No centro das grandes cidades, o comércio tradicional tem de tudo para responder às listas de Natal de miúdos e graúdos. De brinquedos a peças de decoração ou vinhos, atende-se com o coração e as compras são feitas ao ar livre.
“Só preciso que me tragam a lista de presentes e o plafond.” Fernanda Igrejas, do lado de lá do balcão de uma das lojas mais antigas da capital, que já tem lugar cativo na história da cidade, trata do resto. Para quem se passeia pela calçada lisboeta da Rua do Ouro, a montra da E. E. de Sousa e Silva não passa despercebida. Não é só o que guarda dentro da vitrine, é a decoração da montra carregada de espírito natalício e os mais de 200 anos da loja cravados na fachada.
Numa Rua Augusta dominada pelos gigantes, as pequenas lojas de comércio tradicional de outras artérias da baixa de Lisboa vão tentando manter-se à tona. E, no Natal, entregar a escolha dos presentes a quem há muito se conhece é solução para clientes fiéis. Porque os há. Aos 71 anos, Fernanda Igrejas vende o seu “peixe” como ninguém. “Giro esta chafarrica há 31 anos. Foi a primeira fábrica de carimbos em Portugal”, recorda. Nas prateleiras desta casa há sugestões de prendas para toda a família. Para os pequenos, há chapéus de chuva, impermeáveis de todas as cores, mochilas. Para homens, há carteiras, cintos, pastas. E as mulheres podem escolher entre malas em cortiça portuguesa, sacos de viagem em pele, presépios de cortiça ou de vidro, todos artesanais.
Fernanda acredita que “os clientes estão mais sensíveis ao comércio de rua”. Mas as ruas ainda estão despidas da correria às compras. A francesa Ingrid Hazan, que vive em Lisboa há quatro anos, passeava-se pela baixa. Compra quase tudo no comércio local, gosta do ar livre. “Ofereço sempre aos meus pais coisas tradicionais de Portugal. Vinho do Porto, ginjinha, cerâmica. Há a tentação de comprar nas grandes superfícies, mas até os meus amigos portugueses estão a comprar mais nas lojas locais.”
Ainda na Rua do Ouro, está a Seven Hills Gifts & Gourmet. É bem mais recente, abriu em 2015. E embora tenha sido criada por uma alemã, de Munique, lá dentro, em estantes de madeira que vão quase até ao teto, só há produtos portugueses. A dona, Martina Uher, é apaixonada por Portugal. O chão a recriar a calçada é prova disso. Há decoração para o quarto das crianças, louças Bordallo Pinheiro, velas Candle In, azeites ou sal marinho de pequenas produções. As chávenas da Vista Alegre fazem sucesso entre os homens, assim como as peças em madeira e o vinho. “São vinhos especiais, como o Principal, que está no top 10 dos melhores vinhos tintos do Mundo”, sublinha Martina.
Mas a criatividade – ou a falta dela – também pode morar em quem quer comprar todos os presentes sem sair da mesma loja. E oferecer o mesmo a toda a família não é difícil. Motivada pela série britânica “Peaky Blinders”, a procura por boinas da Chapéus Lisboetas, na 1.º de Dezembro, colada ao Rossio, disparou. É a prenda ideal para os apaixonados pelo protagonista Thomas Shelby. Também há chapéus, gorros, bonés. E aí bem perto ainda se pode espreitar a Chapelaria Azevedo Rua, a mais antiga portuguesa.
Rua de ferragens vira centro de comércio tradicional
A norte, no Porto, este é o primeiro ano em que a Rua do Almada se enche de iluminação natalícia. Aos fins de semana fecha ao trânsito para fazer correr os passeios a pé. Noutros tempos era rua típica de ferragens, os portuenses engalanavam-se para lá ir. Hoje, além de António Bessa ali pintar ao vivo, tem lojas de ilustração, roupa vintage, discos. Com a Rua de Santa Catarina a dar lugar às grandes marcas, é aqui que, agora, o comércio mais tradicional da Invicta encontra casa. “O que é que nós não vendemos?” É assim que Rita Almada, à porta do número 275, reage à pergunta sobre o que é a loja Workshops Pop Up, que abriu ali com o marido Nuno Pedrosa há sete anos.
Para quem arrisca pôr o pé dentro da porta, surpreende-se com um chão de pedra atravessado por uma linha de ferro e uma cozinha ao fundo onde há workshops por chefs do Porto, que também servem de presente. Pequenas marcas alugam-lhe o espaço e aqui há tudo e mais um par de botas.
Tapetes artesanais, mantas que aproveitam restos têxteis, almofadas com lã da Serra da Estrela, toalhas de renda, louça, esmaltes como os do tempo dos avós, bijuteria criada com flor do Algarve, mochilas nacionais, sweats, gabardinas criadas em Vila do Conde, vasos, velharias. “É habitual as pessoas virem com a lista de Natal e comprarem cá tudo”, diz Rita. E também há uma mercearia, com vinho Poças Júnior ou conservas Comur.
Susana Andrade não resistiu a espreitar. “Estou a começar a ver as prendas. É muito mais interessante ir a uma loja com este tipo de proximidade e produtos originais.” E basta atravessar a rua para entrar noutra onde também se encontram opções para toda a família. Chama-se MGMN, é centenária. Gabriela Maia herdou, há 30 anos, o negócio do pai que foi crescendo e já vai com três lojas seguidas. “Nestes tempos, os clientes têm sentido necessidade de ajudar”, reconhece Gabriela.
