Homossexualidade no desporto: “Tenho adversários que me dizem ‘olha aí, ó paneleiro'”

(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

No desporto, particularmente em Portugal, a homossexualidade continua a ser questão votada a um poderoso manto de silêncio. Por trás dele, escondem-se histórias de medos e angústias, de gozo e insultos, de vidas duplas e sofrimentos múltiplos. O caminho faz-se de ínfimos passos, num ritmo bem mais lento do que o que vamos vendo noutros países.

Saber, acha que soube desde miúdo. Mas a clareza de ideias tardou, andou ali nublada, tímida, embrulhada entre os anos da infância e do princípio da adolescência em que já desbravava os rinques sobre os patins. A primeira experiência homossexual viveu-a aos 16 anos. Mas não se definiu logo ali.

Durante uns tempos, ainda andou com rapazes e raparigas. Era a fase em que as conversas de balneário redundavam inevitavelmente nas miúdas. Ele alinhava. Por isso, nunca se sentiu posto de parte. Mas a ânsia da integração tinha um lado perverso. “Uma pessoa esconde-se. Vive-se uma vida que não é a nossa. Às vezes sentia-me bipolar.”

Aos 18 anos deixou-se disso. Antes, com 17, já tinha contado à mãe. “Chamei-a e disse que tinha uma coisa muito importante para lhe contar. Ela disse: ‘Não precisas, já sei.’ Isso facilitou.” Com o pai foi mais difícil. Andaram anos sem se falar. Águas passadas. No hóquei, que se foi fazendo coisa séria, o segredo desvaneceu-se com o tempo.

“Contei a meia dúzia de amigos mais próximos. Mas as pessoas foram sabendo. Só me senti mais constrangido em falar disso nos anos em que fui treinador das camadas jovens. Tinha medo do que os pais pudessem pensar ou inventar. Felizmente, nunca tive problemas. De resto, não ando por aí a dizer se sou [homossexual] ou não sou, mas se me perguntarem não escondo.”

Por isso, aos 35 anos, muitos deles passados a atuar no primeiro escalão da modalidade, estima que a maior parte das pessoas já saiba. Contudo, prefere não dar a cara. Pelos “tempos conturbados” que vivemos e porque prefere poupar a família ao falatório.

Nuno, chamemos-lhe assim, garante estar bem resolvido e levar há muito uma vida sem tabus. Tem inclusive uma relação de anos, com teto partilhado e tudo. Mas o hóquei, a outra paixão, já lhe deu a provar o travo amargo da homofobia. “Deparo-me com vários adversários que, no decorrer do jogo, quando há algum contacto físico, começam a dizer: ‘Olha aí, ó paneleiro.’ Eu rio-me. Acho que o desprezo é a melhor resposta. Felizmente isso a mim só me dá mais vontade de jogar.”

“Nuno” tem 35 anos, muitos deles passados no principal escalão do hóquei em patins. Já sentiu a homofobia em adversários, adeptos e até em colegas de equipa
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Dos adeptos também já teve que dizer. “Há uns anos, num jogo fora, os adeptos da casa começaram a cantar algo sobre o número X ser paneleiro. Por coincidência, marquei o golo da vitória da minha equipa. Não resisti a levar a mão ao ouvido [como quem diz ‘e agora? Não vos ouço’]. Não sou de me calar nem de me ficar quando me rebaixam. Só quando cheguei ao balneário comecei a chorar.”

O hoquista recorda ainda um episódio vivido num “clube do norte”, em que foram os próprios colegas de equipa a dirigir-lhe bocas homofóbicas. “Sentia que não era desejado e isso afetava-me. Acabei por reportar ao capitão de equipa e os diretores do clube intervieram prontamente, deixaram claro que aquele comportamento não era aceitável.” Desistir do hóquei nunca lhe passou pela cabeça, ainda assim. Até porque também tem um sem-fim de experiências positivas na balança. “Tive um colega que estava tão à vontade com a minha homossexualidade que até se sentava no meu colo, na brincadeira. Ainda hoje somos amigos.” Da equipa em que está agora também não tem razão de queixa.

