Jamie Cullum: “Não fiz este álbum para agora mas para os próximos 50 anos”

Está aí o novo trabalho de Jamie Cullum. Um resultado diferente, inteiramente dedicado ao Natal, com canções de época produzidas durante o período de confinamento em circunstâncias muito especiais. Um disco à antiga, clássico, para que, como diz o cantor britânico, se possa ouvir daqui a décadas e continue a soar intemporal.

O britânico Jamie Cullum, 41 anos e nove álbuns de originais depois, lançou um disco totalmente composto por músicas de Natal. “The Pianoman At Christmas” integra dez canções e foi gravado em apenas cinco dias nos míticos estúdios de Abbey Road, em Londres (Reino Unido). Diferente a todos os níveis, das letras aos arranjos, da produção à sonoridade, contou com produção de Greg Wells, o mesmo por detrás de nomes como Adele ou Dua Lipa, e com a participação de 57 músicos. Um desejo antigo antecipado no tempo por causa da pandemia. Mais tempo em casa, mais tempo livre, mais ideias a florescer e assim surgiu na prática um trabalho que estava pensado para o próximo ano. Em entrevista à “Notícias Magazine”, via Zoom, a partir do estúdio de casa, foi um Jamie Cullum visivelmente entusiasmado com o resultado final do novo trabalho que deu ritmo a uma conversa onde não se furtou a nada. Falou do amor à mulher, a antiga modelo e agora escritora Sophie Dahl, com quem é casado há dez anos, e às duas filhas, as pequenas Lyra (nove anos) e Margot (sete), do fascínio que as memórias dos natais felizes da infância lhe trazem, da paixão pelas músicas da época, do delírio pelo ambiente festivo da quadra. E não esqueceu Portugal, com quem diz viver uma assumida relação especial e onde espera regressar em breve, assim a pandemia desapareça. Também falou dos novos tempos que poderão advir da eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, do desalento que sente ao aperceber-se da degradação do nível de discussão nas redes sociais, da falta que lhe faz atuar ao vivo. E do desejo de o novo álbum perdurar no tempo como um clássico.

Gravar um álbum inteiramente composto por músicas de Natal era algo que estava nos planos ou ganhou relevo devido aos tempos conturbados que vivemos devido à pandemia de covid-19?
Bom, já pensava gravar um álbum do género há algum tempo, para dizer a verdade. Sobretudo desde o ano passado, quando a ideia começou a agitar-me e não me saía da cabeça. Comecei a levar canções de Natal a sério e decidi que queria mesmo fazer isto.

Houve alguma motivação em particular?
Recuei ao tempo dos discos natalícios que escutava em família durante a infância, que adorava e me marcaram bastante. De Ray Charles, de Nat King Cole, de James Brown e de outros tantos. Apercebi-me da beleza das canções e imaginei como seria cantá-las, daquilo que me transmitiam e quão especiais eram para mim. E decidi que queria fazer um álbum na perspetiva de algo clássico que soasse a antigo. Com alguma contemporaneidade, mas sem perder a essência do passado. Adoro a ideia de um álbum que as pessoas guardem como peça de coleção.

Quanto tempo demorou até entrar em estúdio?
Na verdade, não era suposto gravar este ano porque estava previsto que passasse o ano de 2020 em digressão. Talvez pudesse ser possível apenas em 2021, nunca pensei que fosse agora. Mas, com a pandemia e com o confinamento, passei muito tempo em casa, tive imenso tempo livre e a mente limpa. Comecei a imaginar “porque não?”, trabalhei as canções, os arranjos. E acabou por acontecer! Noventa por cento das canções foram compostas entre março e maio, e em junho já estávamos em estúdio a gravar. Nessa altura, já sabia exatamente o que queria do disco.

As limitações provocadas pela pandemia tiveram influência durante as gravações?
Sim, tivemos que trabalhar completamente separados por ecrãs de proteção. Não foi o ideal, mas lá nos arranjámos (risos) e tudo resultou bem.

