O galo, os azulejos, a cortiça. Os velhos e os novos souvenirs

Os souvenirs já não são apenas de cerâmica e louça ou ímanes com postais do país e de tantas cidades ou poetas portugueses (Foto: Ana Fonseca/Global Imagens)

A montra é pequenina e está decorada com presépios, de vários tamanhos e feitios, e galos de Barcelos de crista vermelha. Lá dentro, tudo produtos nacionais, cerâmicas, sardinhas, azulejos, peças em cortiça, mais galos de Barcelos, andorinhas, ímanes, sabonetes, conservas, vinhos do Porto. No número 254 da Rua das Flores, na baixa do Porto, a Portugalidades tem peças que representam o país, souvenirs em estantes e paredes, numa mesa ao centro, no balcão. Em poucos metros quadrados, uma montra do que o país tem para mostrar e vender aos turistas. Os souvenirs da portugalidade.

“É tudo português, dos melhores artesãos a nível nacional”, garante Liliana Barros, supervisora das lojas do Norte. De tudo um pouco, do tradicional ao contemporâneo, do utilitário ao decorativo. “O turista procura a loja de artesanato português, o nosso país é conhecido, a nível mundial, pela riqueza do artesanato que nos representa na nossa economia e a nível cultural”, acrescenta.

A Portugalidades tem uma década de vida e uma missão com todas as vírgulas no sítio: “Exibir e promover a imensa, opulenta e verdadeira arte do povo português” para “enaltecer o que é feito com talento, gosto e alma”. O turismo não vai nada bem, a outrora movimentada Rua das Flores já não é o que era, a Portugalidades vai resistindo, de 11 lojas, antes da pandemia, passou para sete, quatro no Porto, uma em Lisboa, outra em Cascais e mais uma em Óbidos. “Estamos a sentir muito a falta de turistas, mas não podemos fechar mais lojas.” Vive-se um dia de cada vez à espera de melhores tempos.

“O nosso país é conhecido, a nível mundial, pela riqueza do artesanato”, diz Liliana Barros, supervisora no Norte da cadeia de lojas Portugalidades
(Foto: Ana Fonseca/Global Imagens)

Os turistas procuram sobretudo azulejaria, cerâmicas de Coimbra e do Alentejo, peças mais contemporâneas e estilizadas, artigos em cortiça, de malas a carteiras, e o galo de Barcelos com vários usos, em ímanes, campainhas, saca-rolhas, ou como peça decorativa, com as cores tradicionais, ou mais moderno, estilizado em vidro. “É sempre um ícone muito importante e procurado pelos turistas de todo o lado, muito associado à sorte, acaba por ser um amuleto.” Os presépios são bastante procurados pelos espanhóis. A cortiça, como alternativa à pele, e como nobre matéria-prima do país, em várias peças, de porta-moedas a estojos de manicure, também chama a atenção de quem vem de fora e lhe reconhece as virtudes.

Os souvenirs já não são apenas de cerâmica e louça ou ímanes com postais do país e de tantas cidades ou poetas portugueses. São galos de metal para não se partirem nas viagens com padrões tradicionais ou mais modernos, cortiça transformada em moda e utilitários, a fina filigrana, a cerâmica de design com sardinhas e azulejos desenhados. É tudo o que, de alguma forma, pode representar o país.

“Todo o turista tem a curiosidade de conhecer a história das peças”, conta Liliana Barros. Os americanos, do norte ao sul, procuram muita cerâmica tradicional e azulejaria, os asiáticos compram cerâmica e conservas, os europeus de tudo um pouco. “Há os que sabem o que querem e focam-se numa coisa, há os que entram e não têm noção do que vão comprar, gostam de ver e veem um pouco de tudo.”