Mas Nuno sabe bem que ser homossexual no mundo do desporto – e em particular num mundo de homens – pode ser uma missão ingrata, penosa, sufocante até. “Há muita gente que se esconde, que vive vidas duplas. Tenho miúdos de 15, 16 anos que vêm falar comigo, muito perdidos, porque não sabem como lidar, porque são gozados no balneário. Alguns, por não se sentirem confortáveis, ponderam desistir.”

“Chamavam-me boiola e paneleiro”

Foi também para servir de amparo e referência a outros que o judoca olímpico Célio Dias, 27 anos, assumiu publicamente a homossexualidade. Aconteceu no início de 2018, numa entrevista em que revelou também sofrer de um transtorno do espetro da esquizofrenia. Antes dele, entre atletas masculinos com mediatismo, só Nicha Cabral, o primeiro piloto português na Fórmula 1, o tinha feito. Mas muito depois de terminar a carreira. No caso de Célio, a coragem valeu-lhe o reconhecimento de colegas e a admiração de uns quantos jovens que o abordaram para lhe agradecer a inspiração.

A revelação chegou após um período conturbado que envolveu uma depressão, um surto psicótico, duas tentativas de suicídio (assumidas pelo próprio) e um internamento na ala psiquiátrica. O improvável ponto de partida, esse, foi o ponto mais alto da carreira – a presença do português nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.

“Tinha planeado assumir a minha homossexualidade depois dos Jogos, porque estava convencido de que ia ganhar uma medalha e, achava eu, se o fizesse depois disso, o anúncio teria outro impacto. Acabei por pôr muita pressão em mim mesmo e isso contribuiu para que as coisas não tivessem corrido bem [foi eliminado logo no primeiro combate].”

Depois, ainda chegou a participar nos Mundiais de Judo de 2017, de onde saiu com um nono lugar. Mas a derrocada já tinha começado. Hoje, à distância e com o conhecimento que os estudos em Psicologia lhe foram proporcionando, entende que, ao longo da vida, houve uma série de fatores que serviram de gatilho à doença mental. “O facto de ser adotado, de ser negro, de ser homossexual, de ter crescido num bairro social. Ao longo da minha vida, fui relegando para segundo plano tudo o que não era brilhoso.”

Célio Dias, judoca olímpico (Foto: Orlando Almeida/Global Imagens)

A começar pelos comentários e provocações homofóbicas com que cresceu. “Desde gozarem com o facto de eu brincar com raparigas a chamarem-me boiola e paneleiro, todo o tipo de nomes.” A entrada para o judo permitiu-lhe “ganhar outro respeito”. Até porque o sucesso foi quase imediato. “Um ano depois de ter começado a fazer judo fui campeão nacional e tive as minhas primeiras internacionalizações.”

Agora, mais de dois anos depois de ter revelado a homossexualidade, o ex-judoca do Benfica, hoje atleta das Construções Norte-Sul, está prestes a regressar à competição. Fá-lo-á nos campeonatos nacionais de judo, em outubro. E continua a ser o único atleta olímpico português a ter assumido uma orientação sexual distinta. Por isso, faz questão de deixar duas mensagens. “A primeira é para os desportistas que pertencem à comunidade LGBTQ+. Para que acreditem que o desporto tem a capacidade de rir sobre todas as faces de discriminação. Aos que não pertencem à comunidade LGBT, peço que ajudem os primeiros e os incentivem a viver uma vida em plenitude.”

Pela parte que lhe toca, promete continuar a contribuir para desconstruir o estereótipo de que o “o gay não é forte e não tem jeito para o desporto”. E até já descobriu parte das raízes do preconceito. “Tenho estudado isso. No nosso arquétipo, os atletas internacionais são vistos como os guerreiros que vão contribuir fora da tribo. Esta ideia do guerreiro é relevante.”

Vidas duplas, sofrimento e silêncio profundo

Júlio Machado Vaz, sexólogo, também releva a questão. “Os atletas receiam assumir a homossexualidade por terem medo de serem vítimas de discriminação e de comprometerem as suas carreiras. Sobretudo no desporto masculino, a repressão social é maior, há aquela velha frase do ‘isto é para homens’, que em si mesma condiciona. E o próprio mote do ‘no pain, no gain’ [sem sofrimento não há vitórias] joga muito mal com o estereótipo do homossexual”, alerta.

