O ano letivo do vamos indo e vamos vendo

O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, preparou o ano letivo "para o pior", esperando "o melhor". Existem três cenários possíveis, mas a tutela insistiu que o regime presencial prevalecesse (Foto: Rodrigo Antunes/Lusa)

No auge dos seus belos quatro anos, o Duarte já vai percebendo algumas coisas. Um, há um bicho no ar. Dois, não se vê, mas faz estragos. Três, foi por isso que as rotinas começaram a mudar. Os pais explicaram, o pequeno entendeu. Em casa, o calçado fica do lado de fora da porta. Beijinhos e abraços só depois de tomarem banho. E agora que as férias acabaram, e que vai regressar ao Jardim de Infância de Antime, os rituais continuam diferentes. Não pode levar brinquedos. Tem de trocar de calçado e de roupa assim que lá chega. E, claro, é preciso desinfetar as mãos. Muitas vezes. As vezes que forem precisas. “O infantário já funcionava bem quando reabriu, antes do verão. Sempre que o deixávamos lá, ficávamos descansados.” José Manuel Pinto, o pai, fala também pela mãe. Vivem em Regadas, freguesia a dez quilómetros de Fafe. Ela, Susana Costa, é contabilista nos serviços administrativos da Clinimefa. Ele monitor no Centro de Atividade Ocupacionais, CERCIFAF. No que ao Duarte diz respeito este regresso às aulas antevê-se “tranquilo”. Ainda há dias receberam um email a detalhar as orientações que o infantário iria adotar no início do ano letivo. “Basicamente, vão replicar o que já faziam.”

É o outro filho, o José Miguel, quem os deixa um pouco mais ansiosos. Não necessariamente por causa da covid. É por tudo. Tem 15 anos e vai agora para o 10.º ano. Começa numa escola diferente, a Secundária de Fafe. “Só isso já é uma grande mudança.” A estrutura teve obras de remodelação recentes. “Portanto, oferece condições.” A promessa do Ministério da Educação (ME) de reforçar o pessoal educativo este ano aumenta a confiança. “Tem tudo para correr bem.” Apesar de o filho mais velho nem sempre querer sair de casa, por levar a ameaça do contágio “a sério”, o pai sabe que os miúdos todos juntos – “e o meu não é melhor do que os outros” – facilitam um bocado. “Se a presença de adultos a controlá-los aumentar, isso vai descansar-nos.” Além de mais funcionários não docentes, o Governo anunciou que serão colocados mais 2 500 professores nas escolas para garantir a recuperação das aprendizagens afetadas pela pandemia.

No ano passado (e parece que foi há imenso tempo) não havia surpresas. A rotina estava enraizada. Os pais levavam-no para as aulas de manhã. Depois, o adolescente ia almoçar a casa dos avós. Havia dias em que frequentava o centro de estudos. E, no fim, ainda tinha os treinos de futebol, na Associação Desportiva de Fafe. Quando acabasse, voltava a contar com boleia ou do pai ou da mãe. Tudo previsto. Agora, a organização será obrigatoriamente outra. “Se as turmas funcionarem por turnos, dependendo do horário que tenha, manhã ou tarde, pode ir connosco e ficar na escola ou no centro de estudos, a adiantar trabalhos. Poderá ficar de manhã em casa e ir, à tarde, de autocarro. Ou pode também ir para a escola com o avô.” O cenário mais provável. “Porque ele ainda não confia nos transportes públicos. Mesmo que as regras de segurança e higiene sejam claras.”

Nesta altura não se descartam cenários. É preciso esperar. Até porque a questão desportiva do jovem está suspensa, uma vez que os pais só devem saber “as orientações para os clubes das camadas jovens lá para outubro”. No caso do Duarte, que andava na natação, a atividade também está em suspenso. Para já, só abriram inscrições. “Os pais que, como nós, manifestaram interesse, estão à espera das diretivas da Direção-Geral da Saúde (DGS)”, para analisarem se têm confiança ou não que os filhos regressem. “Era bom, para termos alguma normalidade. A possível.” Até lá, vão aguardar serenos. “Não vale a pena sofrer por antecipação. A pandemia fez-nos viver um dia de cada vez.”

A ordem é não stressar

Para atender aos vários cenários possíveis de evolução da pandemia, durante o ano letivo – que começa entre 14 e 17 de setembro, com todos os alunos nas escolas – a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) definiu um quadro de intervenções. Quer garantir uma progressiva estabilização educativa e social sem descurar a saúde pública. Aplicam-se à educação pré-escolar e às ofertas educativas e formativas dos ensinos Básico e Secundário, ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, incluindo escolas profissionais. Tendo por base esse documento, cada escola vai adaptar às regras à sua realidade.

