Melgas: é o nosso cheiro que as deixa doidas

Usar roupas que vedem o acesso dos mosquitos (mais compridas, por exemplo) é uma opção (Foto: Pixabay)

Um grupo reúne-se, mas a vítima é quase sempre a mesma. Os mosquitos e as melgas sabem bem o que querem. Descubra o que os põe em êxtase e fique com algumas dicas para fintar as picadas.

A gargalhada é instantânea, embora Sara Matos não ache propriamente graça ao assunto. É uma fatalidade. Por isso, ri-se “de nervos”. Ri-se “conformada”. O tema da conversa são mosquitos e melgas. E a vimaranense de 24 anos declara ter doutoramento na área. “Eu? Eu sou atacada desde que nasci.”

A frase não é escolhida ao acaso. As memórias são traumas à flor da pele. “Ainda hoje, independentemente do tempo que faça, quando vou dormir tapo-me até às orelhas.” Na base destes cuidados estão vários momentos, como uma ida às urgências por causa das picadelas de insetos. “Picaram-me na pálpebra e nem conseguia abrir o olho.”

Também se recorda de outra situação “crítica” durante um passeio. Estava calor e ela de saia. “Quando cheguei a casa tinha as pernas todas inchadas.” A frase, dita após um suspiro, é reveladora do sofrimento com que passou a conviver. “Fico sempre em mau estado quando sou picada. Só que agora aprendi a lidar com isso e já não vou tantas vezes ao hospital .” Por outras palavras, conformou-se.

Quando era pequena, a mãe de Sara tentava tudo para que o corpo da filha escapasse aos insetos. Sprays, loções, diversos tipos de repelentes. “Cansou-se. Não adiantava. Eu acabava sempre picada.” Hoje, apenas continua a usar ambientadores anti-melgas e mosquitos. No quarto, principalmente. “Se não me apanham no quarto vão apanhar-me noutro sítio qualquer. Não tenho como fugir deles. Só me resta rezar para que não me apanhem”, admite. Nem isso adianta. “Não sei por que me escolhem a mim.” Mas Filomena Azevedo, diretora do serviço de Dermatologia do Hospital de São João, no Porto, sabe. E a chave do problema nada tem a ver com o que está enraizado no senso comum, de que as picadas se devem ao facto de certas pessoas terem o sangue mais doce.

“Não é tanto o sangue, mas antes o suor e as bactérias da nossa pele que originam diferentes odores que levam a que alguns indivíduos sejam mais picados”, assegura a especialista. As melgas fêmeas – as únicas que mordem – sentem-se atraídas pelo dióxido de carbono que exalamos, pelo calor do nosso corpo e pelos químicos que libertamos no suor, como o ácido láctico e o úrico. Os humanos que têm na sua genética a capacidade de camuflar estes factores (por exemplo, produzindo cerca de uma dúzia de componentes que, ou afastam as melgas, ou as impedem de nos detetarem) veem-se livres do tormento que os chupadores de sangue provocam. Porque é que algumas pessoas têm a sorte de ter este escudo incorporado? É a pergunta a que ainda ninguém sabe responder, mas pode ter sido o resultado de um fenómeno evolutivo para nos proteger de doenças transmitidas por mosquitos. E são muitas.

“Que mal fiz eu?”

De acordo com vários estudos, as pessoas cujo tipo sanguíneo é O têm mais de 80% de probabilidades de serem picadas do que as que têm outro tipo de sangue. Sendo que quem tem o tipo de sangue A é quem está mais salvaguardado. Segundo Filomena Azevedo, as grávidas também estão na lista dos alvos mais desejados devido “às substâncias libertadas pela pele nesse estado e pelo aumento do calor corporal”, o que as faz exalar mais dióxido de carbono do que outras pessoas. O mesmo acontece com os atletas. Outra surpresa: “O álcool, particularmente a cerveja, parece aumentar a probabilidade de picadas”. De novo se coloca o problema da subida da temperatura corporal. No entanto, a crença de que as mulheres são mais atacadas do que os homens é puro mito.

Sofia Esteves, 26 anos, nem pensou nisso. Tal como Sara, só sabe que “desde pequena” passa pelas mesmas consumições. Picada nas pernas, que ficam, em segundos, o dobro do tamanho. “Aconteceu há pouco tempo. Quase não conseguia andar.” Picada no rosto, onde o efeito é o mesmo: “Certa vez, fiquei sem ver durante alguns dias”. Picada onde as melgas bem entenderem. Há truques para lidar com isto? “Se for para um sítio em que sei que há mais possibilidade de ser atacada, em vez de calções levo calças, tento ir mais coberta.” De resto, só anda com gel para colocar nos inchaços depois de ser picada. É possível fazer mais? Filomena Azevedo diz que sim.

“Usar inseticidas ou dispositivos para redução do número de insetos” é uma opção. Apostas que parecem dar resultado são produtos como o óleo de eucalipto ou de coco. Que, pelos vistos, protegem durante mais tempo do que a citronela. Pode ainda tornar-se menos atrativo para os bichos se utilizar desodorizantes, sabonetes e loções sem cheiro. Repelentes feitos com dietiltoluamida também parecem fazer diferença.

Usar roupas que vedem o acesso dos mosquitos (mais compridas, por exemplo) é outra opção. Mas não se iluda: se forem muito finas, os mosquitos poderão passar. E sendo verdade que estes insetos podem “farejar” as suas refeições a 50 metros de distância, não é menos verdade que também usam os olhos para as encontrar. As cores dos tecidos têm influência nesta dança: tenha especial cuidado com o vermelho e tons escuros como o azul ou o preto. E se nada disto funcionar e estiver na hora de dormir, pode sempre recorrer ao truque da Sara: tapar-se com o lençol até às orelhas. E rezar para que, por umas horas, as melgas e os mosquitos o deixem descansar em paz.