
Um mestre budista tibetano esteve em Portugal a ensinar o equilíbrio perfeito entre corpo e mente através de ancestrais exercícios de meditação. Tulku Lobsang atraiu uma multidão de seguidores.
A sala é ampla, o chão de taco claro, as janelas deixam entrar tímidos raios de sol em manhã encoberta. Sentadas descalças em tapetes individuais, 70 pessoas – ela por ela de portugueses e estrangeiros – aguardam o mestre tibetano Tulku Lobsang. Quando chega, vestido com um longo roupão negro adornado com um cachecol vermelho, a mole humana cumprimenta-o juntando as mãos e fazendo um ligeira vénia. Tulku Lobsang, 43 anos, retribui o gesto e percorre o corredor de gente sempre de sorriso rasgado, como rasgados são os seus olhos vivos. Senta-se num banco comprido, pernas cruzadas em posição de lótus, mãos também cruzadas quatro dedos abaixo do umbigo. E dá orientações: “Expirem e esvaziem a barriga. Empurrem a respiração para baixo e sustenham-na. Controlem, aguentem, concentrem-se. E relaxem.” E assim ficam, Tulku e os seguidores, como se o Mundo tivesse parado e nada mais houvesse do que espírito. Quase como que num transe coletivo, mergulha-se no silêncio.
O cenário podia ser o de um mosteiro budista, mas estamos entre quatro paredes num hotel em Ofir, no minhoto concelho de Esposende. Neste retiro, que abriu as portas à “Notícias Magazine”, o convidado especial foi Tulku Lobsang, mestre budista de Tantrayana de Tummo, linha que procura ligar corpo e mente num caminho que pretende o equilíbrio entre ambos e, assim, a harmonia pessoal e perante o próximo. É um dos três caminhos do budismo, a par do Theravada, conhecido como o caminho da renúncia, e o Mahayana, que privilegia a compaixão. No Tantrayana, o foco está na intensa meditação e na prática das melhores formas de concentrar as energias do corpo para que possa ser atingida a plenitude do convívio são connosco próprios e com os outros.
“O passado é onde estão concentrados os nossos problemas. O futuro ainda não chegou. Ambos não existem, apenas o presente. E é nele que nos devemos focar sempre”, não se cansa de repetir Tulku Lobsang. “Temos quatro chacras onde se concentra a energia do corpo: a coroa (na cabeça), a garganta, o coração e o umbigo. Para encontrar o fogo interior, há que ter a postura correta, controlar a respiração e apontar ao foco. Então, a luz do fogo vai brilhar no nosso corpo.”
O fogo de que fala Tulku Lobsang mais não é, segundo os princípios budistas, do que o equilíbrio espiritual da mente. “Podemos ter saúde, mas falta encontrar um sentido para a vida: o sentido da felicidade. Para tal, a mente também tem de estar saudável, não apenas o corpo. Há que não fugir dos problemas, que os encarar e aceitar. Fazer o melhor no Mundo e aceitar o que vier. E relaxar, sempre.”
A plateia escuta-o atentamente, alguns tiram apontamentos em pequenos cadernos que guardam sob o tapete em que se sentam. Depois vem a prática, os exercícios de respiração e orientação conduzidos por Tulku Lobsang que pretendem encontrar o fogo interior de cada um. “Pensar não é suficiente, é preciso sentir.” E segue-se novo período de silêncio, cinco minutos em que nada mais à volta parece existir.

Findo esse período, Tulku Lobsang brinca com a assistência, ele que tem no sentido de humor arma frequente para passar a mensagem. “Estamos tão relaxados que até parece estarmos mortos”, atira.
“Vivemos numa época histórica em que existem muitas distrações que nos afastam do essencial. Dispersamos energias com facilidade. Por isso, a mente não relaxa, não acalma. E uma mente inquieta é uma mente cega. A calma é a sabedoria e a cura”, descreve à NM.
Uma outra realidade
Depois de quase duas horas de exercícios de meditação, os participantes saem (relaxados) para um pequeno intervalo. Conversam, traçam os primeiros sinais do que aprenderam com o mestre tibetano. Paulo Mascarenhas veio do Porto, tem 49 anos e é gestor de recursos humanos, uma profissão em que lida “com muita gente e que várias vezes envolve situações de stress e de conflito”. Encontrou no budismo uma forma de “utilizar o corpo para trabalhar a mente”, por isso participa regularmente em retiros e, também por isso, viu no encontro com Tulku Lobsang uma forma de aperfeiçoar conhecimentos. “É uma questão de bem-estar pessoal que tenho vindo a aprofundar. Comecei por me interessar pelo lado filosófico, depois foquei-me na saúde.”