Aqui, o difícil é escolher. Há brinquedos em cortiça da marca portuguesa Elou, fantoches em lã, peluches. Para os mais velhos, peças de decoração da Laboratório d’Estórias, cerâmicas, malas e cestas, acessórios para vinhos, ferragens, mantas, champôs sólidos, cremes. No entanto, na cidade Invicta, é impossível fugir à magia natalícia de Santa Catarina. Se os chocolates são reis no Natal, aí, numa loja com um pé direito alto e teto pintado à mão, há chocolates produzidos em Famalicão. Chama-se meia.dúzia e podem criar -se cabazes: dá para escolher entre chocolate negro, branco, com mirtilo e vinho do Porto, morango e malagueta, amora e noz-moscada, ananás dos Açores, laranja do Algarve ou mel.
Sustentabilidade e livros na Veneza Portuguesa
É com a ria de Aveiro nas costas que se avista uma ruela carregada de coffee shops que está a recuperar a centralidade do comércio tradicional de outros tempos. É conhecida por Rua Direita, mas, na verdade, chama-se Rua de Coimbra. Aqui, não entram carros e desde há cinco anos que lá há um Pássaro de Seda, a loja de Maria João Cravo que decidiu largar o ensino de Português para transformar em negócio o hobby da cerâmica.
A pequena loja que abriu na Veneza Portuguesa acabou por se tornar em muito mais do que isso. Nas prateleiras só há uma regra: os produtos são portugueses e de raiz artesanal. “Tenho coleções de bijuteria, peças utilitárias, como pratos, canecas, chávenas, e de decoração. Misturo cerâmica com tecelagem”, pormenoriza Maria João. Além destas peças, a loja tem malas de feltro feitas com restos da indústria de chapelaria, mochilas, capotes alentejanos, velas de soja e óleos essenciais, incensos naturais, louças da portuguesa Costa Nova, cachecóis, tapetes. Para as crianças, há bonecos e almofadas de pano ou lápis Viarco. E ainda há presentes para homem: sabonetes e pincel para a barba da Amor Luso, porta-moedas, almofadas de trigo e alfazema, boinas.
A sua clientela foge dos centros comerciais, como Diana Gomes, que acabou a comprar prendas. “É mais seguro e ainda ajudo o comércio local.” Dali, é só caminhar uns passos para dar de caras com a Alma de Alecrim. Na loja criada por Filipa Sousa e pelo namorado Pedro Cerqueira, tudo se divide por cores. “Aqui entram produtos sustentáveis e é tudo pensado no design”, atira Filipa. Há garrafas reutilizáveis, colunas à prova de água, capas de chuva, sacos de desporto, estojos, carteiras, cadernos, toalhas, bijuteria em resina e madeira, candeeiros, tote bags, postais com fotografias de Pedro.
A cidade que é fácil de percorrer de bicicleta ainda guarda a única livraria do país só dedicada à ilustração. A Gigões & Anantes tem milhares de livros ilustrados para crianças e adultos. As marionetas artesanais no topo das escadas inauguram as estantes desta livraria de Francisco Vaz da Silva. Desde o “Sonho de neve” ou livros pop-up para os pequeninos aos clássicos “A pesca” ou “O homem da Lua” para crianças que sabem ler, as opções são muitas num mundo que cabe em todas as idades. “A Casa” é um bom presente para os avós e a coleção “Grandes Vidas Portuguesas”, sobre figuras como Salgueiro Maia ou José Saramago, uma excelente opção para os pais.
Legos, decoração e sapatos na Cidade dos Arcebispos
Cláudia Alves trocou a morada do shopping pela da Rua dos Capelistas, no centro histórico de Braga, há sete anos. “Porque não há nada como o comércio de rua.” Do Arco da Porta Nova à Avenida da Liberdade, a azáfama das compras na cidade dos Arcebispos já se vai fazendo sentir. E na sua loja, a LivingRoom – Design Store, é fácil despachar todas as prendas. Há móveis, molduras, jarras, estatuetas, cadeiras, suportes de livros, fragrâncias para a casa, cerâmicas. Ainda tem um cantinho dedicado aos homens com saca-rolhas elétricos, garrafeiras ou candeeiros de secretária; e para os petizes, há canecas e gavetas da Lego, bonecas, peluches.
Nem o tempo de espera à porta – devido ao limite de pessoas dentro da loja – faz desistir clientes fiéis, como Virgínia Seixas. “Compro aqui para toda a gente”, comentava. Ali perto, na avenida principal, a sapataria Benamor resiste. Abriu em 1985, pelas mãos de Eva Carneiro e do marido, e chegou a ter várias lojas. “Já só temos esta. A idade está para arrumar as botas.” Mas enquanto não as arrumam, esta é a altura de ouro para vender para toda a família, sobretudo “sapatos mais caros”. Com a chegada de dezembro, Eva tem a mesma esperança que Fernanda Igrejas, Gabriela Maia ou Francisco Vaz da Silva e todos os outros lojistas de negócios tradicionais: a de um Natal de compras na rua, no comércio que se faz com o coração e que nem a pandemia será capaz de roubar.