Para o lar com a casa às costas

Maria da Conceição, 81 anos, tem o periquito Teco para conversar no seu quarto no quinto piso da Resisénior Gold, edifício moderno, hotel sénior privado no centro de Braga. (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Pedaços de vida. Memórias a preto e branco. Recordações de lugares. A cama, a mobília do quarto, os sofás da sala, naperons trabalhados e bordados, fotografias em molduras, em álbuns, em quadros de parede. Santinhos, livros, gira-discos, despertadores, tapetes, o animal de estimação. Levam o que o coração manda. O que lhes aquece a alma.

Entregaram-lhe o quarto sem ponta de mobília, totalmente vazio, tal como queria, tal como pediu. Mobilou-o à sua vontade. Levou uma cama da sua casa na Guarda, colocou uma mesinha de cabeceira de um lado, um sofá amarelo e uma mesa portátil com pernas que dobram do outro.

Dois tapetes de Arraiolos, uma cómoda, um móvel que tinha mandado fazer à medida do seu primeiro computador de secretária e que agora é o encaixe de uma mini geladeira. Um gira-discos antigo com rádio que sintoniza emissoras com botões e uma televisão. Ao lado do guarda-fatos embutido, o retrato dos pais a preto e branco na parede. Noutra parede, um painel de azulejos pintado pelas próprias mãos em tons azulados. E o violino, que toca para se distrair, não para se exibir.

“Eu é que montei o que aqui está, andei de ‘black & decker’ a fazer furos, deram-me o quarto em branco, organizei tudo”, conta Fernanda Henriques dos Santos, de 86 anos, natural de Gouveia, licenciada em Serviço Social em Coimbra. Chegou pelo próprio pé há quase dois meses à Residência Rainha D. Leonor, um dos lares da Santa Casa da Misericórdia de Viseu. Tirou as medidas com o olhar.

“Encaixotei tudo o que queria, contratei uma transportadora, veio tudo de uma vez. Engendrei o quarto com o que cabia aqui e tenho cá tudo o que preciso”, garante. As indicações foram claras, podia levar tudo o que coubesse ali. Disfarçou os fios elétricos, aparafusou as colunas do rádio aos dois lados da cómoda, que ficam em suspenso e não tocam no chão, e o móvel envidraçado à entrada, onde guarda o seu menino Jesus e uma foto da mãe, tem tudo pronto para ser eletrificado. Fernanda quer que seja iluminado por dentro.

Foto: Maria João Gala/Global Imagens

Compôs o quarto, não o encheu em demasia. Em cima da cómoda, pouca coisa, uma jarra, azulejos que pintou, duas miniaturas de elefantes que lhe ofereceram, um quadro pequeno. “Optei por este lar porque me deram condições para me sentir bem.” Na Guarda, sentia-se isolada. Em Viseu, onde viveu 15 anos, sentia-se melhor. Não tem praticamente ninguém de família, apenas um irmão com 95 anos. “Para não parar, optei por vir.” No primeiro dia, dormiu bem.

“Adapto-me com muita facilidade, deram-me a liberdade de trazer tudo o que me interessa, a liberdade de sair”, revela a assistente social, que se reformou aos 60 anos para ter tempo para outras coisas. Tirou um curso de azulejaria, aprendeu violino no Conservatório de Viseu. Hoje tem aulas de Inglês na cidade, faz ginástica e joga bilhar no lar, caminha bastante – na semana passada num só dia tinha 11 700 passos registados no telemóvel. Quando lhe apetece, pega no carro, vai às compras, conversa com quem passa.

Maria da Conceição, de 81 anos, tem um amigo especial para conversar no seu quarto no quinto piso da Resisénior Gold, edifício moderno, hotel sénior privado no centro de Braga. “Teco, tequinho, anda cá pequenino.” Teco tem penas azuis e brancas, é um periquito, cabe numa mão. “É muito educado, mais educado do que a canalha. Chega às dez da noite e não pia mais, dorme como um menino.” É brincalhão também, aproveita o tempo fora da gaiola para saltitar de ombro para ombro da dona, depenica-lhe os brincos, sobe para a sua cabeça, engata as patas nos cabelos castanhos-claros.