A família Portela, com quatro filhos, aguarda serena que tudo lhes seja revelado. Depois de terem passado por um período de grande ansiedade por pouco ou nada se saber sobre a covid-19 começaram, aos poucos, a resgatar uma das suas características, a tranquilidade.

Os Portela liderados pelos pais, Pedro e Catarina, com o João, a Carolina, a Maria e a Ana
(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

“O final do ano letivo passado foi assustador.” As regras em casa eram rígidas. Catarina, médica oncológica no Hospital de Braga, não descurava em nada os processos de desinfeção, fosse no serviço ou em família. Entretanto, acalmou. “Fomos percebendo que o contágio se dava mais pela via respiratória.” Os hábitos de higiene continuam a ser extremamente importantes. “Mas já não entramos em pânico se estivermos com alguém sem nos desinfetarmos.” E foi com o pensamento alinhado que partiram sossegados para férias no Luso. Nem Catarina, nem o marido, Pedro, professor na Universidade do Minho, estão alheados do nervoso miudinho que paira sobre o regresso às aulas. Contudo, optaram por fazer um acordo com os filhos. Só esta segunda-feira é que começam a falar de livros, cadernos e de toda a logística a que andar na escola em pandemia poderá obrigar. Enquanto não se souber das regras, a ordem é “não stressar”. E tinham motivos para isso. Maria, a mais velha da prole, tem 21 anos e estuda em Inglaterra. Até ver, deixou de haver imposição de quarentena no Reino Unido. “O que é hoje pode mudar amanhã. Se por acaso quando lá chegar for obrigada a ficar em isolamento, provavelmente não poderá ser na residência onde vive.” Local onde as regras ainda estão por fixar. E há a questão mais delicada de o corredor aéreo poder voltar a fechar. “Temos de esperar para saber como corre”, reage Pedro, sereno, antes de passar para Carolina, a filha que se segue. Tem 18 anos e só no fim de setembro saberá em que universidade entra. Com a possibilidade de estudar fora de Braga em cima da mesa. “Podemos ter de procurar alojamento, mas com isso já teríamos de lidar, independentemente da covid”, desdramatiza novamente o pai. Seguem-se o João e a Ana. Ele, 15 anos, vai para o 10.º ano, na Escola Secundária de Carlos Amarante. Ela, 11 anos, estuda no ensino articulado, entre a Escola Básica André Soares e o conservatório de música Bomfim. Ambos com atividades extra escola. “Cada estabelecimento de ensino tem autonomia para ditar regras dentro das regras gerais. Já recebemos um email de uma das escolas a pedir compreensão para o que nos vai ser pedido.” Nem isso os mói. Talvez os turnos das aulas dos mais novos venham a ser o mais complicado de gerir, se não coincidirem. Também não sabem a que regras o futebol de um e a orquestra do outro vão obedecer. Morando a família a oito quilómetros da cidade, se os filhos ficarem em blocos opostos, poderá criar-se um problema logístico. Isto é, nem sempre será possível contarem com as boleias dos pais. “A solução é o autocarro.” Que não faz confusão a ninguém. A mãe Catarina até brinca: “Só não vão de bicicleta porque a estrada é perigosa”.

Por estes dias, o casal tem conversado. “Sem planear.” Sabem que a tranquilidade que os embrulha não será “partilhada pela maioria das famílias”. No caso dos Portela é natural. E é também uma estratégia. “Só quando tivermos a informação das escolas é que podemos tomar decisões. Até lá, não vamos antecipar problemas. Depois, mediante as regras, adaptamo-nos e cumprimos.” Enquanto as diretrizes não chegam, os pais trabalham com os filhos o essencial. Insistem no uso da máscara, no distanciamento físico dos colegas e na higienização das mãos. “Porque esta não é uma fase de relaxe, mas de normalização dos cuidados básicos”, explica a mãe-médica. Melhor do que ninguém, Catarina sabe que o número de infetados está, e poderá continuar, a aumentar. No entanto, frisa, “é importante encontrar formas seguras de gerir o dia a dia sem deixar de viver”. E assim, fazer proveito de dois pontos que com este tempo a sociedade aprendeu. Primeiro, “houve uma série de hábitos que foram alterados de forma positiva”. Segundo, “já estamos mais preparados, com mais conhecimento sobre o vírus e a doença”.