Já José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, diz olhar com “naturalidade” para o facto de só ter havido até hoje um atleta olímpico a assumir a homossexualidade em Portugal. Isto por se tratar de “uma matéria que só ao próprio diz respeito”. Mas admite que “os valores dominantes na sociedade possam condicionar a assunção pública de orientações sexuais não dominantes”.

Também João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, reconhece que o desporto “é ainda, por vezes, palco de intolerância, quando observamos discursos machistas, microagressões e ambientes pouco inclusivos”, apontando para várias ações de sensibilização e promoção da inclusão e direitos humanos que o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) tem vindo a promover ao longo dos anos.

Os futebolistas são, porventura, a maior vítima desta ideia da virilidade máscula como condição sine qua non para o sucesso de um desportista. Assumindo que, durante a longa carreira como sexólogo, já teve no consultório vários futebolistas profissionais que viviam a homossexualidade no maior dos sigilos, Júlio Machado Vaz fala de casos de “grande sofrimento” e do impacto nefasto de viver durante “20, 30 anos numa sensação de clandestinidade”. “Acabam por ter relações heterossexuais, que não preenchem, mas que de alguma forma dão uma sensação de segurança. E depois ainda têm de fingir alinhar no discurso dos outros.”

Certo é que em quase cem anos de campeonato nacional de futebol em Portugal nunca houve no nosso país um futebolista profissional a assumir a homossexualidade. Mesmo após o término da carreira. Pelo Mundo fora, o cenário não é radicalmente diferente, mas já há umas quantas saídas do armário a registar.

Justin Fashanu, o inglês que chegou a atuar no Manchester City e no Southampton e que, em 1990, se tornou o primeiro desportista masculino nas modalidades a assumir-se publicamente (acabou por suicidar-se em 1998, depois de ter sido acusado de um envolvimento não consentido com um menor), e o internacional alemão Thomas Hitzlsperger, que veio a público em 2014, depois de terminar a carreira, serão porventura os casos mais mediáticos num ainda curto leque de futebolistas de topo que ousaram sair do armário.

Em Portugal, a “Notícias Magazine” fez um sem-fim de contactos para conseguir chegar à fala com um futebolista (ou futsalista) homossexual de uma qualquer equipa federada que, mesmo sem dar a cara, assumisse ser gay. Mas todas as tentativas se revelaram infrutíferas. No único caso que a nossa publicação conseguiu identificar, a ideia de uma conversa sobre o assunto foi prontamente refutada.

Ana Aresta, presidente da ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, associa a renitência a “muitos anos de insultos e de discursos de ódio associados ao desporto”. “Isto leva a que muitos atletas acabem por não querer ser visíveis, por medo de retaliação. Seja nos próprios clubes ou dos adeptos.” A ativista aponta ainda o facto de ser comum ouvirem-se insultos homofóbicos “associados a uma má jogada ou a uma má ação de um determinado atleta”.

Uma equipa LGBT, “igual às outras”

Há quem aponte também o dedo a uma certa “masculinidade tóxica” que prospera na generalidade dos balneários de equipas de futebol heterossexuais. É o caso de Rodrigo Gaspar, 26 anos, quase todos passados a jogar à bola, mesmo que nunca como atleta federado. “Na altura ainda não me tinha assumido, mas deu para perceber como são as coisas. Se um tipo aparece mais bem-apresentado ou com uma cor não heteronormativa leva logo com o carimbo de bicha.”

Por isso, em 2017, quando um amigo lhe falou numa “equipa de futsal inclusiva” não hesitou em ir experimentar. Mesmo que ele próprio tenha chegado com uma série de “pré-conceitos”. “Pensava: bom, não há jogadores gays que joguem bem, vai ser complicado. E achava que o balneário ia ser um regabofe, com muita tensão sexual.” Mas chegou ao fim do primeiro treino com os “foxes”, uma equipa criada em 2016 pela associação LGBT Boys Just Wanna Have Fun, e percebeu: “‘Então, mas isto é igual!”.

