Negócios com patas para andar

Na CÃOpreensão, os patudos têm acompanhamento permanente. E até o dia de São Valentim é celebrado (Foto: DR)

Gastos com alimentação, brinquedos e clínicas para animais de estimação seguem em crescendo, mas há novas ideias a animar um setor que se vai fazendo cada vez mais relevante. Urnas biodegradáveis, joias com o ADN dos patudos, creches, sessões fotográficas, spas e até festas de aniversário são alguns dos projetos que vão prosperando.

Já lá vão 12 anos, mas Nuno Gonçalves ainda hoje tem gravado o dia amargo em que Marron, o setter irlandês que o acompanhava, deixou escapar o último suspiro. A despedida, os moldes daquele adeus tão frio, tão desprovido de emoção, sem um tributo sequer, tornaram a partida ainda mais dolorosa. “Na altura tive de o deixar na clínica veterinária.”

A semente do que viria a ser a PerPETuate começava a germinar aí, dolente primeiro, vigorosa depois. Mesmo que o processo tenha sido lento, recheado de pequenos passos que só conjugados resultaram na primeira funerária animal ecológica em Portugal. Desde logo o facto de Nuno conhecer de ginjeira o setor das embalagens, onde trabalhou durante mais de 20 anos. E de há sete ter decidido deixar a multinacional em que laborava. Depois, a comichão que lhe causava o facto de não haver caixões biodegradáveis em Portugal.

Daí que em 2014 tenha lançado, juntamente com a esposa, Raquel Gonçalves, a SigmaPack. Mas não lhes chegava. Até porque a memória daquele gélido adeus ao setter irlandês não o largava. Anos depois, decidiram assim aplicar o conceito-base da primeira empresa que criaram (urnas ecológicas para humanos) ao setor animal. Nascia então a PerPETuate. “É uma forma de conseguir fazer por outros animais o que não consegui fazer pelo meu.”

Uma funerária animal que quer parecer tudo menos uma funerária, com níveis diminutos de morbidez e cuidados redobrados com o ambiente. O facto de as urnas serem biodegradáveis, e de servirem de sustento à germinação de pequenas árvores, é a prova disso. Nuno resume o processo.

A PerPETuate disponibiliza urnas biodegradáveis para animais, desenhadas para se transformarem em árvores
(Foto: DR)

Trata-se de uma urna “especificamente desenhada para ser transformada numa árvore”. “As cinzas provenientes da cremação servirão de nutriente para alimentar o novo ser, permitindo assim perpetuar as memórias do animal de estimação ao contemplar a árvore gerada.” A “biotree”, como foi batizada, está adaptada tanto para interior como para exterior, sendo que existem várias espécies de sementes disponíveis.

Há outras opções, ainda assim. Como as urnas concebidas à mão a partir de tronco original de sobreiro, devidamente tratado e envernizado. Ou a urna ecológica simples, elaborada a partir da reciclagem de papel e cartão. E o serviço da PerPETuate está longe de se resumir às urnas. Começa ainda na recolha do animal em casa e estende-se a todos os momentos da despedida, burocracias incluídas.

Os números atestam o sucesso: desde 2016, a empresa de Nuno e Raquel já foi responsável por cerca de 3 500 serviços fúnebres e até já tem uns quantos franchisings espalhados pelo país. De resto, a PerPETuate também já eterniza a memória dos animais de outras formas, seja através de pegadas “pet molde” em argila ou de joias feitas a partir do ADN dos mesmos.

Um setor florescente

Os funerais para animais – que já são disponibilizados por uma variedade de empresas pelo país fora – são só uma das faces de novas áreas de negócio que se vão multiplicando num setor florescente como é o dos animais de estimação. Segundo os dados mais recentes da consultora GfK, referentes a 2018, nesse ano 54% dos lares portugueses tinham já um animal de estimação – uma evolução considerável face aos 45% de 2011. O estudo apontava ainda a existência de perto de seis milhões de animais de estimação no país.

Também os dados da consultora Nielsen, referentes aos gastos em alimentação e brinquedos para animais, atestam o crescimento. Entre 23 de fevereiro de 2019 e 23 de fevereiro de 2020, os portugueses gastaram em supermercados, hipermercados e mercearias 115,6 milhões de euros em comida para cão, um aumento de 4% face ao ano móvel anterior. Em relação aos gatos, os gastos ascenderam aos 122 milhões, com um crescendo de 9%. Em brinquedos e acessórios (para os vários animais) foram despendidos 34 milhões de euros, o que se traduz num crescimento de 10%.

Há uma humanização crescente dos animais. Alguns até já têm direito a festa de anos. Na foto, um aniversariante canino na creche CÃOpreensão
(Foto: DR)

Junte-se a isso as despesas feitas em lojas especializadas em produtos para animais, o montante gasto em clínicas veterinárias (a VetBizz Consulting, que presta serviços de consultoria de gestão estratégica a centros de atendimento médico veterinário, estima-os em 200 milhões de euros por ano) e medicamentos para os bichos, os hotéis, a própria compra e venda de animais – ainda que esteja longe de ser consensual -, os criadores, os seguros e outras profissões que vão surgindo à medida que os pets vão ocupando um papel cada vez mais central nas nossas vidas.

E não fica difícil estimar que o setor facilmente se aproxima da fasquia dos mil milhões de euros. Até porque, lá está, os negócios que vão surgindo a reboque desta crescente devoção aos animais não cessam de se multiplicar.

