João Gonçalo Fonseca: o viajante paciente

João Gonçalo Fonseca, lisboeta a viver em Estremoz, tem o bichinho das viagens no corpo. E já “contagiou” a mulher, Valérie, e os filhos, Yacha e Sinai

Tinha 16 anos e foi de bicicleta de Lisboa ao Algarve. Foi viajando pela Europa à boleia, saía de Portugal com 500 escudos e umas latas de sardinha nos três meses das férias de verão. Antes do 10.º ano já tinha vindimas francesas no currículo. Tirou o curso de Matemáticas Aplicadas, foi professor e programador. Conheceu a jovem suíça Valérie na Turquia, numa das viagens, antes da década de 1980 terminar. Casaram-se. Antes, percorreram África durante dois anos, de 1988 a 1990. Ainda não havia Internet, levaram a fotocópia de um mapa. Em 1996, partiram da Suíça em direção à China de bicicleta, estiveram quatro anos na Ásia, 40 mil quilómetros nos pés, e depois escreveram o livro “Pedalar devagar”.

João Gonçalo Fonseca, 54 anos, de Lisboa a viver em Estremoz, tem o bichinho das viagens no corpo. “As viagens abrem o espírito, dão um conhecimento do Mundo, permitem conhecer melhor a nossa casa, o nosso mundo”, conta. Não é ciclista, mas a bicicleta sempre lhe pareceu um bom meio de transporte, económico e ecológico.

“E permite o contacto com as pessoas que não estão em lugares turísticos, vê-se muito mais de um país”, explica. Há 20 anos, já se movia em duas rodas pela capital portuguesa. Viveu vários anos em Zurique com Valérie, eram para ficar três meses, ficaram dez anos. Trabalhou num restaurante, numa oficina de bicicletas, num centro de logística dos veículos a pedais, experimentou o teatro amador na Suíça, o gosto e a vontade entranharam-se, continua a dar uma perninha como ator em Estremoz.

Dois filhos pequenos e mais um plano de viagem, desta vez a quatro, em 2014. João, Valérie, Yacha e Sinai, dois fogões, 100 quilos de bagagem, um portátil, quatro bicicletas, e 22 meses pela América do Sul. Yacha tinha então dez anos, gosto por banda desenhada e por desenhar. Sinai, com oito anos na altura, demorou a despedir-se da coleção de peluches. “Passámos dois meses no meio da selva, ajudámos a construir um barco para descermos o rio Napo, foi uma escola de vida”, recorda João Gonçalo Fonseca.

Criaram, a oito mãos e oito pernas, o blogue “Pedalar devagar: Uma família a viajar em bicicleta” para partilha de aventuras. Tiveram sol na Amazónia, visitaram um museu das tribos da região, dormiram numa ilha de areia. No Equador, ficaram dois dias na paróquia de uma igreja até mudarem de clima para as florestas tropicais. Na Bolívia, lamas e vicunhas de olhos curiosos, estradas de terra e uma espera de três semanas para pedalar no maior deserto de sal do Mundo, no Salar de Uyuni, o lago pré-histórico que secou. Pedalaram 70 quilómetros “em cima do céu”.

Com milhares de quilómetros nos pés e tantas paisagens no olhar, tornou-se líder de viagens à Índia, ao Vietname e ao Peru na agência Landescape. “Tenho prazer em mostrar os países de outra maneira, chegar a sítios que naturalmente as outras pessoas não chegam, proporcionar experiências diferentes.” Sem pressas. As viagens são, para João, como um balão de oxigénio. Quando esvazia é preciso voltar a enchê-lo.