A abundância dificulta a decisão na hora da escolha. É necessário gerir expectativas, insatisfação. Não há opções perfeitas. Todas envolvem compromissos.
Uma criança entra numa loja de brinquedos, arregala os olhos, quer levar tudo para casa. Uma mulher e um homem entram numa loja de roupa, há tantas peças que lhes enchem as medidas, não sabem o que fazer. Um pai está na fila da caixa do supermercado, a filha repara que faltam os cereais do pequeno-almoço. O homem volta atrás, entra no corredor dos cereais, as possibilidades são tantas que fica bloqueado. Quando a oferta é muita, o cérebro fica confuso.
“O excesso de oferta e a abundância podem fazer espoletar estados de ansiedade e angústia mais ou menos intensos, originados pela dificuldade em escolher e decidir”, adianta Margarida Vieitez, especialista em relações e mediação familiar, pós-graduada em Saúde Mental. Essa dificuldade de escolha gera um turbilhão de emoções de que muitas pessoas não têm sequer consciência. Não conseguem identificar, questionar, pensar, criticar. “Escolher não pode significar exaustão, mas serena ponderação.”
Quando as prioridades não estão bem definidas, e com o constante bombardeamento publicitário, as dúvidas instalam-se. “É natural que se gere um estado de confusão, dúvida e ambivalência igualmente gerador de um profundo desgaste psicológico.” O segredo, sustenta Margarida Vieitez, está em como é percecionada a oferta. “Vivemos numa sociedade de consumo mas em que ainda temos, felizmente, algum livre-arbítrio para escolher e decidir o queremos e o que não queremos. É usá-lo. Tomar consciência”, aconselha.
Ana Pinheiro, psicóloga clínica, reconhece que gerir o estado emocional perante a imensidão da oferta é um grande desafio. “Esse desafio irá distinguir-se de pessoa para pessoa pois depende de características intrínsecas ao indivíduo.” Não conseguir tomar uma decisão pode gerar sofrimento. “Nestas situações, a gestão emocional é fundamental para que o indivíduo consiga analisar as opções disponíveis e fazer a sua escolha”, afirma.
O aumento da oferta em praticamente todos os bens de consumo não pára, o que contribui para a dificuldade de escolha. Ana Pinheiro lembra, porém, que “os humanos têm características individuais e distintas e que, por tal, a dificuldade na tomada de decisão poderá não ser tão evidente noutras pessoas”. O que as distingue? “Os processos cognitivos, a esfera da complexidade cerebral do ser humano.” Processos que se constroem ao longo de toda a vida, mas sobretudo na infância. “Por isso, a importância de desenvolver a autonomia, responsabilização, tomada de decisão, resolução de problemas desde tenra idade.”
Uma criança, perante a escolha de um brinquedo ou de um jogo, confrontada com uma imensidão de possibilidades, pode sentir-se indecisa. É normal. As áreas cognitivas estão em desenvolvimento. “Terá de ser um adulto a orientá-la e ajudá-la a selecionar perante as opções disponíveis. Os adultos, figuras de referência, devem ajudar na promoção e desenvolvimento desta área tão importante: a nossa capacidade de tomar decisões”, sublinha Ana Pinheiro.
Paralisia, insatisfação
Um Estado de Direito prevê a liberdade individual de fazer escolhas que permitam maximizar o bem-estar e a qualidade de vida. A teoria económica aborda o assunto e lembra que a liberdade de escolha é maximizada pela oferta de tantas alternativas quanto possível. E a investigação em psicologia e economia comportamental, que analisa a forma como as pessoas tomam decisões e dão significado ao mundo em que vivem, identificou um aspeto importante: o paradoxo da escolha. “Ou seja, quando a oferta é muita vai não só dificultar a escolha dos consumidores, levando à paralisia do comportamento de decisão, como leva à insatisfação com as escolhas feitas”, explica Mário Ferreira, doutor em Psicologia Social, mestre em Psicologia Cognitiva, professor na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, onde também é investigador no Centro de Investigação em Ciências Psicológicas.
A qualidade das decisões não é avaliada de acordo com uma métrica absoluta, mas por confronto com as alternativas que poderiam ter sido tomadas. Os economistas chamam-lhe custos de oportunidade. Cada escolha é comparada com as alternativas e um elevado número de alternativas complica. Por várias razões: sobrecarrega o processo de escolha, cria preocupações porque é sempre possível imaginar uma opção melhor, cria expectativas irrealistas. “Em termos emocionais este estado de coisas causa mal-estar psicológico, promove o arrependimento e aumenta os sentimentos de culpa.”
Quanto mais opções, maior a perceção desses custos. “Quando há muita escolha, a possibilidade de arrependimento antecipado cresce, o que leva à paralisia ou bloqueio do comportamento de escolha, e a satisfação resultante de qualquer escolha que eventualmente se faça é reduzida, mesmo quando são feitas boas escolhas”, observa o professor de Psicologia.
A criação de expectativas é outro fator. Com uma ou poucas opções, as hipóteses são menores do que perante muitas alternativas. “A ideia é que a enorme diversidade de oferta sinaliza que uma das opções deve ser a ‘escolha perfeita’, o que cria expectativas irrealistas”, refere Mário Ferreira, que coordenou o desenvolvimento de duas apps, uma sobre decisões financeiras, outra sobre saúde financeira, para evitar o sobre-endividamento das famílias.
“Podemos dizer que ter algumas alternativas é melhor do que zero, mas um excesso de alternativas é, de um ponto de vista do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, substancialmente pior.” Não há um número adequado para as alternativas. Sabe-se, porém, que a sociedade de consumo disponibiliza ofertas muito acima do que é necessário. O que não facilita a vida aos consumidores.
Como facilitar o processo de decisão
- Fazer uma lista com três a cinco opções e ir reduzindo depois de estabelecer novos critérios a cada etapa.
- Evitar exposição a todo o tipo de publicidade. Poupar energia mental.
- Definir prioridades, do mais ao menos importante.
- Estabelecer um orçamento.
- Definir um timing para a escolha.
- Recorrer a uma segunda opinião.
- Acreditar que a escolha feita, no momento em que é tomada, é a mais acertada e adequada, de forma a evitar sentimentos de insegurança e arrependimento.