No inverno, os ferros das tendas, de tão frios, queimam. Quando chove, o corpo seca a roupa. Uma profissão dura que assumiu com honra. Gosta de Saramago, do F. C. Porto e é de poucos sorrisos.
Ainda tentou a sorte numa oficina de automóveis. Tinha 16 anos o então aprendiz de mecânico e queria fugir ao destino familiar. “Mas não”, não estava talhado para aquilo. “As tendas e os mercados estão no meu ADN.” Recorda-o a mãe a enfrentar madrugadas gélidas de jiga à cabeça, a caminho de terras de Lourosa e de Santa Maria da Feira. “Vendia as poucas coisas que nos sobravam da lavoura”, a pensar na família, três raparigas e ele, o mais novo. Quinze horas depois, iria chegar a casa com “um bocadinho de pão maior, um pouco mais de marmelada ou de compota”.
Com o primeiro ciclo completo e a oficina posta de lado, Joaquim passou a acompanhar os pais. “Assumi com honra uma vida dura.” Com despesas – a taxa do terrado, a alimentação, os amigos do alheio. “Quantas vezes se regressa a casa com menos do que se levou”, diz. Para o filho quis melhor. Licenciado em Marketing e Publicidade, Rui Miguel conhece, no entanto, as dores do ofício. “Passava as minhas férias nas feiras. No inverno, os ferros das tendas, de tão frios, queimavam-me as mãos. Quando chovia, secava a roupa no corpo. Era doloroso.” Ao pai – que lhe bateu uma única “e merecida” vez – deve todo o respeito. “Só gostava que sorrisse mais. É muito recatado, tem alguma dificuldade em demonstrar afetos.” Quando, há uns dias, o Governo recuou no encerramento das feiras, aí, sim, viu ao pai um sorriso rasgado.
“Esta atividade é a minha alma”, resume Joaquim Santos. “Olho para a cara dos clientes e não para a cor da carteira.” Por vezes, é confidente. “Até de assuntos privados.” As feiras, “profissão secular”, são, define, “espaços de respeito”. “Por exemplo, nunca tivemos problemas com os ciganos. Porquê? Porque nos respeitamos uns aos outros.”
O interesse pela intervenção pública é antigo. Antes de presidir à Federação liderou a Associação de Feirantes do Porto, Douro e Minho. Com tempo para integrar o executivo da Junta de Freguesia de Fiães (PSD). “O meu pai gosta do trabalho em prol dos outros”, realça o filho. Por isso, perante certas atitudes, reage com alguma revolta e tristeza. “Dos 365 dias do ano, já ficava satisfeito se os políticos pensassem em nós apenas alguns minutos. Isto não vai lá com romarias eleitorais.”
Joaquim Santos vende vestuário. O amigo Joaquim Silva, calçado. Conheceram-se na Feira de Espinho “há muitos anos”, amizade firmada no amor pelo F. C. Porto. “É uma pessoa simples, um colega de trabalho excelente, um presidente que se preocupa com todos os feirantes.” Silva não poupa nos elogios: “Tem sido incansável e merecia mais apoio dos colegas. Temos de estar mais unidos e nem sempre estamos, mas nem isso lhe tira o ânimo”. Não fosse o Governo recuar “e já estava em Lisboa, nem duvide”. Não chegou a ser necessário. “É muito assertivo. Lutou e conseguiu.” Para Joaquim Silva, o amigo foi um herói. “Um homem afável, dialogante e aberto à colaboração institucional”, frisa João Torres. O secretário de Estado do Comércio afirma-se testemunha da “grande firmeza e perseverança” com que o presidente da Federação “expõe o valor económico, social e cultural da atividade dos feirantes”.
Incentivado pelos estudos do filho, Joaquim acabaria por completar o 9.º ano. Ainda se inscreveu no 12.º ano, mas as andanças associativas falaram mais alto. A escola tardia deu-lhe novos gostos. “Passa muito tempo no computador, em pesquisas”, revela o filho. E em leituras: “Gosta muito de José Saramago”. A família é um dos orgulhos do dirigente. “Os meus pais são um exemplo de amor, sendo que estão juntos 24 sobre 24 horas.” Conheceram-se na Feira de Espinho. “Sempre que passávamos um pelo outro trocávamos olhares.” Ela tinha 18, ele 19. Casaram um ano depois. Há 33. O noivo revela o segredo: “Se remarmos só com um remo, o barco anda às voltas. Se remarmos com dois, vai em frente”.
Joaquim Ferreira dos Santos
Cargo: presidente da Federação Nacional das Associações de Feirantes
Nascimento: 16/08/1966 (54 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Fiães, Santa Maria da Feira)