Obsessão por doenças. O que fazer?

Lidar com uma pandemia com tantas pontas soltas e fatores ainda desconhecidos não é fácil para ninguém

Lavar as mãos durante horas. Medir a temperatura minuto a minuto. Obsessivos-compulsivos e hipocondríacos estão mais vulneráveis em tempo de pandemia.

Os espirros constantes, a tosse que não passa, medir a febre vezes sem conta, sentir que há uma doença sempre a rondar. Aqueles pensamentos malditos que não saem da cabeça. A ansiedade que se instala. O coração bate mais depressa, o peito aperta, o corpo fica tenso. E o medo. Uma dor de cabeça pode ser uma coisa grave, um atchim sinal de contágio por uma bactéria terrível, a impressão na garganta um triste diagnóstico. Aquela sensação que não vai embora, que mói, o organismo atacado por uma maleita sem cura que, afinal, não se confirma. As ideias que persistem, mesmo quando os médicos garantem que está tudo bem. Como é que hipocondríacos e obsessivos-compulsivos vivem esta pandemia? Não é fácil.

A hipocondria não é uma simples mania das doenças, exige cuidado, atenção, apoio continuado. O transtorno obsessivo-compulsivo requer um acompanhamento articulado, medicação e psicoterapia. Cada vez mais, a hipocondria é entendida como um sintoma de uma perturbação de ansiedade que tem um foco mais específico: a doença. Se tem intensidade suficiente para interferir na vida de todos os dias, se se mantém durante um período de seis meses, então há um quadro de hipocondria. E a ansiedade atinge níveis perigosos.

Lidar com uma pandemia com tantas pontas soltas e fatores ainda desconhecidos não é fácil para ninguém. A ansiedade pode ser uma coisa boa quando impele para a segurança e proteção, para cumprir as regras explicadas pelas autoridades de saúde e repetidas todos os dias. O problema é quando a ansiedade aumenta bastante e se torna presença assídua no quotidiano dos hipocondríacos – e isso não é bom, confirma a prática clínica e a literatura internacional.

Emília Moreira, psicóloga do Hospital Lusíadas do Porto, explica que seja qual for o caso da doença que se acha que se tem, é importante o acompanhamento clínico, mesmo à distância, para regular mecanismos e afinar estratégias para dar mais tranquilidade.

A profissional expõe três cenários. A ansiedade boa e natural de medir a temperatura mais regularmente, maior atenção aos sinais, vigiar a saúde de uma forma objetiva. A ansiedade que sugestiona, que provoca uma maior insegurança perante a atual situação, e que pode ou não configurar uma situação de hipocondria (de qualquer forma, convém pedir ajuda para perceber o que se passa). E a ansiedade comum da hipocondria, que “tem uma intensidade que perturba a vida”. Aqui é necessária uma retaguarda médica, psicoterapia, eventualmente medicação, reforço de apoio.

“Tudo depende do nível de perturbação”, destaca a psicóloga. “A ansiedade tem sempre três componentes: emocional, cognitiva, física.” Na primeira, há medo, há apreensão. Na segunda, pensamentos que provocam medo de doenças ou outras coisas. Na terceira, o organismo dá de si: um aperto no peito, o coração que bate mais rápido, o corpo mais tenso, um mal-estar na barriga. Há formas de dar a volta por cima. “A nível emocional, falando com alguém, um clínico, desabafando com uma pessoa de confiança. Isto é importante.” E há sempre aquele medo de estar infetado com Covid-19. “É preciso perceber melhor se os sintomas são mais persistentes ou não e pedir ajuda médica objetiva para entender se os sintomas são válidos.” A nível físico, exercícios de relaxamento corporal, respiração mais profunda, mais devagar, servem para baixar os níveis de ansiedade. “Esses exercícios ajudam a quebrar esse novelo emaranhado”, refere Emília Moreira.

No transtorno obsessivo-compulsivo, o processamento emocional é importante. Há uma maior expressão da componente cognitiva, o que exige um acompanhamento farmacológico e psicoterapia. “É necessário um trabalho articulado.”

Contaminação e lavagem

“As pessoas que sofrem destas duas doenças estão particularmente vulneráveis durante esta fase de pandemia e isolamento. Mas é muito importante que saibam que aquilo que estão a experienciar é transitório e que existem tratamentos que são eficazes na esmagadora maioria das situações”, adianta Pedro Morgado, psiquiatra do Hospital de Braga e professor da Escola de Medicina da Universidade do Minho.

As pessoas que sofrem de hipocondria estão exageradamente preocupadas com ter ou vir a contrair uma doença grave, e sempre à procura de informação. Os pensamentos repetitivos, indesejados e sem qualquer lógica, bem como as compulsões são características da doença obsessivo-compulsiva. “Em situações como aquela que vivemos, existe o potencial de se exacerbarem os sintomas das pessoas que sofrem de hipocondria, uma vez que há um foco generalizado nos temas de saúde e uma exposição repetida aos sintomas característicos da doença”, alerta o especialista.

Há vários tipos de doença obsessivo-compulsiva. No atual contexto de pandemia, o mais comum é o subtipo de contaminação e lavagem. Aquela fixação na sujidade leva a comportamentos compulsivos de lavagem e verificação como, por exemplo, passar horas e horas a lavar as mãos. A sobre-exposição a informações, que alertam para os graves riscos associados a falhas de higiene, pode conduzir a um aumento da intensidade dos sintomas obsessivos. “O tratamento da doença prevê a utilização de medicamentos (antidepressivos) e também de psicoterapia. Esta, de uma forma muito simplista, implica que a pessoa com a doença obsessivo-compulsiva consiga desafiar os seus pensamentos obsessivos irracionais e experimentar como pode tranquilizar-se mesmo sem fazer as compulsões.”

O que é complicado no atual contexto pandémico. “A implementação destas técnicas psicoterapêuticas fica mais dificultada porque há um conflito potencial entre o seu objetivo e as normas que estão a ser disseminadas pelas autoridades de saúde”, admite Pedro Morgado. De qualquer forma, o colégio da especialidade publicará, nos próximos dias, orientações que reforçam a necessidade de avaliar com muito cuidado a aplicação dessas técnicas psicoterapêuticas durante a pandemia de Covid-19.

O que fazer

  • Partilhar os pensamentos indesejados e sem lógica com alguém de confiança.
  • Tentar contrariar ideias irracionais, repetidas, e que interferem no quotidiano.
  • Procurar ajuda médica para avaliar a validade dos sintomas.
  • Exercícios de relaxamento corporal, respirar mais devagar, ajudam a estabilizar os níveis da aniedade.
  • Não consumir em exagero informação sobre doença e saúde.
  • Manter o acompanhamento especializado para melhor interpretar sinais e regular mecanismos.
  • Em alguns casos, medicação e psicoterapia são a prescrição necessária.