Os animais e a covid

Apesar de tudo apontar para que a atual epidemia tenha tido origem zoonótica, não há até ao momento qualquer evidência científica de que os bichos possam contaminar os tutores

Liliana Silva, 32 anos, residente em Braga, não se esconde em pruridos. “Se me senti mais ansiosa com a ideia de levar a cadela à rua durante a pandemia? Realmente senti, principalmente por ter uma filha pequenina. Como também estava na idade de gatinhar, o meu medo era que o chão pudesse estar contaminado.” Por isso, optou por jogar pelo seguro. Aproveitando o facto de a shih tzu que a acompanha há muito estar habituada a fazer as necessidades no resguardo, começou a evitar grandes saídas. “Só esporadicamente.”

A tarefa ficou facilitada quando, em plena pandemia de covid, se mudou para uma casa com espaço exterior. “De momento praticamente só anda no jardim de casa. Sempre gostou pouco de sair e como é muito trapalhona – volta e meia cai, ou rebola, ou anda onde não deve -, acabo por juntar o útil ao agradável.” Mesmo assim, sempre que Yahra tem contacto com estranhos através do muro da casa, ou sai para ir ao veterinário, Liliana faz questão de lhe passar toalhitas de clorexidina, um hábito que já tinha antes e que agora tem reforçado. “É mais por descargo de consciência, porque quando ela anda no muro nunca sei bem quem lhe toca.”

A preocupação e os cuidados de Liliana são os de outros tutores que se veem confrontados com dúvidas e angústias relacionadas com a covid e os animais de estimação. Mas afinal, os companheiros de quatro patas podem ser infetados com o novo coronavírus? E podem infetar os humanos? Vamos por partes. Sim, os animais de estimação podem contrair o vírus. Segundo a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), “agora que as infeções por SARS-CoV-2 estão amplamente distribuídas na população humana, há a possibilidade de certas espécies de animais ficarem infetadas através de contacto próximo com humanos infetados”.

Na página do organismo pode ainda ler-se que gatos, martas e cães testaram positivo para SARS-CoV-2 depois de terem contacto com humanos infetados com o vírus. Ainda de acordo com a OIE, os estudos feitos até agora sugerem que os gatos são a espécie que maior probabilidade tem de contrair o vírus. Até ao momento, houve vários felinos a apresentarem “sintomas clínicos da doença, incluindo sintomas respiratórios e gastrointestinais”.

Já a infeção de humanos por via de animais de estimação afigura-se bem mais improvável. Apesar de tudo apontar para que a atual epidemia tenha tido origem zoonótica, não há até ao momento qualquer evidência científica de que os bichos possam contaminar os tutores. E, na sua página na internet, a OIE faz questão de esclarecer o seguinte: “Apesar de várias espécies de animais terem sido infetadas com SARS-CoV-2, estas infeções não funcionam como rastilho para a atual pandemia de covid-19. A pandemia deve-se à transmissão de humano para humano”.

Evitar aglomerados e limpar as patas aos cães

Seja como for, há cuidados que vale a pena ter com os patudos, em particular com os cães, a espécie animal que mais sai à rua. Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Veterinários, deixa algumas recomendações. “Antes de mais, o ideal é que sejam passeios confinados. Pelo menos para já não é razoável voltar a ter aqueles passeios com grandes ajuntamentos em que toda a gente larga os cães. É recomendável que, dentro do possível, o animal ande com trela, para que não se aproxime demasiado de outros animais e pessoas.”

Outro momento que exige redobrado cuidado é o regresso a casa. “O ideal será sempre desinfetar as patinhas do animal. Seja com água e sabão, com spray ou com toalhitas próprias para o efeito.” Já dentro da residência, também há precauções a adotar, nomeadamente quando um dos tutores contrai o vírus.

“O melhor será evitar aquele contacto próximo, mais íntimo, de agarrar no animal, dar beijos, etc. Se houver mesmo necessidade de tocar no animal por alguma razão, o ideal será fazê-lo com luvas e máscaras”, sublinha Jorge Cid, admitindo que estes cuidados são ainda mais relevantes no caso dos gatos – lá está, por serem, à partida, mais suscetíveis a contrair a doença.

O bastonário da Ordem dos Veterinários reconhece que todas estas dicas são apenas “medidas preventivas”, sugeridas num cenário em que ainda abundam as dúvidas e escasseiam as certezas. “Ainda não há um conhecimento perfeito de todo este vírus. Estes são apenas pequenos cuidados que podemos ter, por precaução.”

De resto, alerta Jorge Cid, há que estar particularmente atento ao comportamento e bem-estar dos animais, face às alterações de rotinas que a pandemia tem suscitado. Entre confinamento e desconfinamento, os bichos ressentem-se. “Os gatos podem sentir um stresse adicional por, de repente, passarem a ter os tutores sempre em casa. Já os cães podem sentir o contrário.” Ou seja, estranharem ficar sozinhos depois de um longo período com companhia 24 horas por dia. Importa, por isso, estar atento a eventuais sinais de alerta.

No meio de tudo isto, e de uma pandemia que é tudo menos positiva para a generalidade da humanidade, há, no entanto, indicadores positivos a reter. Ao contrário do que chegou a temer-se, que o medo de eventuais contágios promovidos pelos animais pudesse levar ao abandono dos mesmos, tem-se verificado o contrário. “É essa a sensação que temos, que as pessoas adotaram muito mais animais nesta época. Talvez por terem de estar mais confinadas em casa, muitas delas sozinhas, acabavam por ser uma companhia que tinham. A presença de um animal de companhia tem um papel extremamente importante.”