“Vem comer as migalhas do pequeno-almoço à minha boca.” Maria da Conceição ri-se das peripécias do pássaro. Ao almoço, foi uma risota com a mousse. “Meti o dedo na taça e ele não me deixava comer, não largava o meu dedo.” Teco, assim batizado em homenagem ao cão que lhe desapareceu de casa, será uma fêmea. Pouco importa. É uma companhia dia e noite. “Gosto muito dele, é uma alegria.” Viúva há um ano, o periquito foi também companhia do seu Arlindo. O seu amor por animais não é de agora, é de sempre. Teve pássaros, cães e gatos. Queria um animal de estimação ao pé de si, a cunhada arranjou-lhe a ave. Contentamento geral.

Maria da Conceição tem outros amores, o Benfica e o Braga (num confronto direto, confessa, não sabe bem por quem torcer). “Na minha casa, toda a gente gostava de futebol.” Tem uma almofada, um cachecol, uma camisola do Benfica, um cartaz da equipa. Adereços do seu Braga. Fotografias da família, do seu cão Teco, da bisneta Francisca, dos filhos, alguns vasos com plantas, recordações das suas viagens pela Europa, saquinhos com colares que ia trazendo dos países que visitava. “Tenho aqui tudo o que me faz falta.” Continua vaidosa, arranjada, sempre pronta para o passeio, com a família sempre por perto. “Teco, tequinho, pequenino, anda cá.” E ele vai.

Manuel Cruz Bastos, 78 anos, tem alguns dos mais de dois mil livros que possui no quarto que partilha com outro senhor no Lar Dr. Fernando Peixinho, em Oiã. Está a escrever um livro de memórias (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Manuel Cruz Bastos, 78 anos, vai devagarinho para qualquer lado, de bengala e sempre de livro nas mãos. “Sem livros não seria ninguém.” Levou alguns, dos dois mil e tal que tem, para o quarto que partilha com outro senhor no Lar Dr. Fernando Peixinho, do Centro Social de Oiã, em Oliveira do Bairro. Doou outros à biblioteca que a instituição vai abrir neste ano. É fã de Manuel Alegre, tem livros de Fernando Namora, Ramalho Ortigão, Gabriel García Márquez, uma enciclopédia sobre as aventuras do Homem. “A sociedade dos sonhadores involuntários”, de Agualusa, “Os velhos também querem viver”, de Gonçalo M. Tavares.

Anda a ler o grosso “O inverno do mundo”, de Ken Follet, e está quase a terminar o seu próprio livro, ainda sem nome, sobre as viagens que fez pelo Mundo desde jovem, de carro, de comboio, com amigos, com o irmão Alberto. Será publicado em abril, escreve-o num portátil oferecido por um amigo. Os livros são uma extensão de si. “Consigo ler dois livros ao mesmo tempo sem perder o enredo das histórias.” Manuel, que foi empregado de escritório numa fábrica de ferragens, habituado a máquinas de escrever, pôs mãos à obra numa obra sua.

Levou também um colar com um crucifixo que uma velhota lhe ofereceu em São Martinho de Anta, em Trás-os-Montes, onde Miguel Torga nasceu. Um adufe que comprou em Monsanto, uma bengala de Moçambique – onde, diz, lutou “com a caneta na mão” – e um conjunto de dez slides da mesquita de Córdoba, do labirinto de colunas, da nave principal. E não perdeu a mão para a escrita. Todos os dias, deixa um bilhete por debaixo da porta do gabinete da psicóloga Fátima Alves. “O computador queixa-se com dores de estômago. Era fome! Era sede! Fui deitá-lo”, escreveu há dias.

