Não há festas. Mas há teatro nas aldeias transmontanas

Ninguém assistiu à peça sem usar máscara e sem desinfetar as mãos (Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

“Adeus Manel.” “Adeus Mariana.” Ainda agora se apaixonaram e já estão separados. Ela emigrou para França com os pais. Ele ficou na aldeia, em Tresminas, Vila Pouca de Aguiar, a guardar um rebanho de cabras. Tristeza. Palmas na plateia. Sorrisos no palco. Caiu o pano. Houve teatro. O futuro do casal? “Fica à imaginação de cada um ou talvez seja desvendado numa próxima peça”, sorri a encenadora Tisha Costa.

“Manel” e “Mariana” são as personagens principais da peça “O Pastor”, que o grupo de teatro Animódia, sediado em Vila Pouca de Aguiar, distrito de Vila Real, está a exibir neste verão em algumas localidades transmontanas e durienses. A “Notícias Magazine” acompanhou a estreia, em Tresminas, aldeia com menos de 40 habitantes, mas com grande potencial de atração de turistas, sobretudo graças ao complexo mineiro romano onde se extraiu ouro noutros tempos.

A Animódia, fundada em 2011, só tem um colaborador com contrato, o diretor artístico, José Miguel Carvalho. Alguns trabalham a recibos verdes, outros são estagiários. Todos alunos e antigos alunos do curso de Teatro e Artes Performativas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real.

A exibição no anfiteatro do centro interpretativo das minas estava agendada para as 21.30 horas, mas a produtora Sara Batista definiu que os cerca de 20 elementos do grupo tinham de estar no local às quatro da tarde. Com o termómetro nos 30 graus, era preciso montar o cenário, preparar camarins, testar som, entre outros trabalhos.

Tirando a azáfama no anfiteatro, a tarde não mostrava ninguém nas ruas de Tresminas. Só à noite saíram alguns para ir ao teatro. José Manuel Coutinho, 81 anos, máscara com nariz de fora, chegou ligeiramente atrasado, mas ainda a tempo de “gostar de tudo”, por se identificar com o que ali se representou e disse.

“A peça é sobre emigração, pastorícia e preservação da floresta”, destaca o aguiarense José Miguel Carvalho. Manuel Coutinho lembra-se bem da vida difícil em Toulon, França, onde trabalhou numa britadeira de pedra. “Levantava-me às quatro da manhã. Era duro. Mas aqui não havia trabalho.” E por isso se fez à vida noutras paragens. Tal como tiveram de fazer os pais de Mariana, afastando-a de Manel.

A encenadora e autora da peça, Tisha Costa, 21 anos, de Cabeceiras de Basto, gosta do relato do idoso, pois escreveu “uma peça baseada em temas com os quais se identificasse todo o povo transmontano”.

Cátia Monteiro, 22 anos, também de Cabeceiras de Basto, é Mariana. A primeira vez a atuar como profissional. A primeira num drama. “A responsabilidade é maior. São emoções novas para mim. Estar apaixonada como atriz é uma coisa que ainda não tinha experimentado e, por isso, tão desafiante.”

Mas Manel, Rui Duarte, 23 anos, de Arouca, é um “colega excelente que dá confiança” para não se deixar vencer pelos nervos. Para ser “O Pastor” passou “uma tarde inteira” com um guardador de cabras de Tresminas. E bebeu todos os ensinamentos sobre “uma atividade tão dura”.

Na plateia houve gente de fora. Foram ver amigos, colegas ou familiares a atuar. Maria Gracinda e Joaquim Oliveira, de Lousada, ficaram satisfeitos com a representação do neto, Ricardo Leal. Ele fez de Eulália, a mulher que passa a peça a berrar com o bêbado Zeca (João Gomes), aquele que nunca tem pressa de abandonar a festa. Alberto Machado, presidente da Câmara de Vila Pouca de Aguiar, graceja: “Havia sempre um bêbado em todas as festas de aldeia e uma mulher rezingona que via tudo por uma perspetiva negativa”.

Zeca e Eulália protagonizam a parte cómica de “O Pastor”. “Ele [Ricardo] tinha vontade de seguir música, mas quando fez o 12.º ano acabou por escolher teatro e fez muito bem”, orgulham-se Gracinda e Joaquim, acompanhados pelo filho António Oliveira. “Levar teatro às aldeias mais pequenas é uma boa iniciativa. Deve repetir-se mais vezes.”

“A ideia nasceu durante o período de confinamento”, explica José Miguel Carvalho. A agenda de verão da Animódia foi “reduzida cerca de 90%” por causa da pandemia. Juntou-se a “necessidade de realizar atividades” e “ir ao encontro da comunidade, uma vez que este ano não há festas e convívios”. Precisamente por isso, “é preciso trazer alguma animação e sobretudo algo diferente, pois há aqui pessoas de idade que, com certeza, nunca foram ao teatro”, nota Bruno Perdigão, vice-presidente da Junta de Freguesia de Tresminas, que contratou o espetáculo.

Ninguém assistiu à peça sem usar máscara e sem desinfetar as mãos. Sara Batista não facilitou. Nem mesmo quando teve de mandar um senhor para trás por não trazer proteção facial. O argumento de que os atores também não estavam a usá-la não colheu. Após cair o pano, houve efusivos cumprimentos com as “expectativas superadas”. “O público captou bem a mensagem e cada ator cumpriu como eu esperava”, sublinha Tisha. Depois das apresentações no concelho de Vila Pouca de Aguiar, em Tresminas, Alfarela de Jales e Pedras Salgadas, segue-se Sedielos (Peso da Régua), no dia 16.