O renascimento dos psicadélicos

O Delysid foi o primeiro medicamento com LSD, criado pelo cientista suíço Albert Hofmann, que sintetizou a molécula em laboratório

Substâncias como o LSD, a psilocibina e o MDMA foram proscritas da investigação científica e estigmatizadas no final dos anos 1960. Mas na última década ressurgiu o interesse por elas, e é possível que estejamos a um passo de descobrir que podem ter um papel importante na melhoria da saúde mental.

Quando, em 2017, Michael Pollan, jornalista americano, decidiu escrever sobre como o LSD e a psilocibina – a substância ativa dos cogumelos mágicos – estavam a ser estudados para tentar tratar pessoas com depressão, stresse pós-traumático ou dependências, estava longe de imaginar que ia, aos 60 anos, experimentar estas substâncias pela primeira vez. Acabou por escrever um livro, “How to change your mind” (Como mudar a sua mente – tradução livre, sem edição em português), em que, além de refletir sobre a história e investigação dos psicadélicos, contou a sua própria experiência com os estados alterados de consciência que, garante, lhe abriram uma porta para outra dimensão de si mesmo.

E quando, em 2018, Pedro Teixeira, professor de Nutrição, Exercício e Saúde na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, leu o livro de Michael Pollan, estava também longe de imaginar que ia, aos 48 anos, experimentar estas substâncias numa estreia absoluta. Acabou por escrever vários artigos para a imprensa e dar uma série de entrevistas que viriam a colocar o assunto na agenda mediática portuguesa.

“A depressão tem estado presente quase sempre na minha vida adulta. Uma depressão funcional mas, ainda assim, com as limitações que a depressão sempre impõe. Tentei várias estratégias ao longo da vida – sendo a psicoterapia a mais constante e frutuosa – mas não a ponto de resolver o problema”, conta o professor universitário e ex-diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física, da Direção-Geral da Saúde. A sua experiência com psicadélicos teve muito pouco de recreativa, pelo menos na aceção mais literal – e frequentemente pejorativa – do termo. “Foi uma procura de melhorias na minha saúde mental, a par de uma tentativa de me compreender melhor.”

Encontrou o que procurava: o humor depressivo praticamente desapareceu e considera que passou a ter uma perspetiva mais abrangente sobre a sua vida. “Sempre fui alguém muito focado no trabalho, demasiado investido em ‘produzir’. Estas experiências acrescentaram-me outros caminhos e senti os resultados também na esfera relacional.” Crê que o ensaio com os psicadélicos o ajudou a passar de um círculo vicioso para um círculo virtuoso.

Ontem e hoje

A história dos psicadélicos não se conta depressa porque ela é longa. Algumas substâncias psicadélicas surgem da natureza – como os cogumelos mágicos, que têm a psilocibina como princípio ativo, e a ayahuasca – e são usadas há milhares de anos em cerimónias místicas e religiosas. Outras, como o MDMA (metilenodioximetanfetamina, também conhecido por ecstasy) e o LSD (dietilamida do ácido lisérgico) foram sintetizadas em laboratório em 1912 e 1938, respetivamente. Nos anos 1950 e 60 estas substâncias começaram a ser estudadas do ponto de vista das propriedades terapêuticas mas, paralelamente, a explosão do seu uso comunitário, sobretudo por alguns movimentos de contracultura, acabou por levar a Administração Nixon a proibir o seu uso nos EUA, exemplo que foi seguido um pouco por todo Mundo. Foram precisos mais de 30 anos para se retomar as pesquisas interrompidas, e a verdade é que quando tal aconteceu em força, no início dos anos 2000, os ensaios clínicos desenvolveram resultados muito animadores, tanto a nível de eficácia como de duração do efeito, que chega a atingir os seis meses com uma única toma. Animadores o suficiente para fazer sentido continuar a estudar o assunto.

“Temos pouco em termos de conclusões sólidas, mas temos dados que nos dão esperança em duas situações: poder vir a usar a psicoterapia assistida por MDMA para o tratamento de stresse pós-traumático e a psilocibina para o tratamento da depressão resistente à medicação”, esclarece Albino Oliveira-Maia, médico psiquiatra e diretor da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud (CCC), em Lisboa, onde vai arrancar, coordenado por si – assim que a pandemia o permitir -, o primeiro ensaio clínico em Portugal a usar a psilocibina para tratar a depressão resistente a medicação. Promovido pela Compass, o teste clínico multicêntrico internacional vai recrutar mais de 200 voluntários em vários países – em Portugal, no CCC, serão 25 – e, a ter bons resultados, poderá ser usado para efeitos de regulação médica destas substâncias. Tem por objetivo determinar a segurança e eficácia da matéria, mas também tentar perceber exatamente quais são os seus mecanismos de ação.

Robin Carhart-Harris, um investigador do Imperial College, em Londres, que estuda os psicadélicos há vários anos, usa uma analogia muito visual para descrever aquilo que acredita que fazem com a mente humana: propõe que se imagine o cérebro como uma montanha cheia de neve, onde fazemos constantemente esqui. Acontece que, à medida que se desce a colina uma e outra vez, ela vai formando trilhos. Com o tempo, começa a ser quase impossível sair desses caminhos para percorrer vias novas. Os psicadélicos são um nevão. E com a colina livre desses sulcos vincados – uma metáfora para os padrões rígidos de pensamento e comportamento – é possível explorar outros caminhos. Por essa razão, estão a ser testados para situações de alcoolismo, tabagismo e distúrbios alimentares.

Em termos menos poéticos e mais pragmáticos, há duas grandes hipóteses associadas aos possíveis mecanismos de ação dos psicadélicos. Uma foca-se na componente mais psicológica: a chamada “trip” leva o utilizador a um “overview effect” (efeito de visão geral) em relação a si próprio, semelhante ao que os astronautas têm ao ver a Terra do espaço. “Esta teoria defende que a experiência subjetiva associada ao consumo é tão poderosa que modifica a perspetiva do indivíduo sobre o Mundo, e essa modificação permite a melhoria de alguns parâmetros que em psiquiatria chamamos doença mental”, afirma Albino Oliveira-Maia. A outra possibilidade é puramente neurobiológica. “É mais determinística e relaciona-se com o efeito que as substâncias têm sobre a função do cérebro, particularmente sobre um recetor específico de serotonina, o 5-HT2A. Estas duas hipóteses são por vezes colocadas em oposição, mas entendo que podem ser duas perspetivas compatíveis sobre o mesmo fenómeno.”

Se este potencial se confirmar, num futuro próximo, os psicadélicos podem alcançar o estatuto de “medicamento” e passar a ser usados na prática clínica.

O lento avanço da investigação

As estruturas regulamentares que avaliam e autorizam a entrada de medicamentos no mercado implicam uma sólida demonstração de segurança e eficácia, o que exige um processo rigoroso, longo e dispendioso.

Cobrir estes custos e ter lucro implica conseguir uma patente, mais difícil de obter com moléculas como a psilocibina e o MDMA, que existem há muito tempo. Por isso, as empresas interessadas nestas moléculas não são as que tradicionalmente desenvolvem medicamentos, e o financiamento faz-se sobretudo por doações.

São substâncias estigmatizadas, que provocam desconfiança nas populações, médicos, comissões e ética e políticos. Esse preconceito tem sido difícil de ultrapassar condiciona os avanços na pesquisa.