À mesma conclusão chegou rapidamente Filipe Teijeiro, 32 anos, mais de 15 como atleta federado, em Espanha. “Eu só percebi que era homossexual já tarde, com 20 e tal anos”, partilha. Na altura já tinha parado de jogar por causa de uma lesão. “Acho que há sempre uma parte de nós que sabe, mas parece que isto de jogar à bola não pode estar ligado ao facto de se ser homossexual. O futebol precisa que uma pessoa importante se assuma. Isso vai tornar tudo mais fácil para muita gente”, atira.

Se dúvidas houvesse, o arranque do treino, em que a seriedade e o empenho imperam, trata de as dissipar. “Trabalhamos para ganhar jogos, como uma equipa normal”, esclarece o treinador, Eduardo Saraiva. Em dez anos como técnico, é a primeira vez que orienta uma equipa LGBT, mas garante que é “exatamente a mesma coisa”. E o facto de ser heterossexual e orientar uma equipa em que 22 dos 24 atletas são gays não lhe causa qualquer tipo de embaraço. “Para mim isso nem sequer é assunto. Vamos para o chuveiro todos juntos como noutra equipa qualquer. Nunca senti qualquer atitude indesejada.”

Os “foxes” são uma equipa de futsal assumidamente LGBT, mas garantem que quando a bola rola nada os diferencia de outras
(Foto: Carlos Pimentel/Global Imagens)

Tratando-se de uma equipa não-federada, embora esse cenário já vá surgindo no horizonte, os “foxes” trabalham para participar anualmente num torneio promovido pela Câmara Municipal de Lisboa. Mas não só. “Apontamos sempre para ir aos Euro Games e aos Gay Games [eventos internacionais LGBT]”, vinca Francisco Matias. O jogador e coordenador da equipa garante ainda que nunca se apercebeu de quaisquer comentários desagradáveis. “Acho que na maior parte das vezes até será difícil as pessoas aperceberem-se que somos uma equipa maioritariamente gay”, augura.

Rasgar estereótipos e fazer do desporto um meio inclusivo é precisamente o objetivo da associação Boys Just Wanna Have Fun (BJWHF), nascida em 2010, pelas mãos de uns quantos amantes do râguebi. “A maior parte dos jogadores eram homossexuais e sentiam falta de um espaço onde pudessem conviver à vontade. Foi assim que nasceram os Dark Horses, uma equipa onde toda a gente é bem-vinda”, conta Álvaro Cardoso, vice-presidente da BJWHF, prestes a ascender a presidente. No início, recorda, houve grandes comentários. Coisas como “olha, os maricas a jogar râguebi” ou “estes não valem nada”. Mas o preconceito não os demoveu.

E com o tempo a associação foi apostando noutras modalidades. Como o voleibol, a natação ou o futsal. Hoje, podem orgulhar-se de ter no palmarés uma longa lista de medalhas trazidas de provas internacionais LGBT. E de continuarem, aos poucos, a lutar para derrubar o estigma. “Há homossexuais em todas as modalidades e em todo o lado. Estão é muito camuflados, sobretudo em desportos mais vincadamente masculinos como o râguebi e o futebol. Mas é mesmo isso que esta associação quer ajudar a quebrar.”

Uma campanha solitária

O mesmo propósito norteou a campanha “Um clube para todos”, lançada pelo Estoril Praia no ano passado. “Uma campanha contra todo o tipo de discriminação, particularmente a homofobia”, explica Filipe Mendonça, membro da direção do clube e mentor da iniciativa, que se estendeu também à SAD da equipa da Linha. Por isso, num jogo do segundo escalão com a Académica, os canarinhos tornaram-se na primeira equipa de futebol profissional portuguesa a entrar em campo envergando cachecóis com as cores LGBT.

