Joanetes: os pés são uma orquestra que às vezes desafina

A deformidade manifesta-se. É progressiva, dolorosa e incapacitante. Mas há tratamentos (Foto: Freepik)

Deformidade progressiva, dolorosa, incapacitante. Eis os joanetes. Os sapatos bicudos e de salto altotêm culpa no seu aparecimento, mas não são os únicos fatores. Quase todas as soluções desaguam na cirurgia.

“Hallux valgus” é o nome científico. André Gomes, médico ortopedista do Centro Hospitalar Universitário do Porto e professor no ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, troca por miúdos esse desalinhamento que provoca uma proeminência óssea. “Joanete é uma deformidade do pé em que há um desvio grande em direção aos restantes, formando uma saliência que se torna vermelha e dolorosa chamada ‘bunion’, podendo inflamar localmente e dar uma bursite dolorosa”, explica. Paulo Amado, coordenador de Medicina Desportiva e Artroscopia Avançada do Hospital Lusíadas do Porto, acrescenta alguns fatores. É uma patologia, uma deformidade do antepé, que piora com a idade, mais comum no Ocidente por questões culturais. “É mais frequente nas mulheres.” Muito por culpa dos sapatos.

Graça Maria sofreu com os joanetes, foi operada, ficou bem. Os problemas nos pés deram sinal depois dos 50 anos. Primeiro, uma operação aos esporões nos dois pés. Raio-X, cirurgia, alívio momentâneo. O desconforto voltou, a situação piorou, consultas no calista. “Os dedos dos pés doíam-me. Saía da cama e caminhava torto, enquanto o pé não estava quente. Caminhar era doloroso”, recorda. “Tinha dores todos os dias e eram constantes.” Dor a calçar os sapatos, quebra-cabeças a comprar calçado. Por vezes, caminhava nos calcanhares para atenuar o mal-estar. Decidiu ouvir um especialista e o diagnóstico foi claro: os joanetes eram responsáveis pela dor e a operação deveria ter sido marcada anos antes. Graça nunca foi mulher de salto alto. O problema não era esse. Calçado errado, posições incorretas e predisposição genética foram as hipóteses avançadas para explicar os seus joanetes. “Havia dias em que não conseguia meter o pé no sapato.” No ioga, tornou-se impossível a posição de se sentar nos calcanhares. Operação marcada, cirurgia feita, fisioterapia, recuperação. Mês e meio depois, já conduzia. “Agora faço a minha vida normal.” Sem dores nos pés.

“A grande maioria dos casos tem a ver com o uso de calçado muito apertado na frente, que provoca sobreposição dos dedos, e de salto alto que origina uma sobrecarga a nível do antepé”, indica o ortopedista André Gomes. Por isso, os joanetes são mais frequentes e sintomáticos no sexo feminino, até pelos padrões de estética exigidos em determinadas profissões e sociedades. No entanto, não são exclusivos das mulheres. “Podem também aparecer em jovens e crianças com fatores genéticos e malformações congénitas. Outras causas no adulto incluem alterações neurológicas, traumatismos, doenças autoimunes e metabólicas como artrite reumatoide, psoríase, gota, etc.”

Dedos em garra, dedos em martelo

A deformidade manifesta-se. É progressiva, dolorosa e incapacitante. Mas há tratamentos. “Não se justifica hoje em dia ter pés muito deformados, dolorosos, inestéticos, que limitam as atividades diárias e que têm de ser escondidos debaixo da areia no verão ou impedem o uso de calçado”, defende André Gomes. “O pé é como uma orquestra em que todas as partes têm de estar interligadas e em sintonia para se obter um bom resultado.”

Paulo Amado adianta que “um dos critérios para operar não é só ter joanetes, é ter dor”, e esclarece que é raro eles voltarem a aparecer depois da cirurgia. “E a noção errada de que operar aos joanetes dói muito não corresponde à verdade. É uma má fama que a cirurgia conservadora teve e com alguma razão. A cirurgia ortopédica dos joanetes foi a que mais evoluiu”, assegura.

O tratamento evoluiu com técnicas recentes, instrumentos mais delicados, novos equipamentos. “A tendência atual é operar estas deformidades precocemente, pois a recuperação é mais rápida, menos dolorosa e mais completa, restituindo os pés à sua morfologia e funcionalidades normais”, sublinha André Gomes. Paulo Amado diz que há joanetes grandes que provocam pouca dor e joanetes pequenos que causam bastante aflição. “Não há uma solução única para determinado joanete, depende da deformidade, do grau de dor, da idade.”

Dedos em garra, dedos em martelo, dores na parte média do pé, dores tipo choque elétrico, o “olho-de-perdiz”, uma pequenina ferida entre os quarto e quinto dedos, implicam cirurgia. O tratamento destas lesões pode ser conservador ou cirúrgico. O primeiro consiste em evitar o calçado afilado na ponta e de salto alto, uso de abdutor noturno, almofada interdigital, anti-inflamatórios orais, fisioterapia. Tudo isso pode melhorar temporariamente os sintomas, mas a deformidade “é habitualmente progressiva pelas forças deformantes que atuam precocemente ao nível do pé e que se tornam mais acentuadas quanto maior for o desvio”, avisa André Gomes. Sapatos com antepé largo e palmilhas feitas à medida são uma ajuda, mas normalmente é a cirurgia que dá cabo da dor.

Mitos

  • Não são exclusivos das mulheres. Podem aparecer em crianças e jovens com fatores genéticos e malformações.
  • Regra geral, os joanetes não voltam a aparecer depois da cirurgia.
  • A dor não é proporcional à deformidade. Joanetes grandes podem causar pouca dor, joanetes pequenos podem provocar muita aflição.
  • A ideia de que a operação aos joanetes dói bastante não corresponde à realidade. A cirurgia ortopédica evoluiu bastante. A taxa de sucesso é superior a 90%.

Curiosidades

  • A cirurgia percutânea ou minimamente invasiva do pé implica normalmente um período de quatro a seis semanas até que a consolidação ocorra.
  • Depois de corrigidas as deformidades, a fisioterapia ajuda a recuperar a máxima funcionalidade do pé, evita a recidiva, previne edemas pós-operatórios.
  • Em muitos casos, a anestesia geral não é necessária, basta uma anestesia na perna que a adormece durante duas horas. A operação pode ser feita em ambulatório.
  • Quanto menor a deformidade, habitualmente progressiva, mais fácil é a correção e melhor o resultado.
  • O sapato deve ser largo à frente com palmilhas de apoio. Deve evitar-se o sapato de salto alto ou bicudo.