Fernanda Henriques dos Santos, 86 anos, levou, entre outras coisas, o violino, que toca para se distrair (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Guarda-joias, bonecas, o abraço de Marcelo

A despedida da casa e dos objetos é um processo complexo, doloroso. Não se fecha uma porta e já está, os mais velhos não mudam de endereço de ânimo leve. “Pode-se morrer por desadaptação se houver muitas mudanças”, avisa Maria João Quintela, presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia. As recordações não estão apenas na cabeça, estão também nas coisas. “Ao terem os seus objetos perto de si, levam um pouco da sua casa, da sua vida de sempre.” Quando se está frágil e vulnerável, a adaptação é difícil. Por isso, a separação física das memórias e do passado não é aconselhável. A personalização de um quarto num lar é essencial. “Se for possível levar alguma coisa que represente a casa, que mimetize o espaço anterior, ajuda a que não seja feito um corte tão grande e que pode gerar uma depressão.” Tudo é importante na medida da importância que cada um atribui a cada coisa.

Emília Rosa, que em junho fará 90 anos (parece mais nova, ar de menina, airosa, olho claro, cabelo louro, bem arranjada), levou tudo o que podia de casa para a Residência Rainha D. Leonor, em Viseu, onde vive há sete anos, os últimos três como viúva. Juntos transferiram o que quiseram da casa onde partilharam uma vida para a suíte com sala, quarto, casa de banho, marquise. Na sala, dois guarda-fatos de madeira escura encostados a uma parede. Um móvel de madeira trabalhada com louças, sobretudo pratos e chávena, na parte envidraçada, e várias molduras com fotografias de ocasiões especiais, do marido, do casamento, do abraço a cores de Marcelo Rebelo de Sousa – que tem mais um retrato em tamanho maior em cima de um dos guarda-fatos.

Um móvel de sala com um espelho por cima, um móvel da televisão, uma mesa no meio com uma jarra de rosas, duas almofadas com gatos desenhados em duas cadeiras, um móvel mais pequeno com uma boneca minhota e vários objetos decorativos em cima de naperons trabalhados, mais uma mesinha com o menino Jesus e outros bibelôs. No quarto, mesinhas de cabeceira antigas com tampo de mármore, mais fotografias, um móvel com guarda-joias de louça, uma boneca de porcelana, e outro móvel a que chama altar. Uma cómoda em frente à cama. À entrada, um bengaleiro com os seus chapéus.

“Ao terem os seus objetos perto de si, levam um pouco da sua casa, da sua vida de sempre”
Maria João Quintela
Presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia

A suíte é um pouco da sua casa, das memórias e recordações. “Sou uma alma muito generosa, gosto de dar e gosto de receber. Desfiz-me de tudo e tudo o que aqui está recorda-me a minha casa. A maioria das pessoas não se apercebe o quanto custa deixar a nossa casa.” Ela sabe e agradece estar rodeada de pedaços da sua vida. “Não conheço outros lares, mas, por aquilo que ouço, esta casa ultrapassa todas as casas. Há muita simpatia, muito bom modo, as funcionárias são amorosas e carinhosas, são o pilar desta casa.”

Emília Rosa nasceu em Braga, daí a boneca minhota, adora rosas, tem quadros e jarras com a flor espalhados pela suíte, mais uma no centro da sua mesa de refeições. Tudo ordenado, no sítio certo, disposto à sua vontade. Sempre foi extremamente organizada, frontal também. “Cada coisa tem o seu lugar, sou ordenada e organizada nas coisas como o sou na alma e no coração.”

Está sozinha, não tem família, não tem filhos, mas não vive fechada no quarto. Costuma ir à cidade lanchar e almoçar com pessoas amigas, todos os anos organiza um jantar da Cáritas em Viseu. “Trabalhar e dar aos outros, sinto-me bem nestas atividades e, ao fim do dia, pergunto-me o que fiz, o que podia ter feito mais. Gosto de deitar-me de consciência tranquila.”