“Só quem anda muito desatento é que não percebe que este assunto está a ser colocado na agenda em países por todo o Mundo. A título de exemplo, a Premier League tem sempre uns dias dedicados a este assunto [iniciativa “Rainbow Laces”, em que todas as equipas se unem na sensibilização pela questão, exibindo, por exemplo, bandeiras e atacadores com as cores do arco-íris LGBT]. E a NBA tem feito muito ‘statement’ com isto. O Mundo está a virar-se para esta questão. Menos o futebol em Portugal”, aponta o dirigente.

A iniciativa, que mereceu ao Estoril Praia uma distinção atribuída pela ILGA, incluiu ainda um processo de formação de treinadores, coordenadores e dirigentes, na perspetiva de os capacitar para gerir e valorizar a diferença. “Ninguém acredita que no mundo do desporto não haja homossexuais. E eu pergunto: quantas futuras estrelas já perdemos por não sermos capazes de integrar estes atletas? As pessoas quando não se sentem acolhidas vão-se embora.”

Para isso, frisa Filipe, muito contribuem certas abordagens que se foram fazendo escola no futebol e que, mesmo sem intenção, podem ser nefastas. “Dizer ‘ó António, levanta-te, estás armado em menina? Não sejas maricas!’ pode ser o suficiente para afastar um miúdo que está com dificuldades identitárias.”

O Estoril foi até hoje o único clube de futebol a promover ativamente a luta contra a homofobia na modalidade
(Foto: DR)

Hugo Leal, diretor do futebol de formação do Estoril Praia com muitos anos de experiência no desporto-rei ao mais alto nível (Benfica, Atlético de Madrid, PSG e F. C. Porto, entre outros), também chama a atenção para a questão. “É um desporto em que há uma rivalidade muito associada ao confronto físico, quase associado à parte bélica, e que em idades mais jovens pode acabar por excluir quem tenha uma tendência homossexual mais vincada.”

Olhando para trás, confessa que desconfia que “dois ou três colegas” possam ter sofrido muito por nunca terem assumido a homossexualidade, mas assegura que entende perfeitamente a opção, porque “tudo seria mais complicado com essa exposição”. Hoje, diz, o tema continua a ser tabu, mas quer acreditar que o processo começa a estar mais facilitado.

No entanto, o Estoril continua a ser o único clube de futebol profissional a ter promovido uma iniciativa que visava diretamente a questão da homofobia no futebol. Questionada pela “Notícias Magazine” sobre a possibilidade de vir a lançar alguma campanha visando expressamente essa questão, à imagem do que acontece, por exemplo, na Premier League, a Liga Portugal remeteu para um fim de semana anual dedicado ao “NÃO – Racismo, Xenofobia, Violência e Intolerância”.

Fonte oficial da entidade responsável pelo futebol profissional lembrou ainda que “a Liga Portugal agravou, e muito, a pena em casos de violência, racismo, xenofobia e intolerância verificados nos estádios” e que, nesta época, “a questão da homofobia foi inserida pela primeira vez nos regulamentos” [referência no artigo 113.º, relativo a comportamentos discriminatórios].

Já a Federação Portuguesa de Futebol remeteu para o projeto “Eu Jogo pelos Direitos Humanos”, ao qual a FPF recentemente se associou (tal como o IPDJ), e no qual se “enquadra naturalmente a condenação de todos os comportamentos discriminatórios, de que a homofobia faz parte”. O organismo que tutela o futebol nacional defende igualmente que “tem sido implacável na censura e sancionamento de condutas discriminatórias em razão da orientação sexual”, lembrando que foram até tomadas decisões que apontaram para sanções como a interdição do recinto desportivo. Aconteceu no futsal, quando, no ano passado, o Conselho de Disciplina da FPF puniu o Sporting com quatro jogos à porta fechada por cânticos homofóbicos contra jogadores do Burinhosa e do Sporting de Braga.

Por sua vez, Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, reconhece que a temática “deve merecer mais atenção”. Constatando que, nos muitos anos que leva ligado ao futebol, já teve conhecimento de casos de futebolistas homossexuais, admite que o preocupa o facto de “haver jogadores que se sintam afetados por este clima, inibidos, obrigados a viver em segredo por temerem represálias pela sua orientação sexual”. Sublinha, por isso, a importância de atuar preventivamente e de sensibilizar as gerações mais jovens.