Voltar para casa só em último caso

A proteção das crianças foi um dos primeiros instintos a ser ativado quando o coronavírus nos ameaçou a liberdade de movimentos. O final do segundo período e todo o terceiro do passado ano letivo obrigaram a manobras de ginástica olímpica por parte de todos. O ME criou um novo modelo de ensino à distância em tempo recorde, com especial foco no #EstudoEmCasa. Os professores adaptaram-se a um processo desgastante de aulas por computador e o acompanhamento dos seus alunos via telefone e email. Os pais fizeram a gestão logística e técnica das aulas, atentos aos horários e garantindo que as aplicações funcionavam, tendo eles próprios o seu trabalho à distância para cumprir. E por último os alunos, a quem toda esta correria mais interessava, que lidaram com o medo do desconhecido e as novas dinâmicas, nem sempre abrangidos pela igualdade de meios. E lá foram completando a etapa exigente que lhes era pedida. Não correu sempre bem e só agora se vai conhecer a real noção dos ensinamentos retidos, quando os alunos regressarem presencialmente à escola.

Para evitar que as clivagens no ensino se tornem a verificar de forma tão evidente, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, disse ter trabalhado o novo ano letivo “para o melhor”, preparando-o “para o pior”. Apesar de o regime presencial ter sido, desde o início, indicado como preferencial, as escolas estão aptas para implementar outros dois regimes: o não-presencial e o misto, que funcionarão temporária e unicamente no caso de ser necessário um encerramento forçado pela pandemia.

José Manuel Pinto e Susana Costa com os filhos, Duarte e José Miguel
(Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

Andrea Ammon, diretora do Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças, defendeu que o encerramento das escolas na Europa devido à covid-19 deve ser “a última medida a adotar” para conter a doença. A frase foi proferida há dias na comissão de Saúde Pública do Parlamento Europeu, em Bruxelas. A responsável destacou que, “no caso de países que reabriram as escolas mais cedo”, após o confinamento geral na Europa, “não se registaram aumentos nos contágios” nos estabelecimentos de ensino. Acrescentando que “as crianças raramente são afetadas pelo vírus e isso manteve-se durante todos estes meses” e ilustrando que “menos de 5% das pessoas infetadas têm menos de 18 anos”. O mesmo já tinha referido, por diversas vezes, Tiago Brandão Rodrigues, garantindo que “não houve nenhum contágio em ambiente escolar, o que permite dizer que as escolas são lugares seguros”. A DGS divulgou um manual de apoio aos estabelecimentos de ensino, para agir perante casos suspeitos ou confirmados de covid-19, de forma a controlar “o pânico” e a “tendência de encerrar toda a escola”.

O regresso é positivo

Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos e especialista em educação, pede que se escreva também que é mãe de três filhas (com quatro, 14 e 17 anos). Quer dar força à sua opinião. “Este regresso às aulas presencial é positivo para todos”, diz, embora admita ser natural que as famílias estejam um pouco divididas. Por um lado, acham que é importante para compensar aprendizagens e para o bem-estar dos filhos. Por outro, têm receio se houver algum tipo de dificuldade na implementação das medidas sanitárias e, por consequência disso, ocorrer um surto. “Parece-me que a informação por parte das instituições escolares é essencial para tranquilizar os pais.”

Tanto a DGS como o ME libertaram os documentos à medida que as regras iam sendo definidas. A vice-presidente da Ordem dos Psicólogos chama a atenção para um ponto importante. “O que foi divulgado são apenas orientações, que dão autonomia às escolas para tomar decisões adequadas à sua realidade escolar, às estruturas, à arquitetura de cada estabelecimento de ensino, à rede dos professores, às características dos alunos e dos contextos familiares. É daí que virá a perceção de segurança face a esta situação particular.”

É dessa informação preciosa e diferenciada que Vítor Ramalho está à espera. Tem um Vicente com cinco anos, um Francisco com oito, um Afonso com dez e um Bernardo com 11. O diretor de marketing e comunicação de uma clínica privada em Vila Real partilhará com a mulher, psicóloga clínica, a maratona do ano letivo que está à porta. “Teremos de conjugar a vida deles com o trabalho de cada um de nós, mais as respetivas atividades, ATL e apoio aos estudos.” Os miúdos tinham vidas preenchidas. O Vicente conjugava o infantário com a natação (praticada em âmbito escolar) e com o futsal. “As regras do infantário há muito foram divulgadas.” A natação, nesta altura, ainda é uma incógnita. O mesmo com o futsal, cujos treinos aconteciam num pavilhão. “Não sabemos se vai continuar este ano.”