A sua religião é outra, confessa. “Não sou de rezar, vivo da fé. Gosto de ir à igreja sozinha e em silêncio quando entendo que devo ir.” No meio da conversa, lê o rascunho da carta que escreveu a Marcelo Rebelo de Sousa há três anos. Letra redondinha, apresenta-se como uma “velhinha muito feliz” e agradece “o afetuoso abraço” que continua “guardado no coração”. Emília Rosa foi ao palácio de São Bento. “Quando entro aqui, recordo-me da minha casa, as coisas são a minha companhia.” A disposição é da sua inteira responsabilidade.

Emília Rosa, 89 anos, levou tudo o que podia de casa para a Residência Rainha D. Leonor, em Viseu, onde vive há sete anos (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

José Enes Gonçalves e Maria Teresa Canedo também mobilaram como quiseram a sua suíte na Residencial Para Pessoas Idosas S. Lázaro, da Misericórdia do Porto. “O único critério foi trazer o mínimo possível”, adianta José, 92 anos. “Cada um trouxe o que queria e trouxemo-nos a nós de livre vontade”, acrescenta ela, de 89 anos. Ele foi engenheiro agrónomo, ela dona de casa, ambos de Montalegre. José levou livros, os de outros, os que escreveu como “Memória do Couto Misto”, e uma capa amarela de argolas com a relação de todos eles, e são mais de dois mil, escrita pela sua mão com o nome do autor, título da obra, número do volume, editora.

Escolheu uma cestinha de palha, com mais de 100 anos, onde o seu pai levava o lanche para a escola, e fotografias de família. Ela levou a Santa Teresinha que lhe chegou às mãos depois de uma longa história – a sua mãe ofereceu a santa a uma amiga que antes de morrer pediu a uma criada que a entregasse à filha da amiga. Colocou a santinha, com vestido trabalhado até aos pés, num pequeno suporte de madeira comprado numa feira de antiguidades. Juntos levaram a aparelhagem musical, discos de vinil de fado e música clássica, alguns CD, uma televisão, duas camas de solteiro, uma mesinha de cabeceira, uma escrivaninha, um móvel de sala, sofás, uma mesa de centro de sala, candeeiros, alguns quadros. Ele não quis as carpetes, ela acabou por concordar.

José Enes Gonçalves, 92 anos, e Maria Teresa, 89, mobilaram a sua suíte, num lar da Misericórdia do Porto, como quiseram (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

A casa no terceiro andar sem elevador, em Montalegre, foi entregue ao senhorio. O recheio que não foi para o lar acabou distribuído pelos filhos e sobrinhos. José e Maria Teresa estão tranquilos, têm literatura e música, como tanto gostam, a encher-lhes os dias. “É muito mais agradável ter coisas nossas aqui”, realça Maria Teresa.

“Despedir-se de alguma coisa é sempre um corte e uma separação que deixam marcas. O transportar de memórias e a cultura coletiva de cada um são fundamentais” Manuel Lemos
Presidente da União das Misericórdias Portuguesas

“Isso é fundamental”, reforça Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. “Despedir-se de alguma coisa é sempre um corte e uma separação que deixam marcas.” O paradigma ideal é manter os mais velhos em suas casas, mas garantir as condições de saúde e de segurança nem sempre é possível. Levar objetos para a nova morada é essencial. “Fazem parte do seu património, da sua vida. Esse transportar de memórias e essa cultura coletiva de cada um são fundamentais.” A casa numa outra casa, mesmo que diferente, mesmo que num outro contexto. “Um idoso não deixa de ser uma pessoa que tem paixões, gostos e desgostos”, sublinha Manuel Lemos.

É como equilibrar os dois pratos de uma balança. “É compensar, é gerir desequilíbrios, é gerar equilíbrios”, frisa Carlos Branco, diretor técnico da Resisénior de Braga, administrador do projeto. De um lado do prato, os laços familiares, as relações de vizinhança, os pertences. Do outro, uma nova residência com tudo o que isso implica. Daí o equilíbrio, a possibilidade de não separação de peças que representam momentos de vida. “São objetos, são referências que lhes dizem muito, que têm uma vida substancial, uma parte afetiva muito forte”, diz Carlos Branco.