“O nosso mote é 100% portugalidade, tudo feito em Portugal, incluindo as ilhas.” Inês Lopes é proprietária da Portugal dos Meus Amores, loja 147 do Centro Comercial do Campo Pequeno, em Lisboa, que tem uma ampla gama de produtos nacionais a pensar nos turistas e nos portugueses também. Os azeites, as ginjinhas, os vinhos do Porto, e o pastel de nata tal como é, ou em chá ou em cerâmica, são muito procurados pelos turistas na parte gourmet. O galo de Barcelos de vários padrões e cores é o best-seller, as andorinhas e os bustos de Fernando Pessoa e Camões têm igualmente muita procura. “Os turistas já vêm com o roteiro pré-definido de lugares para visitar e de produtos para comprar”, refere.

O galo de Barcelos, de vários padrões e cores, é o best-seller da Portugal dos Meus Amores, em Lisboa. “O nosso mote é 100% portugalidade, tudo feito em Portugal, incluindo as ilhas”, sublinha Inês Lopes, a proprietária do espaço
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Há quase sempre perguntas sobre as histórias dos objetos, a lenda do galo de Barcelos está escrita em várias línguas, a curiosidade é comum nos estrangeiros que entram no espaço e que aproveitam para saber pormenores ligados aos objetos que enchem a loja, dos galos padronizados às sardinhas estilizadas, os santos António personalizados, animais de louça, andorinhas de várias cores, conservas, patés, enchidos. “Há turistas que trazem uma lista dos azeites que têm de comprar”, adianta. “Temos muitos ícones que nos representam, temos imensos e por regiões, o que é muito engraçado”, acrescenta.

Os asiáticos inclinam-se bastante para o vinho do Porto e perdem-se nas conservas, os brasileiros apreciam os bustos de Pessoa e Camões, os americanos preferem os produtos de cortiça, de tudo um pouco, mochilas, malas, marcadores de livros, fitas para os óculos. “O cliente americano adora cortiça.” A loja, aberta desde 2014, tratou recentemente do seu site e já recebeu algumas encomendas de fora, curiosamente de portugueses que moram na Alemanha e na Bélgica. Quando o turismo acalma, de setembro a janeiro, a Portugal dos Meus Amores dedica-se mais ao cliente nacional que compra andorinhas, santos António e também o galo de Barcelos. Pelo menos assim era, agora logo se verá.

A imagem e marca de Portugal no Mundo

Os aeroportos são portas de entrada e de saída do país, o chão de boas-vindas e de despedidas da maioria dos turistas que aterram em Portugal. Pode o país caber numa mala? Pode. Pode o país encher o peito de orgulho e mostrar o que faz com as próprias mãos? Pode. A Portfolio, com lojas nos aeroportos de Porto, Lisboa, Faro e Funchal, veste-se a rigor com uma grande variedade de peças e artigos 100% portugueses que contam histórias do país, da cerâmica à joalharia, dos sabores ao vestuário, artesanato, peças de design em cortiça e porcelana, de tudo um pouco.

“Tudo português, uma grande variedade de produtos muito icónicos para os turistas”, comenta Carla Moreira, gerente da Portfolio do Porto. Uma loja que projeta a imagem do país, espaço aberto, com cafetaria, onde os clientes têm direito a visita guiada, uma pequena viagem pelas peças que contam histórias nacionais. Das tradicionais às mais modernas.

Carla Moreira, gerente da Portfolio no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, faz questão de contar a história de cada peça aos turistas
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

“Nos sabores, o vinho do Porto, o pastel de nata e os ovos moles de Aveiro são tops de venda.” Os galos de Barcelos, dos mais tradicionais, de alumínio, da sorte, do tempo, a uma gama mais arrojada com galos que são escritores e figuras públicas, que são Camões e Fernando Pessoa, também têm procura. As louças tradicionais pintadas à mão, a olaria com temas ligados ao mar, aos Descobrimentos, em tons de azul, em forma de azeitoneira, tigelas, pratos e talheres decorativos pintados à mão. Os artigos de cortiça, malas e acessórios, brincos, colares, carteiras, porta-óculos, guarda-chuvas, chinelos e sandálias, em tons neutros da cortiça ou noutros padrões. Tudo vende. “Alguns trazem um bilhete ou uma foto de alguma coisa que um amigo aconselhou ou que viram e gostaram, a maior parte ainda não sabe muito bem o que procura, percebe que é tudo português e que a diversidade é muito grande. A temática do galo, das andorinhas e das sardinhas está muito presente e tentam perceber a justificação dessas figuras. Se não perguntam, temos formação em storytelling para irmos contando a história das peças.” O que é tradicional tem lugar reservado, o mais moderno e fora da caixa tem também espaço.

