Ljubomir Stanisic: o temperamental

Tem poucas dúvidas e nunca se arrepende do que faz. Todos destacam a imensa criatividade, o caráter forte, a liderança na cozinha. Sempre genuíno ou personagem mediática - as opiniões dividem-se.

Dia 8, feriado, em Melides. O dia alentejano do pescador começa cedo. E bem. À semelhança da caça – outra paixão -, são horas de relaxe e fruição, com resultados que quase sempre se veem. Desta vez, dois robalos, um deles acima dos dois quilos. Está o jantar destinado.

Ao telefone, a voz é calma, amigável, empática. Muito distante do tom rude, imperativo que marca a prestação mediática da estrela de “Pesadelo na Cozinha” e um dos rostos do movimento reivindicativo “Sobreviver a Pão e Água”, que o levaria a uma greve de fome.

Vítor Sobral conhece-o bem. Deu-lhe emprego na Cervejaria Lusitana, já lá vão 20 anos. “O Ljubomir que eu conheço não é esta figura mediática. É energético, opinativo, frontal, mas não é esta personagem, da qual não gosto.” Porém, para o reconhecido cozinheiro, “grande parte da culpa é de quem lhe bate palmas”. O chef Hugo Nascimento discorda. “O Ljubomir é sempre genuíno. Quando é afável ou quando mostra alguma rudeza.” Vê no amigo, “no irmão”, o recordista de audiências “capaz de lidar com a exposição”. Sá Pessoa não desmente. “Ljubomir gosta de dar nas vistas, é inegável, e nunca será consensual.” Pouco dado a holofotes, Sá Pessoa é dos que não encontram vantagens na escolha de uma forma de luta própria de resistentes desesperados, sem acesso a outra arma. “Mas a causa, essa, é justa”, vinca. Na verdade, Ljubomir é o primeiro a saber que nenhum português temeu pela vida dele. No entanto, “importa que foi bem-sucedido, conseguindo desbloquear a situação”, vai dizendo Hugo Nascimento.

“Não me arrependo, voltaria a fazer o mesmo”, assume o próprio. De resto, como sempre. Pouco dado a dúvidas – “algumas, mas não muitas” – pouco lhe interessa o que possam os outros pensar dele. A tática é simples: “Traço um objetivo e vou a direito”. Define-se “muito persistente e apaixonado, muito sensível no amor, bastante duro no trabalho”. Vítor Sobral acrescenta “a irreverência e saber ser amigo do seu amigo”. Hugo Nascimento escolhe três palavras: “Verdadeiro, temperamental, guerreiro”. Temperamental como quando agrediu Marc Le Ouedec, seu superior na Fortaleza do Guincho, em resposta a uma atitude racista (DN, 2016). Guerreiro, como em 2008, o ano em que se viu obrigado a recomeçar, depois da falência de um primeiro negócio.

“Perfecionista”, realça Telmo Roque. O artesão do Fundão é a melhor testemunha do que afirma. Saem das suas mãos as facas que Stanisic usa todos os dias. Diz do cliente: “É afável, muito trabalhador. Não pára um bocadinho”. Todos lhe reconhecem “a imensa criatividade, o caráter forte, a liderança na cozinha”. Lugar de palavrões. “Quando diz palavrões é o lado português dele a falar. Mas não é mal-educado”, lembra Hugo Nascimento.

Ljubomir Stanisic chegou a Portugal fugido do conflito nos Balcãs. Da infância recorda os jogos de basquetebol, as montanhas, o esqui. A guerra. As bombas e os tiros que por vezes ainda o acordam durante a noite. Em Portugal, encontrou o caminho. Corrige: “Acho que foi a cozinha que me encontrou. Não nasci para a cozinha como muitos”. Terça-feira, feriado. “Este mês foi muito complicado. Cansou-me. Estou ansioso para voltar para a minha cozinha e para os meus cozinhados.” Mundo que exige mão firme mas ponderada. O destempero pode ser fatal.

Ljubomir Stanisic
Cargo:
chef de cozinha e um dos rostos do movimento “Sobreviver a Pão e Água”
Nascimento: 08/06/1978 (42 anos)
Nacionalidade: bósnia e portuguesa