Já o Francisco tem aulas numa escola pequena. “As turmas têm 20 alunos, um número considerável.” Vítor não sabe se o filho terá aulas todo o dia ou por turnos. O miúdo preenchia a semana com atletismo, natação e krav maga (arte marcial). Os pais queriam que continuasse, aguardam mais informação. “A pista de atletismo da UTAD [Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro], onde treinavam, está fechada e não sabemos se vai abrir.” Por ser um desporto individual e ao ar livre apresenta menos riscos. “Ao contrário do futebol, por exemplo, em que o balneário teria de ser partilhado”, aponta o pai.

É esse um dos motivos que leva Vítor a confessar que as maiores preocupações que têm enquanto pais recaem nos filhos mais velhos. Afonso e Bernardo praticam ambos futebol, natação e krav maga. “A nível de krav maga o pai diz que, até final de setembro, terá respostas “sobre as regras para as crianças”. No que toca ao futebol, o pai conta que o início da época aconteça em outubro. “Um e outro já fizeram os exames físicos e tudo. Em meados de setembro devem arrancar os treinos.” Vítor fala frequentemente com os responsáveis dos clubes onde os filhos jogam. “Estamos a falar de grupos de vinte e poucos miúdos, num espaço aberto. Não é crítico.” O que o preocupa é que convivam com atletas de várias zonas. Os pais conversaram. “É um risco elevado, mas é um risco que estamos dispostos a correr.” Confiam. “O plano de contenção dos clubes está definido. Vão unir esforços para manter os miúdos saudáveis. Ninguém quer um foco contagioso, muito menos entre crianças.” A natação é a modalidade em que sentem mais segurança. “Como somos nós que ajudamos no balneário, controlamos melhor. E com o cloro e os químicos da água não nos preocupa o contágio.”

Vítor Ramalho e a sua prole de atletas, Vicente, Francisco, Afonso e Bernardo
(Foto: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens)

No plano escolar também são os filhos mais velhos que vão inspirar mais atenção, uma vez que, no que respeita ao infantário, “o nível de confiança está bastante elevado” nas regras implementadas. “Frequentam um agrupamento que recebe bastantes crianças que vivem em aldeias visitadas no verão por emigrantes provenientes de países onde há mais casos de infeção.” Vítor não acredita que se consiga controlar os mais pequenos. “Tudo bem que o pico foi lá atrás. Só que desde então a maioria das pessoas, alunos e professores, foi de férias e o risco aumentou.” Mesmo “usando máscaras e frascos de álcool-gel” e “por muita responsabilidade que lhes queiramos incutir, vai haver momentos de descontração, em que as máscaras não vão estar bem colocadas, em que a brincarem tocam uns nos outros”. O seu receio é partilhado por outros encarregados de educação. “Por muitas indicações que se dê em casa, por muito que se faça na escola, sabemos que há coisas que vão fugir ao controlo.” Só quando os horários forem conhecidos é que os pais vão começar a ter uma real perceção do que os espera. Em tudo, Vítor antecipa “um ano mais trabalhoso”, até pelo aspeto das refeições. As cantinas escolares – está nas orientações da DGEstE – vão também obedecer a rígidas medidas de distanciamento e higiene, com possibilidade de turnos. Limpeza de superfícies, antes e depois dos almoços, lavagens de mãos obrigatórias antes e depois das refeições, possibilidade de recurso a take away, talheres fornecidos dentro de embalagens e boa ventilação dos espaços, só para citar algumas das alíneas. Ainda assim, este pai decidiu que o filho, que antes almoçava dois dias por semana na escola, vai evitar essa rotina no próximo ano. “Como moramos perto, vamos encontrar alternativas.” A nível do ATL o casal também já se programou. “Vamos lá deixá-los o mínimo de tempo possível. O risco é maior quanto mais tempo ficarem em locais que partilham com colegas.” Escolhas pessoais. “Porque a comunicação que vamos tendo com as instituições tem sido positiva”, remata.

Sofia Ramalho compreende que, independentemente do grau de informação que a escola possa oferecer, há sempre algum receio por parte dos pais do cumprimento de medidas sanitárias e de uma possível contaminação. “Sabemos que o uso de máscara durante muitas horas pode falhar.” A especialista também diz perceber que “a maior parte das famílias esteja a ponderar o uso do transporte privado em detrimento dos transportes públicos”, bem como “arranjar outra solução que não as refeições nas cantinas”. Contudo, sugere que a palavra-chave para o novo ano letivo seja equilíbrio – entre as medidas sanitárias e a saúde psicológica. “É importante a sociabilização e o brincar. E é preciso cumprir as medidas de segurança. Se esses comportamentos forem adotados é possível continuar a existir convívio, atividades pedagógicas lúdicas e extracurriculares que as crianças e jovens podem e devem frequentar para o seu bem-estar físico e psicológico.” Pontos que vão contribuir para “a motivação escolar, a concentração, o grau de envolvimento dos alunos com as aprendizagens e a relação com os professores”.