O turismo foi crescendo e os souvenirs crescendo com ele, nasceram novos negócios, os antigos tiveram mais procura, reinventaram-se produtos, mais modernos, estilizados, cores mais vibrantes, sem nunca descurar o tradicional.

Uma lembrança de Portugal não se resume a um galo de Barcelos. É Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, que garante que não é apenas isso, é muito mais do que isso. É a imagem do país, é a marca Portugal, é a capacidade de mostrar o que é nosso, é a visibilidade que se conquistou pelo Mundo, é o orgulho. Para aqui chegar houve trabalho, do turismo sobretudo, do crescimento e da visibilidade alcançada por este setor que não parou de crescer nos últimos anos, até ao momento em que o Mundo suspendeu a respiração por causa da pandemia. Mesmo assim, os últimos dados mostram que Portugal é o 12.º destino turístico mais competitivo do Mundo, o melhor destino mundial pelo terceiro ano consecutivo, recebe cerca de 27 milhões de hóspedes por ano. “Uma lembrança não é só o azulejo, é a imagem de Portugal no Mundo, que é também fruto do crescimento do turismo.” E já não é só a compra do souvenir pelo souvenir, agora é também a compra de produtos genuinamente portugueses. A cortiça portuguesa, a cerâmica portuguesa, os bordados portugueses, os vinhos e os queijos de várias regiões do país.

Os itens que simbolizam um povo

A Portosigns tem duas lojas na Ribeira do Porto, no mesmo edifício com 200 anos, uma na cave com ar mais rústico, arcadas de pedra, na Rua da Alfândega, e que chegou a ter a entrada repleta de galos de Barcelos, outra no piso de cima, outro espaço, bastante luminoso, com peças nacionais que são souvenirs para os turistas. A primeira loja abriu em 2006 e ganhou o Prémio Mercúrio – O Melhor do Comércio em 2010, na categoria de comércio não alimentar. A segunda entrou em funcionamento em 2011. Produtos artesanais e artísticos feitos por mãos portuguesas. Peças de filigrana, colares, brincos, anéis, corações; meias com motivos dos lenços dos namorados de Viana; cerâmica mais tradicional e mais moderna; CD do fado de Amália, de Camané, de Carminho, de Mariza; ginjinha, licores, vinhos do Porto; conservas e patês; sabonetes, andorinhas, sardinhas decorativas ou que são porta-clipes; santos de louça; sabonetes; puzzles 3D de madeira para construir uma nau, um barco rabelo, um espigueiro, uma caravela; e artigos feitos em cortiça, malas, carteiras, coletes, gravatas, cintos, chapéus, guarda-chuvas, e que são bastante procurados.

Os turistas representam o grosso da clientela, mais de 95%. As portas das duas lojas estão abertas, mas o negócio caiu bastante por força das circunstâncias. Elvira Basílio, proprietária da Portosigns, sente na pele que há um antes e um depois da pandemia. Agora, e por enquanto, não há turistas a comprar souvenirs. E os seus turistas clientes são de quase todo o Mundo, europeus, asiáticos, americanos. “Temos peças mais utilitárias do que decorativas.” As peças de cortiça captam bastante atenção, bem como os galos de Barcelos em ímanes, campainhas, saca-rolhas, rolhas para garrafas, quebra-nozes, e como esculturas decorativas com vários padrões. “São produtos portugueses para portugueses e estrangeiros”, refere. A procura tem sido maior de quem vem de fora do país e está de visita, de férias, de passeio. Vende-se de tudo um pouco, a variedade salta à vista, e tudo o que ali está foi testado e funciona. “O que temos nas lojas é o que realmente se vende”, sublinha. “Os americanos compram um pouco de tudo, os franceses levam mais louças, os chineses conservas e sacos de pano.” E fazem perguntas sobre a história e a origem das peças, a razão de tantos galos e tantas sardinhas, o motivo de estarem estampados numa vasta imensidão de produtos, da louça às bases para tachos e copos. “Produtos bem típicos portugueses que realmente são os melhores.”