António, marido de Maria Odete Figueiredo, tinha ido a casa, de carro, ver se os gatos estavam bem. Levaram, entre outros objetos, um relógio que os acompanha há 69 anos (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Maria Odete Figueiredo, que faz 91 anos no próximo mês, e o marido António, com quase 95, sabem o que isso é. Há dois anos mudaram-se para o lar da Misericórdia de Viseu. “A nossa casa fica aqui muito pertinho, quase lhe sinto o cheiro”, salienta Maria Odete. É onde anda o marido que ao início da tarde pegou no carro e foi ver se os gatos estão bem. Levaram alguns pertences, Maria Odete fez a seleção quase total, António, que foi chefe de contabilidade da RTP, fez questão de ter consigo o velho relógio-despertador que colocou na mesinha de cabeceira.

“Estamos casados há 69 anos, o relógio deve ter essa idade”, calcula Maria Odete, estilista de alta-costura em ateliês da Rua Augusta, em Lisboa, que dirigiu uma fábrica de pronto a vestir. Ela levou alguns dos seus quadros pintados a óleo, como aquele em que pintou um mar castanho. “Uma vela negra, o mar castanho porque estava noite, o solzinho a pôr-se. A maioria das pessoas não gosta, mas a mim diz-me muito”, revela. Começou a pintar aos 77 anos. “Qualquer dia, vou fazer uma exposição.”

Levou cortinas feitas por si, algumas fotos, uma poltrona jeitosa. “Os maples são grandes e esta poltrona é mais leve e posso arrastá-la.” Levou os lençóis de cama, as mesinhas de cabeceira, a mobília do quarto de madeira escura. “São duas camas articuladas agarradas à barra da cama”, explica. A barra da cama é a testeira da cama de casal de casa. “Com tudo isto, parece que estamos mais em casa. Era desconfortável não termos nada nosso que nos dissesse alguma coisa. Quando chegámos não conhecemos nada, é um bocado duro.”

Rosa Magalhães, 95 anos, de Celorico de Basto, é uma mulher de fé. Comeu o pão que o diabo amassou vezes sem conta. “Passei fome, muito frio, muita neve.” Metia os pés dentro da saia para enganar as bolas rijas, duras e frias da saraiva. Era a irmã do meio de cinco raparigas e um rapaz. “Todos os domingos íamos à missa e depois íamos trabalhar na lavoura. À noite, comíamos o caldo e não íamos para a cama sem rezar o terço.” O seu filho mais novo nasceu num domingo, na segunda-feira já estava a lavar roupa. Andou na agricultura, serviu em casas no Porto. Foi duas vezes a Fátima a pé. “Deus é Deus, é só um, o Mundo é só um, tenho fé, vivo com a fé que me ensinaram, peço aos santinhos para me ajudarem a pedir a Deus.”

Na mesinha de cabeceira do seu quarto no Lar Dr. Fernando Peixinho, em Oiã, tem um São Bento da Porta Aberta que comprou numa das romarias quando ainda era solteira, uma Nossa Senhora e na cómoda uma foto de Nossa Senhora do Viso. Em cima da cama, dois bonecos de peluche que a bisneta Maria lhe ofereceu à socapa, surpresa escondida numa saca, sem ela saber, numa ida a Águeda, a casa do filho. O bisneto Manuel, de dez anos, ofereceu-lhe um estojo com canetas e lápis que guarda na sala de atividades. Aprendeu a escrever o seu nome no lar. “Tinha pena de ser velha e não saber escrever.” Sente que ali está um pouco de si, da sua fé, de sua casa. “Estou bem aqui, não me falta nada.” Hoje à noite, como todas as noites, antes de adormecer, rezará ao seu anjo da guarda, sua companhia que lhe guarda a alma de noite e de dia. É uma mulher de fé.