Uma vez que a comunidade regressa à escola em condições especiais depois de uma longa paragem na rotina, Sofia Ramalho pede que haja atenção ao estado psicológico dos alunos. Antevendo novas realidades familiares – decorrentes da perda de emprego por parte dos pais, dificuldades financeiras que vieram a reboque da crise, divisões nas famílias e consequente isolamento dos filhos – a tutela tomou medidas. Autorizou a contratação de 900 técnicos especializados pelas escolas. A maioria são psicólogos educacionais e sociais, mas também há mediadores sociais, assistentes sociais, terapeutas da fala e técnicos, entre outros. Os planos enquadram-se nas medidas de apoio ao acompanhamento dos alunos no regresso às aulas presenciais, visando, segundo o ME, “o acolhimento dos alunos, o reforço das suas aprendizagens, a dinamização de atividades promotoras de bem-estar psicológico, o fomento de competências sociais e a interação com a comunidade”.

Por fim, Sofia Ramalho alerta para o facto de haver receios das famílias em relação à presença dos seus filhos na escola que não estão a ser coerentes com outros comportamentos adotados, “como quando levam filhos aos supermercados ou não respeitam o distanciamento em praias, nos centros comerciais, etc.”. E afirma que os pais não podem depositar na escola toda a responsabilidade pela saúde dos filhos. “A responsabilidade é das famílias e de cada um. Tem de haver coerência em todos os contextos de vida, na adoção dos comportamentos pró-saúde.”

Venha o que vier

Fernanda Ló, professora de educação especial, da Charneca de Caparica, tem estado a reforçar esses cuidados junto dos dois filhos, sem dar ênfase a discursos catastrofistas. Em casa tem a Madalena, de 28 anos, com paralisia cerebral, que vai agora fazer o último exame, em época especial, para acabar o curso de Motricidade Humana e Reabilitação Psicomotora. “É totalmente autónoma.” A família candidatou-se a um programa do CAVI (Centro de Apoio à Vida Independente), da Associação de Paralisia Cerebral de Almada-Seixal, e a jovem foi uma das selecionadas. Durante três anos e meio terá uma assistente pessoal que a acompanha em tudo o que precisar, mas com o confinamento a assistência foi interrompida. Regressou em julho. E a mãe assegura não ter reservas. “Os assistentes fazem testes com regularidade, e estão proibidos de tirar a máscara, mesmo que quem faça a assistência queira.” Pelo que tem visto, precauções não faltam. Se vão sair, escolhem transportes públicos com menos afluência. Se ficam por casa, arejam as divisões em que se encontram. Ultimamente, Madalena e a assistente têm andado a entregar currículos. “A vida tem de continuar. Temos de aprender a conviver com o vírus.”

Fernanda Ló, mãe da Madalena (ambas ao centro) e de José Maria, mais o marido, José Caria, e a assistente da filha, Micaela Alves
(Foto: André Luís Alves/Global Imagens)

Fernanda tem o mesmo nível de despreocupação com o filho, José Maria, prestes a começar o 12.º ano. “O único problema que tenho em relação a ele advém de vivermos fora da zona abrangida pelos transportes públicos.” E como o filho ainda não tem um horário atribuído, à mãe falta planear a dinâmica deste ano letivo, que passará sempre pela boleia dos pais, “pelo menos até certo ponto”.

José Maria, “um miúdo organizado, respeitador e metódico”, não lhe traz grandes preocupações. “Ele tira a máscara com um cuidado que, até agora, não vi ninguém ter.” Desinfeta as mãos, tira a máscara pelos elásticos, guarda-a, e torna a desinfetar as mãos. Só isso já a deixa ver que, sejam quais forem as regras impostas pelo Agrupamento de Escola Professor Ruy Luís Gomes, o jovem vai cumpri-las à risca. “Pelo que fui percebendo, as turmas vão funcionar por turnos e vai haver menos concentração na sala de convívio.” A comunicação frequente tem ajudado a tranquilizar os pais. Mesmo quando um aluno foi infetado com covid, naquela escola, no mesmo ano do filho, Fernanda é taxativa: “Nunca deixou de haver serenidade, ninguém deixou de ir às aulas por causa disso”. José Maria já manifestou interesse em continuar com as explicações de Matemática e com as aulas do seu “personal trainer” no jardim de casa. “Para o fim de setembro já temos a vida mais organizada”, garante sem pressas. “Venha o que vier”, sorri Fernanda, “a gente há de adaptar-se”.