Valter Hugo Mãe

O Paulino Carvalho


Quando temos o padre por um amigo, como pessoa entre nossos pares, uma missa torna-se exposição deslumbrante da fé.

Sempre me fascinaram as opções daqueles que consagram a vida à fé, com o que a fé tem de pressentimento e oscilação, com o que impõe de disciplina e compromisso, e como se parece opor ao comum do mundo. Vejo os sacerdotes, e todas as pessoas de vida consagrada à religião, como exército diante de uma batalha com dificuldade de prova, ostentando suas feridas, seu cansaço e tão crescente solidão. Fascina-me que possa aquele pressentimento ser tão límpido que justifique a solidão.

Estive na Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, ao centro de Guimarães, a assistir a uma missa rezada por um padre amigo, o Paulino Carvalho. Quando temos o padre por um amigo, como pessoa entre nossos pares, uma missa torna-se exposição deslumbrante da fé, porque não se faz da figura abstracta, cheia de mito, que vemos nos filmes e nos livros. Assistimos à fé de alguém que não permitimos confundir com uma personagem, o que sublinha o imperativo da sua escolha e da sua coragem. E sublinha a que distância estamos, como escolhemos tão diferente.

Talvez o universo católico se tenha deixado demasiado passivo durante muito tempo, inalterado perante modos antigos que pareciam superar as épocas e manter seu estatuto. Não era prevista uma tão drástica mudança de hábitos por parte das pessoas, afastadas por uma cultura de entretenimento que simplesmente recusa carpir sem clara necessidade ou cumprir um sofrimento por defeito. Aos jovens de hoje importa muito pouco qualquer proposta para a dor, culpa ou pecado. A opulência do mundo a partir da partilha virtual abate especificidades e tende a normalizar aquilo que é uma vontade universal para o bem-estar e para a demissão. A internet, na sua mediania de ideias, instiga para uma relação mais frugal e prazerosa (muito lúdica) da vida, sublinhando certa ideia de liberdade (que também é libertina e perversa), motivando a paixões sem grande argumento, o que perde futuro e se vota a uma constante alteração e desquite.

O mundo católico, por outro lado, é a sedimentação de dois milénios de ideias que, naturalmente, não se podem carregar com absoluta agilidade e jamais ao sabor da demissão generalizada. A fé não é uma inspiração de época. Ocorrendo na vida de alguém finito, ela é uma ressonância do atemporal.

Na Igreja da Oliveira, o Paulino Carvalho distribuiu sua fé entre nós como se procurasse que Deus fosse real para todos. Penso sempre que não haverá maior generosidade do que a de oferecer um Deus aos outros. Que tamanho tem isso de oferecer um Deus? Que tamanho tem isso de, afinal, nos sentirmos acompanhados na solidão e, mais ainda, no respaldo de um juízo a que nunca acederíamos se não passássemos a ser plurais pela inexplicável espiritualidade?

Na verdade, vejo o Paulino, como o Samuel e como tantos, enquanto plurais. A fé é a tradução da companhia. Por isso a cobiço também para mim. Maior fortuna de todas, a de sermos sempre plurais, admitidos numa esfera por onde um Deus caminha junto. Nada seria maior do que termos a certeza de tanger Deus, seu corpo ou sua fala.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)