Marca vermelhinha na branquinha (II)
Disse o Fábio sobre o dia em que percebeu onde se tinha metido:
– Estávamos todos a tomar o pequeno-almoço e eu sugeri ir comprar sumo para o almoço. Vieram comigo o irmão da Vanda e os dois filhos.
Na rua surgiu o pai das crianças, ex-companheiro de Vanda. Parecia o início de um duelo. Foi “no mês três ou no mês quatro”:
– O tio levou os meninos para falarem com o pai e eu fiquei ali… O indivíduo vai-se aproximando e, quando está a cinco, seis passos de mim, é que me apercebo que tem uma mão atrás das costas e que tem uma pedra da calçada.
– E o que faz com essa pedra?
– Vi o movimento da mão que queria amandar com a pedra…
– E arremessou a seguir a pedra na sua direcção?
– Sim, fui atingido. Ainda me tentei desviar do percurso da pedra, mas àquela distância era quase impossível.
– E ele disse-lhe alguma coisa?
– Disse que me ia apanhar, qualquer coisa assim…
– Que o ia apanhar? Mas já o tinha apanhado, ou não?
– Já! Foi uma situação tão rápida… a situação acho que é mais instinto, porque depois pensei na situação em modo lento e se não me tivesse desviado teria levado com a pedra neste lado da fronte. Rodei o corpo e apanha-me nesta zona aqui.
Eu via a costura no couro cabeludo, uma pequena minhoca avermelhada, mas Fábio não a virou para as magistradas. Fábio era um homem forte, de tronco em V, mas todo o seu corpo dizia: eu meto-me em cada uma!
– Desviei-me da pedra. Mesmo assim levei com ela. Partiu-me a cabeça.
Uma irmã de Vanda caiu do céu (todos vizinhos no Bairro Padre Cruz) e meteu-se na batalha entre os dois homens, evitando crianças para sempre assustadas (o meu pai matou um homem à minha frente, um homem matou o meu pai, etc.). Mais tarde, Vanda levou Fábio ao hospital. Mas como ela explicou (ver crónica da semana passada), as coisas já não andavam bem com “a outra pessoa”, e pouco depois acabaram. Foi uma pedrada esclarecedora para Fábio: era ele “a outra pessoa”.
– Passou-se mais alguma coisa com ele?
– Ouvi uma gravação no telemóvel da dona Vanda. A maneira como falou, as palavras que dizia, não eram palavras bonitas. Eram ameaçadoras à dona Vanda.
Dona Vanda. É assim que Fábio lhe chama agora. Numa ocasião anterior, pareceu-lhe que o homem lhe tinha acertado na cabeça por trás, na paragem do autocarro. Murro não foi. Curiosamente, é como as descrições que Vanda faz dos golpes do ex-marido: “Não sei se é chapada, se um toque… não fica branca, fica um vermelhinho. Como sou muito branquinha, fica vermelhinho.”
– O senhor foi um bocadinho apanhado no meio…
– Eu não cheguei realmente a perceber como é que as coisas terminaram entre eles, ou não. Não cheguei a perceber. Aquilo parecia vingança. Não cheguei a perceber se eles acabaram a bem.
– Mas sabe quando é que eles terminaram a relação?
– Ó, doutora, eu saber ao certo…! Relações de tanto tempo e quando metem crianças… normalmente não terminam bem.
Agora Fábio falava com estranha sabedoria. Ou leu psicólogos ou viu muito por aí.
– Há casamentos e relacionamentos de mais de trinta anos que terminam bem, disse a procuradora.
– Sotora, pessoas normais com comportamentos normais não chegam a esse tipo de atitudes.
Uma situação que Fábio descreveu como “uma autêntica caça”.
– Mas qual era o problema que ele tinha consigo?
– Portanto… vingança, vamos lá ver. Eu estava com a pessoa que supostamente seria a pessoa… era a pessoa com quem teve uma relação que teve dois filhos. Talvez ainda houvesse algum sentimento. Eu como homem também não gostaria que a minha companheira começasse um relacionamento com outra pessoa. Agora, não chegava a esse ponto, né?
Ficamos mais descansados, né? Ou não, né? Na porta, Fábio perguntou-me como sair dali. Fui com ele até perto do elevador. Passámos pela Vanda, com a sua cara branquinha, às vezes vermelhinha. Ele sorriu para dentro, ela virou as costas e fixou os olhos num prédio, depois na ponte e no rio ao fundo.
(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)