A CÃOpreensão, uma creche dedicada aos caninos, é um bom exemplo disso. Criada em Lisboa, em 2012, começou por dedicar-se aos passeios com animais. “Mas começámos a sentir uma necessidade por parte dos nossos clientes de que a ocupação do animal não se resumisse àquela hora de passeio”, justifica Íris Lourenço, uma das gerentes do espaço. Optaram, assim, por abrir um espaço em que, diariamente, das 8 às 19 horas como numa creche dita normal, os cães pudessem “brincar, socializar, desgastarem-se”. Sempre com atividades e um plano diário completo e diversificado.

Na creche CÃOpreensão, a ideia é que os animais brinquem, socializem e se desgastem
(Foto: DR)

“Quando chegam vão logo à rua, em grupos, fazer um passeio grande ao jardim, sempre acompanhados pelos nossos colaboradores. Depois, quando estão no nosso espaço indoor, há alturas em que brincam livremente e outras em que fazem atividades de estimulação mental, com biscoitos escondidos, por exemplo.” À hora de almoço há musicoterapia e relaxamento. “Para recarregarem energias para o período da tarde.”

Para quem pretender, há ainda uma médica-veterinária disponível. E o que leva alguém a querer deixar o cão numa creche? “Há os casos em que o animal, por sofrer de ansiedade da separação, acaba por ser malcomportado. E há tutores que nos procuram porque simplesmente estão preocupados com o bem-estar do animal, por passar o dia todo sozinho.”

Festas, sessões fotográficas, spas

Depois, há espaços que vão aglomerando uma série de serviços para os patudos, mais ou menos surpreendentes. Como a Pet Fun, em Coimbra. Além de ser um hotel (tanto para cães como para gatos) e uma creche, disponibiliza ainda serviços como banhos, tosquias e passeios. Ou até festas de aniversário.

“Temos um espaço que alugamos para as festas. Dependendo do tipo de serviços que os clientes queiram, podemos garantir o catering, com alimentos que os animais possam ingerir, ou disponibilizar os nossos animadores, para controlarem as interações”, explica Otávio Pinão, um dos responsáveis pelo espaço, que além de cinco mil metros quadrados relvados “indoor” conta agora com dois campos exteriores. Com rampas, túneis e “aparelhos de agility”. “Temos uma série de diversões e objetos para que os animais possam interagir”, pormenoriza.

Já a Pet Fun, em Coimbra, tem um espaço próprio para festas. Com catering personalizado para os animais
(Foto: DR)

Além dos treinos, que são responsabilidade direta de Otávio (“podem ir desde aulas de grupo para obediência e socialização à resolução de problemas ou ao treino mais de competição, seja para cães, aves ou roedores”), a Pet Fun disponibiliza ainda um serviço de táxi, que mais não é do que o transporte dos animais quando os tutores não o podem fazer. Dentro dos serviços mais “surpreendentes”, destaque ainda para as sessões fotográficas. “São sessões indoor e outdoor que incluem os tutores e que regra geral têm sempre um treinador a acompanhar.”

Todos estes serviços, das fotos às festas, passando pelos funerais e as creches, se enquadram numa lógica de um crescimento exponencial do setor. Dilen Ratanji, CEO da Vetbizz Consulting, enumera várias explicações para o fenómeno. Desde o aumento do número de animais de estimação em casa à alteração dos núcleos familiares e à “noção, cada vez maior, de que os animais de estimação contribuem para o bem-estar físico e psicológico dos tutores”. “

Somos uma das sociedades com mais idosos, mais divórcios, com menos filhos e com maior número de famílias monoparentais”, realça. O que contribui para a humanização crescente dos patudos. E para uma maior consciencialização dos tutores em relação aos cuidados e ao bem-estar dos animais.

Prova disso, aponta, é o facto de haver cada vez mais clínicas a “acrescentar algo na sua proposta de valor”. Sejam hotéis ou serviços de estética, como banhos e tosquias. Joana Cunha, proprietária e diretora clínica Vet SPA, no Porto, garante que o mercado tem vindo a aumentar e que há cada vez mais pessoas a preocuparem-se, entre outras coisas, “com o cheiro e a qualidade do pelo dos animais”.

A Pet Fun dispõe de um leque alargado de ofertas, da creche ao treino, passando pelas festas com catering específico
(Foto: DR)

Aberta desde 2015, a clínica pretendeu, desde o princípio, conciliar os serviços médico-veterinários com oferta de banhos e tosquias num “ambiente tranquilo”. Por isso, as banheiras são viradas para o exterior e envidraçadas – também para que os donos possam acompanhar os banhos -, e até os secadores são escolhidos a dedo para não haver demasiado ruído. “Relaxa-os muito mais.”

A clínica Vet SPA, no Porto, disponibiliza serviços de banhos e tosquias
(Foto: DR)

Entre os serviços disponibilizados estão, por exemplo, as tosquias por raça, asseguradas por uma enfermeira que integra a seleção nacional de tosquias, e os banhos terapêuticos, para animais com patologias de pele. Serviços que prometem continuar a multiplicar-se (e a refinar-se) a passo acelerado, à boleia de uma área que vive numa espécie de boom contínuo. “Nos últimos oito anos, o número de centros de atendimento médico-veterinário quase duplicou. E não tenho a menor dúvida de que o setor vai continuar a crescer”, estima Dilen Ratanji, da VetBizz Consulting.