As portas das duas lojas da Portosigns, na Ribeira do Porto, estão abertas, mas o negócio caiu bastante. Elvira Basílio, proprietária, sente na pele que há um antes e um depois da pandemia
(Foto: Ana Fonseca/Global Imagens)

A identidade é uma construção, uma opção que se vai fazendo ao longo do tempo e ao longo da História, assente num diálogo, nos olhares de uns que constroem os outros. A identidade tem o poder de constituir realidades e os souvenirs acabam por simplificar a relação de um povo com realidades complexas, como que arrumando em caixinhas momentos e pedaços que contam histórias da cultura de um povo. “Recorremos a certos itens que materializam, condensam, simbolizam uma ideia, um momento, um povo, sem termos de conversar muito sobre isso”, refere Rita Ribeiro, doutorada em Sociologia, professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. “Ajudam a consolidar uma representação e uma identidade”, acrescenta a socióloga que desenvolve investigação na área da sociologia da cultura, sobretudo no domínio da identidade nacional e identidade europeia.

A identidade gira à volta de algo ancestral, algo que faz parte de uma essência, do que é característico. Um objeto simboliza uma marca, mas nem todos os souvenirs projetam um passado, como os azulejos ou a cerâmica tradicional, há formas mais recentes, como as peças em cortiça, e os significados podem não coincidir. “A identidade é muito elástica. Nem todos nos identificamos com os mesmos ícones identitários”, realça. Há objetos cujo significado está para lá da sua materialidade e que são, de certo modo, ambivalentes.

Há também o lado do negócio, do consumo, do turismo que se tornou um mercado importante. “Há ainda outra questão que é o modo como os elementos culturais se mercantilizaram, se tornaram uma mercadoria.” E os souvenirs não surgem ao acaso, enchem montras com o que Portugal quer mostrar ao exterior, a forma como se quer mostrar. “Há uma espécie de estratégia silenciosa de mostrar o país de determinada forma, tecnologicamente avançado, que passou de uma economia rural para uma economia mais moderna e desenvolvida.” Mesmo as peças mais ligadas à tradição surgem com outro visual. E não é por acaso. “Há galos de Barcelos que não são os galos que as nossas avós e bisavós tinham, há recriações estilísticas desse objeto.” Há galos de Barcelos de todas a cores e com diferentes aplicações, de purpurinas a decorações metálicas. E as representações que os turistas trazem do país conduzem inevitavelmente a opções na hora da compra.

“Há sempre uma tendência, quando temos uma boa experiência, de levar para nossa casa uma lembrança que perdure o máximo possível no tempo”, diz Luís Araújo. O presidente do Turismo de Portugal fala de um caminho percorrido. “Soubemos capitalizar a imagem da tradição com a de um país que aposta na inovação, no design, e temos conseguido ganhar escala internacional”, refere. Um país autêntico e moderno. “Tem muito a ver com a capacidade de promover o que é nosso.”

O país já não chega lá fora apenas como um destino de sol e praia, há muito mais do que isso. “Temos uma grande autoestima e valorizamos os produtos nacionais”, sublinha Luís Araújo. Mesmo no atual contexto que indica uma forte queda no turismo e portugueses de férias cá dentro. “Férias em Portugal é também um argumento forte para valorizar o ativo turístico, valorizar ainda mais o que é nosso, tornando-nos embaixadores do nosso território, é uma oportunidade para ampliar essa mensagem.” E, como Portugal anda na mala de muita gente, os souvenirs, que viajam para todo o Mundo, ajudam bastante.