
Há cada vez mais mulheres que optam por métodos que eliminam o incómodo do período todos os meses. Porque apesar de alguns mitos que ainda persistem, não há qualquer evidência científica que mostre que a menstruação é necessária ou vantajosa.
Depois do nascimento do filho mais novo, Mariana Campos iniciou um novo método contracetivo: a pílula só com progestagénio, também conhecida como minipílula. A médica achou que seria uma boa opção para evitar esquecimentos, uma vez que esta pílula, de baixa dosagem, é tomada todos os dias, sem interrupção. Anteriormente, durante os dias de pausa da pílula combinada que tomava, com a quebra da rotina por uns dias, Mariana acabava sempre por se esquecer de a iniciar a tempo e horas. “Há seis anos que não tenho menstruação. Nem sabia que isto ia acontecer, mas foi uma surpresa ótima”, conta a diretora financeira de 33 anos.
Hoje, há uma coisa que tem como certa: quando, e se, mudar de método contracetivo, não se imagina a voltar a um que implique ter o período. Confessa que já nem se lembra bem como era – já lá vão seis anos – mas aquilo que recorda é suficiente para não querer lá voltar. “Tinha as típicas dores abdominais e um grande desconforto, até porque nunca me adaptei aos tampões e tinha de usar pensos. Não ter período é ótimo a todos esses níveis e também a nível sexual, porque há total liberdade.”
O ginecologista brasileiro Elsimar Coutinho publicou em 1999 um livro polémico com um título autoexplicativo, “Menstruação, a Sangria Inútil”, em que defende que o período é apenas a sinalização de uma “falência reprodutiva” e que não havia razão nenhuma para que uma mulher que não estava a tentar engravidar se sujeitasse a ter. A polémica esbateu-se com o tempo: atualmente, entre especialistas, depois de muita investigação sobre o assunto, há consenso em torno da ideia de que menstruar não é uma necessidade.
“Existem situações em que não menstruar se torna mesmo vantajoso, nomeadamente em mulheres com endometriose, dor intensa durante o ciclo menstrual ou com menstruações abundantes com risco de anemia”, explica Patrícia Isidro Amaral, ginecologista-obstetra da Maternidade Alfredo da Costa e do Hospital da Luz, em Lisboa. “Na minha opinião pode mesmo, fora destas situações específicas, ser uma opção. Durante a toma da pílula, a hemorragia que existe na pausa é uma hemorragia de privação e não uma menstruação, e foi estabelecida para simular o ciclo menstrual espontâneo. Mas será necessária? Não é. Desde que exista a certeza de que não houve falhas na toma, como esquecimentos, vómitos, diarreia ou interferência com algum fármaco, não menstruar não apresenta qualquer problema.”
A médica argumenta que, em consulta, quando são apresentadas as várias alternativas contracetivas à mulher, um dos temas que deve ser abordado é o tipo de perda de sangue que pode ocorrer ou não com cada uma, porque esse aspeto é um fator de decisão importante. E garante que a velha crença de que a menstruação é necessária e suprimi-la pode causar problemas vai caindo por terra. “Esse mito baseia-se na ideia de que se o sangue não sai é porque vai para algum lado, quando o que se passa é que o sangue não sai porque não existe estimulação endometrial e, portanto, não existe nada para sair.”
História que vem dos anos 1960
A mesma pílula que libertou, oprimiu um pouco. Foi uma gigante conquista para os direitos reprodutivos, permitindo às mulheres o planeamento familiar, mas teve um pequeno efeito colateral: ajudou a cimentar a ideia da menstruação mensal como a “normalidade” da saúde feminina e como algo desejável. E é preciso explicar porquê.
Um dos criadores da pílula anticoncecional, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) em 1960, foi o americano John Rock. Mas não foi sem luta que este homem, fervoroso católico, o fez na sociedade fortemente puritana dos Estados Unidos do final dos anos 50. A sua forma de se bater pela aceitação da pílula contracetiva, juntamente com o coinventor Gregory Pincus, baseou-se na teoria de que, na realidade, a pílula não estava muito distante de ser um método natural de contraceção. Afinal, os seus princípios ativos eram substâncias que o corpo da mulher produzia – a progestina e o estrogénio – e este método atuava estabelecendo um período seguro para ter sexo sem procriar que era similar ao tradicional. Alegava ainda que nem todas as mulheres tinham períodos menstruais regulares e que a pílula era, na realidade, uma forma de os terem.
Acontece que, se a dupla queria convencer a igreja e os mais puritanos de que a pílula era apenas uma pequena ajuda à natureza feminina, não podia suprir a menstruação. Decidiu-se assim que, tendo as mulheres, em média, ciclos menstruais de 28 dias, a pílula seria tomada durante três semanas e interrompida durante uma para vir uma hemorragia de privação que faria as vezes da menstruação. E é apenas por isso que muitas mulheres continuam a ter período todos os meses, apesar de tomarem a pílula. Não houve (nem há) qualquer razão médica para a interrupção de uma semana.
Uma questão de método
Vânia Santos, de 35 anos, viu-se livre do período há ano e meio, depois de colocar um SIU (sistema intrauterino), e o seu caso situa-se precisamente entre aqueles em que não menstruar é a opção mais indicada. “Tinha um fluxo enorme e comecei a ter anemias frequentes em consequências das hemorragias.” Assegura que foi a melhor coisa que fez. “É uma enorme sensação de liberdade, posso fazer atividade física ou ir à praia sem incómodo. Ficou resolvido o problema das anemias e sinto-me com muito mais energia.”
A verdade é que nunca as mulheres menstruaram tanto como hoje. Noutros tempos, o primeiro período surgia mais tarde, a menopausa mais cedo e, pelo meio, as mulheres tinham um grande número de filhos, não menstruando durante as sucessivas gravidezes e os longos períodos de amamentação. E isso continua a verificar-se em algumas sociedades. Beverly Strassmann, uma investigadora na área da bioantropologia da Universidade do Michigan (EUA), estudou uma tribo no Mali durante mais de 30 anos e a sua investigação mostrou que estas mulheres menstruam, em média, cerca de 100 vezes na vida. No mundo ocidental este valor sobe para 400 vezes.
Hoje a questão é menos se é seguro provocar a amenorreia e mais como se pode provocá-la eficazmente. Há vários métodos disponíveis – a pílula estro-progestativa, a pílula só com progestativo, o sistema intrauterino com medicação e o implante de libertação subcutânea -, o que não há é uma uniformidade de resposta.
“Apesar de a maioria das mulheres poder ficar em amenorreia com estes métodos, não existe uma certeza de 100%. Algumas terão perdas, com padrões de regularidade e volume variáveis, porque cada mulher pode responder de forma diferente ao método. Não conseguimos que exista uma norma para todas as mulheres”, afirma Patrícia Isidro Amaral. Além disso, nem todos os métodos são adequados para todas, e o que está indicado pode variar atendendo às “especificidades, patologias e contraindicações, pelo que a avaliação deve ser feita caso a caso”.