnaval, só serve para disfarçar, não protege de vírus algum.

Adianta muito pouco o que se tem explicado desde há meses acerca de o vírus se suspender no ar. Com todas as reservas e dúvidas sobre o tempo que pode pairar, as estimativas são inúmeras e insistentes. A máscara, como dizia o primeiro chinês entrevistado sobre o assunto em janeiro, é fundamental. Colocar a máscara, ajustar no nariz para que não se respire aldrabando o seu uso, e nunca mais levar a mão ao rosto, são as indicações mínimas a aprender. Não entendo qual a razão de tanta relutância em implementar um procedimento assim.

Os números voltam a subir significativamente, diariamente, e urge apenas o verão. O calor parece não dar tempo para preocupações de maior nem cuidados. Por aqui, enchem-se as casas, já é difícil estacionar, chegaram as pessoas de roupas diferentes, famílias de peles muito clarinhas a falar línguas estrangeiras e a meterem-se nos seus alojamentos temporários. As senhoras dos quartos para arrendar estão nos pontos do costume e a alegria voltou em grande parte. Mesmo que a autoestrada tenha estragado muito negócio ao desmotivar tantos a pernoitar, chegam agora outros clientes, fartinhos de confinamento e convencidos de que à nortada de Vila do Conde se fica espanado de qualquer vírus.

Perguntam-me se as coisas por aqui andam bem, e citam o boletim da DGS, que quase não se mexe, quer dizer, Vila do Conde vai a conta-gotas, coisa que conflitua com as confirmações de quase duas dezenas de casos admitidos pelas autoridades nas televisões. Já não sabemos a quantas andamos. Os senhores da imobiliária dizem-me que voltaram os brasileiros para comprar. Os que podem, querem mesmo vistos dourados. Com a nova lei, as cidades mais pequenas são o alvo. A vida, afinal, está apressada em retomar o ritmo de antes da pandemia, ainda que não seja exequível, o mundo quer a mesma normalidade. Não aceita outra.

A velhota que passa a mandar beijinhos ao meu cão diz-me que morrer do vírus haverá agora de ser um azar como ser atropelado. Se atravessarmos a rua com cuidado, vamos sobrevivendo aos dias e haveremos de ser também velhinhos. Faz festas, quer beijinhos na orelha, pousa os sacos no chão de ter vindo da frutaria. Não tenho mais nada para responder. Sinto que fico cada vez mais só.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)