Não sabemos quanto tempo ficaremos em casa, quando veremos de novo os nossos pais ou quando poderemos ir jantar fora com amigos. Não sabemos se a nossa empresa vai sobreviver à crise ou se o nosso patrão nos vai despedir. Não sabemos quando voltaremos a viajar, a assistir a um concerto, a uma peça de teatro ou a um casamento. Numa altura em que, de fora, continuarão a surgir mais perguntas do que respostas, temos de nos voltar para dentro. “Existe uma antiga lição psicológica acerca disto: o impacto dos acontecimentos exteriores depende do nosso interior, da nossa atitude, da nossa dignidade, da nossa definição de quem somos. A avaliação do que é ou não fonte de stresse e ansiedade depende do que consideramos ameaçador para nós e também depende das estratégias que temos para gerir emoções”, defende o psicoterapeuta Vítor Rodrigues.
Toda essa incerteza pode chocar de frente com o nosso bem-estar até porque, como lembra o psicólogo, em causa não está apenas a nossa saúde física e a mudança forçada de hábitos, mas também a nossa saúde económica, o emprego e a subsistência. “Isso pode gerar sentimentos muito negativos, nomeadamente de severa impotência e medo, elevando muito o stresse negativo – ou distresse -, que, por sua vez, pode fazer baixar as imunidades criando terreno favorável à doença. O alarmismo é contrário à saúde. Além disso, o mal-estar ligado à ansiedade pode tornar-se muito grande na medida em que sintamos que a ameaça é muito grande e muito global.”
Importa, porém, recordar que não somos apenas espectadores da realidade. Somos simultaneamente atores, e, nessa medida, temos capacidade de continuar a tomar decisões. “Temos algum controlo das nossas vidas, temos escolhas, apesar de não podermos controlar os resultados”, frisa a psicoterapeuta Daniela Esteves. Não há fórmulas mágicas que funcionem para todos, mas a especialista defende que podemos “aumentar a perceção de controlo através do foco nas nossas atividades diárias, como o planeamento e a execução das nossas rotinas, trabalho e crianças”. Manter os horários e vestirmo-nos também é importante para que haja algum sentimento de normalidade.
Por outro lado, há que aceitar o que está a acontecer. Aceitar que a normalidade de hoje não é a normalidade de há duas semanas e que nada podemos fazer em relação a isso. “Temos de aceitar as nossas fragilidades e vulnerabilidades e focarmo-nos na esperança e na ideia de que isto é temporário. A intolerância à incerteza revela que estamos muito focados no futuro, uma das melhores formas de lidar com ela é manter a consciência e o foco nos momentos presentes, no aqui e no agora. E se possível apreciá-lo.”
A incerteza pelos olhos das crianças
No documento “Ajude as crianças a lidar com o stresse durante o surto de Covid-19”, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o facto de, nesta fase, as crianças poderem “pedir mais colo, mostrarem-se mais dependentes, ansiosas, agitadas ou zangadas, bem como isolarem-se ou fazerem chichi na cama”, como resposta ao stresse provocado pela situação. A atitude dos adultos deve ser de compreensão e apoio, fornecendo explicações adequadas à idade, tentando tranquilizar na medida do possível e dedicar-lhes mais tempo e atenção.
Essas são as indicações genéricas, mas as crianças têm quase sempre perguntas muito concretas: “Quando posso sair e brincar outra vez nos baloiços?”, “Quando é que vou voltar à escola e ver os meus amigos?”, “Quando posso voltar a visitar os avós?”. Acontece que os pais também não sabem. Por isso, como poderão responder? “Não há uma resposta certa ou uma estratégia única e a solução tem de atender às especificidades, circunstâncias e características de cada criança, pai, mãe”, sustenta a psicóloga clínica infantojuvenil e de aconselhamento parental Rita Castanheira Alves. Prefere não deixar “receitas” generalistas, admite que a solução pode passar, por um lado, por transmitir que é uma fase temporária e, por outro, sempre que possível, “encontrar alternativas – por exemplo, com uma videochamada aos avós – que possam ser apaziguadoras para a criança e ajudá-la a lidar com o impedimento”.