Um pouco mais a sul, no distrito de Leiria, Hélder Carvalho, 40 anos, espalhou o conceito de budismo Tantrayana entre os mais novos. E com sucesso, garante. Docente de Educação Física, aplica aos alunos ensinamentos ancestrais. “Lancei um projeto que chega a 1 500 pessoas, adultos e crianças, e que as ensina a meditar”, revela. “De início, ficaram um pouco céticos. Com o passar do tempo foram aceitando. Quando começaram a perceber os benefícios não quiseram voltar atrás, sobretudos os alunos, do 5.º ao 12.º ano, que tiveram resultados bem visíveis e que reconheceram ter melhorado os índices de concentração e até de motivação.”
Natacha Monteiro, 39 anos e professora de ioga, assina por baixo no que aos benefícios do budismo diz respeito. “Descobri-o depois de uma crise existencial, há uma década. Acima de tudo, consegui criar a minha própria realidade, a forma como encaro a vida através da calma e da aceitação.”
Nem só de Portugal vieram seguidores de Tulku Lobsang. Larisa Heilmann deslocou-se propositadamente da cidade alemã de Heidelberg só para seguir os conselhos do mestre. “A sociedade atual centra-se demasiado no individualismo, é muito competitiva. O budismo acaba por ser a procura contínua da liberdade, do eu profundo.” Um percurso que “um dia conduzirá à felicidade” e que Larisa considera “mais do que uma religião, um processo psicológico”.
Atento, e deliciado, estava também um casal americano proveniente do estado de Vermont. “Das altas montanhas; quando viajámos para Portugal a neve dava-nos quase pela cintura”, contam Bruce Marshall e Janine Weir, para quem o “budismo é amor, não uma religião”. Ele professor de Tai Chi, ela artista, veem em Tulku um mestre diferente, “que comunica de forma muito direta e passa bem a mensagem”. Por isso o acompanham com frequência, por isso procuram aplicar no quotidiano os seus ensinamentos. “Alguns monges são complicados, ele não”, sorri Bruce, antes de se despedir e voltar à sala onde Tulku Lobsang vai iniciar mais uma sessão de meditação.
Do Tibete para o Mundo
Tulku Lobsang nasceu no Tibete, território com mais de um milhão de metros quadrados e pouco mais de três milhões de habitantes, ocupado pela República Popular da China desde 1950, um ano após a chegada ao poder em Pequim do comunista Mao Tsé-Tung. Dominado pela cordilheira dos Himalaias, o Tibete foi desde sempre casa do Dalai Lama, líder espiritual dos budistas. Em 1959, uma revolta da população contra a presença chinesa levou ao apertar do cerco das autoridades e obrigou à fuga e exílio dos principais mestres religiosos em Dharmasala, no norte da Índia. É desde lá que Tenzin Gyatso, assim se chama o atual Dalai Lama, concentra a sua ação. E foi lá que os budistas encontraram novo ponto de abrigo. Mesmo assim, a perseguição não parou e acredita-se que durante a Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, poderão ter sido mortos até um milhão de tibetanos e destruídos mais de cinco mil mosteiros budistas.

(Foto: Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)
“Defendo em relação ao Tibete o mesmo que há muito defende o Dalai Lama, ou seja, que possa manter-se integrado na China, sim, mas desde que a China respeite sempre os princípios e liberdades da população”, afirma Tulku Lobsang à NM, ele que em 1992, com apenas 16 anos, foi forçado a fugir para Karnataka, também na Índia, onde passou a aperfeiçoar com outros mestres técnicas ancestrais de meditação. Aos seis anos fora enviado para um mosteiro e aos 13 declarado a oitava encarnação da linhagem de sucessão budista. Tema que não aborda, preferindo concentrar-se em passar a mensagem que o fez ser o motor da associação Nagnten Mehlang, centro médico budista sediado em Viena, na Áustria.
De regresso à improvisada sala de meditação na sala de um hotel em Ofir, Tulku Lobsang volta a ser saudado pelos seguidores. Ensina novas técnicas de respiração, medita, proclama princípios budistas que levam à reflexão do público. “Se querem saber quem são, vão até ao topo de uma montanha e olhem o céu infinito. Vão perceber que se acabou o egocentrismo”, assegura. Regressam os exercícios de meditação, o mestre continua a descrever pacientemente o que fazer para chegar ao tão desejado objetivo. Há quem o questione, ele a tudo responde. Até a perguntas menos convencionais, como se tais técnicas resultam durante a menopausa, se resolvem dores nas costas ou se são compatíveis com a prática sexual. De sorriso pronto, Tulku não se furta a nada nem a ninguém.
“Visualizem uma luz vermelha e todo o corpo se transforma num corpo de luz”, proclama Tulku Lobsang. É a manifestação do fogo interior que o budismo garante ser possível encontrar. E a descoberta do fim do caminho que leva ao equilíbrio entre corpo e mente.