O caso do desporto feminino

Ana Aresta, presidente da ILGA, aponta o dedo ao “posicionamento pouco claro por parte dos clubes e estruturas diretivas”, que ajuda a que se perpetue o silêncio. “É curioso perceber que no contexto do desporto feminino, já há várias atletas que não têm problemas em partilhar nas redes sociais as relações que têm com outras mulheres. Estas atletas podem vir a ser um motor de mudança junto dos pares do futebol masculino.”

Aproveitando a deixa, a “Notícias Magazine” contactou os responsáveis pela comunicação do futebol feminino de Benfica, Sporting e Sporting de Braga (os três primeiros classificados da época passada na modalidade), no sentido de obter o testemunho de uma atleta assumidamente homossexual, mas em nenhum dos casos foi possível.
O preconceito que dita que o desporto masculino é “para homens fortes” aplica-se frequentemente às desportistas. Só que ao contrário. “Se uma mulher se destaca na prática desportiva, é vulgar que surjam suspeitas em relação à sua orientação sexual”, faz notar o sexólogo Júlio Machado Vaz.

No futebol feminino o estigma é ainda maior. Filipa, 20 anos, futebolista homossexual de uma equipa do segundo escalão da modalidade (prefere não dar a cara), confirma isso mesmo. “Já vi várias pessoas nas bancadas a dirigir insultos homofóbicos às jogadoras. Mesmo no meu dia a dia, quando digo que jogo futebol, é comum fazerem comentários sobre o que se passa no balneário e especularem que 90% das jogadoras devem ser homossexuais.” A realidade é outra, bem distinta. “Muitas jogadoras têm relações heterossexuais e nunca me deparei com uma abordagem indesejada”, garante, lamentando que o futebol feminino continue colado ao rótulo da homossexualidade.

A voleibolista Vanessa Rodrigues assegura que, no mundo do desporto, sempre teve o respeito de todos. Fora dele já sentiu olhares recriminatórios
(Foto: DR)

Já Vanessa Rodrigues, figura maior do voleibol feminino em Portugal, com quase 100 internacionalizações e sete títulos de campeã nacional no currículo, garante que o facto de ser gay nunca lhe custou o respeito do mundo do desporto. As primeiras perceções em relação à homossexualidade chegaram ainda na adolescência, mas só na faculdade tudo ficou claro. Primeiro, contou à família, de quem recebeu apoio incondicional. Depois, o facto de ser homossexual rapidamente se espalhou, até porque “o voleibol é um mundo pequeno” e ela nunca escondeu. Mas a atual atleta do Atlético Vólei Clube de Famalicão, médica de profissão, garante que a abertura nunca lhe trouxe qualquer entrave. “É difícil recordar algum episódio de discriminação que tenha vivido no voleibol. A carreira que construí com muito suor, sangue e lágrimas permitiu-me ter o respeito dos meus pares.”

Ana Chaparreiro, 50 anos, natural de Almeirim, campeã nacional de ténis em +45 e treinadora da modalidade, tem tido uma experiência igualmente tranquila. Percebeu que era homossexual “já tarde”, com 24 anos. Ainda hoje não anda por aí a anunciar aos sete ventos. “Se me perguntarem digo, não é tabu. Mas também não sinto necessidade de dizer. Estamos ali para jogar.” Mais incisiva é a postura que tem em relação à causa. “Faço bandeira no ativismo por acreditar que todos temos os mesmos direitos.”

Por isso, em 2010 juntou-se à ILGA. E desde 2016 é coordenadora do MOVE, o núcleo de desporto da associação. Em Portugal, defende, há boas leis mas muito preconceito. Por isso, há uma mensagem que faz questão de reforçar. “Lá fora, há cada vez mais desportistas que se vão assumindo. No Brasil, nos Estados Unidos, etc. Eu sou apologista de que sobretudo quem é mais mediático deveria assumir. Até para que outros que estejam a tentar sair do armário tenham exemplos que lhes possam abrir o caminho.” Um caminho que se antevê longo, penoso, a perder de vista.