No lidar com a incerteza, as crianças têm algumas particularidades que importa considerar. Em primeiro lugar, especialmente na primeira infância, “sentem-se mais seguras e estáveis através das rotinas e da previsibilidade”, explica a psicóloga. Além disso, como têm “um sistema emocional mais imaturo, não possuem as mesmas estratégias de regulação emocional dos adultos – que já têm as áreas cerebrais responsáveis por essas competências maturadas -, pelo que poderão precisar de ajuda para se regular face ao impacto da incerteza”.
Contudo, se há características, relacionadas com a sua fase de desenvolvimento, que podem tornar a gestão da incerteza mais difícil, elas também têm alguns pontos a favor. “Na sua maioria têm uma grande capacidade de adaptação a novas realidades, pela neuroplasticidade cerebral. No geral, ajustam-se com alguma rapidez a novas rotinas e contextos.” Por essa razão é tão importante criar-lhes novas rotinas saudáveis, que lhes permitam voltar a sentir uma nova previsibilidade e ajustarem-se a ela.
Já os adolescentes entendem melhor tudo o que está a acontecer e Rita Castanheira Alves refere que, pela fase de maturação cerebral em que se encontram, estão muito mais sensíveis à ansiedade. “Pela dominância da construção das suas várias identidades nesta fase, pelo maior questionamento de si próprios, do seu projeto de vida e do seu lugar no Mundo e pela maior necessidade de interação social e construção de ligações sociais fora do círculo familiar, toda a situação pode desestabilizá-los emocionalmente, não só em termos de ansiedade, mas também de regulação do humor e sintomas mais depressivos.” Por isso, a especialista considera ser importante ajudá-los a desenvolver competências emocionais, alternativas ao convívio social que perderam e, acima de tudo, não esperar demasiado deles só porque já são um pouco mais velhos.
Espectadores e atores
A incerteza causada pela pandemia reflete-se no comportamento das pessoas. Há os que se tornam mais solitários, procurando ajudar os vizinhos idosos, substituindo-os nas compras; há os que movidos pelo medo correm aos supermercados para açambarcar grandes quantidades de bens essenciais. Há até, talvez, quem faça as duas coisas, porque nem sempre somos congruentes.
Pese embora cada um possa ter as suas próprias preocupações e condições de partida muito diferentes, esta é uma incerteza coletiva. Não se trata apenas de nós próprios e “dos nossos”, não se trata apenas da nossa cidade ou país. Não se trata apenas das nossas decisões. Há, nesta incerteza, uma grande certeza: estamos todos dependentes uns dos outros. Os modelos matemáticos mostram que só uma ação coletiva, fruto de muitas decisões individuais, pode abrandar a pandemia e conduzir-nos ao objetivo de “achatar a curva”.
Isto muda bastante o ponto de vista, sublinha Daniela Esteves. A nossa incerta depende da nossa perceção de como o coletivo está a gerir a questão. “Se a informação que percecionamos for positiva, no sentido de que está haver um respeito pelas normas de isolamento e medidas governamentais, provavelmente, a nível individual podemo-nos sentir com mais confiança, esperança. Porém, o oposto também se pode verificar. Penso que só teremos alguma certeza do que mudou no coletivo passado algum tempo deste acontecimento.”
Daniela Esteves acredita que talvez seja a altura de percebemos, finalmente, “que vivemos em interdependência e que precisamos todos uns dos outros, a um nível planetário”. Também Vítor Rodrigues reforça essa ideia. Desta vez, lembra, apelam ao nosso tribalismo ancestral, em moldes diferentes do habitual, já que não nos pedem para nos unirmos contra alguém. “Agora existe um inimigo global, comum, e temos a possibilidade de nos unirmos como família humana contra ele. Sem o risco de nos matarmos uns aos outros, pois o objetivo passou a ser ajudarmo-nos a sobreviver. Uma novidade refrescante e cheia de possibilidades positivas na medida em que sentimos a força de sermos humanos e solidários uns com os outros – e há numerosos sinais positivos disso mesmo a surgirem.”