“A minha relação com Portugal é como que um caso de amor”, reconhece Jamie Cullum
(Foto: DR)

Quais foram as bases para “The Pianoman At Christmas”? O que não podia faltar?
Queria realmente algo diferente. Algo que ficasse, que marcasse os outros como me marcaram todos os discos de Natal que ouvi e que tão bem feitos foram. Além disso, pretendi algo que soasse, lá está, como há pouco referi, a algo do passado, algo que perdurasse no tempo. Acho que fazia falta um disco de Natal assim, diferente. Velho, mas contemporâneo.

Uma marca mais clássica…
Clássica, isso mesmo. Adoro essa ideia de tudo o que é clássico e que depois perdura no tempo. Que soe contemporâneo, também, sim, mas sempre com aquele toque do passado. Algo que fica para lá deste tempo.

Este disco é, também, uma mensagem de esperança?
Aproveitar algo de bom nesta altura é sempre uma mensagem de esperança. Não foi esse o intuito inicial. Quando gravava não pensava nisso, no que viria a seguir, pensava até que no Natal já estaria tudo melhor em relação aos efeitos da pandemia. Vamos todos sair disto, isso é certo. Com dificuldades, claro. Mas a verdade é que eu não fiz este álbum para agora mas para os próximos 50 anos.

Cinquenta anos?!
Para os próximos 50 anos ou até mais! Quis um álbum que ficasse no tempo. A minha esperança é que no futuro as pessoas, quando estiverem a celebrar o Natal e todos os rituais da época, pensem neste álbum como parte do que adoram fazer durante a quadra e que lhes possa deixar memórias felizes.

Algo intemporal, portanto…
Exato, por isso também as canções foram gravadas de forma muito tradicional, uma espécie de regresso ao modo mais clássico, como os discos antigamente eram gravados, com todos os instrumentos ao mesmo tempo, nada em separado. Acho que quem ouvir consegue perceber isso. Acho que isso se nota e espero que passe para o público, porque realmente o ambiente e o prazer com que gravei foi muito especial. Quero que as canções sejam escutadas num ambiente familiar e de alegria.

Se “The Pianoman At Christmas” tivesse dedicatória, a quem seria dedicado?
À minha mulher e às minhas duas filhas, sem dúvida alguma. Sempre estiveram ao meu lado, sempre me apoiaram. São o meu Mundo. Para mais, o álbum foi pensado e preparado durante o período de confinamento. Por isso, elas puderam acompanhar tudo ainda mais de perto. Estiveram muito presentes durante todo o processo, o que foi excelente para mim e o tornou ainda mais especial, mais romântico e menos mecânico. Gosto dessa ideia de romantismo associado ao Natal, aliás a capa do disco é uma fotografia minha e da minha mulher.

(Foto: DR)

Tem uma legião de fãs em Portugal. Já sabe quando voltará?
A minha relação com Portugal é realmente muito especial, como que um caso de amor com o país. Estive aí várias vezes, este ano senti falta de não poder atuar aí. Tenho sempre muito presente a relação excelente que tenho com os portugueses. Nas minhas redes sociais, aliás, são os meus maiores fãs em termos de número, é espantoso. Espero voltar a vê-los muito em breve porque realmente tenho muitas saudades.

Do que sentiu mais falta durante o confinamento?
De certa forma posso sentir-me sortudo por ter estado, e ainda estar, em confinamento. Permitiu-me passar muito mais tempo com as pessoas que amo, a minha mulher e as minhas filhas. Claro que senti falta de outras coisas importantes da minha vida e a música foi claramente uma delas, mas o confinamento permitiu-me perceber realmente o quão sortudo sou por ter uma família tão fantástica.

E do palco deu para sentir saudades?
Espero voltar aos concertos em breve, tenho alguns agendados para o próximo ano. Sinto falta da ligação direta e próxima com o público. E de ir a concertos também, é curioso.

Joe Biden foi recentemente eleito presidente dos Estados Unidos. Estamos perante uma nova era?
As eleições americanas mostraram, essencialmente, que os Estados Unidos continuam muito divididos, muito polarizados. É uma questão muito complicada. Estou mais perto daquilo que Biden defende, mas seria estúpido ignorar que há uma metade do país que concorda com as ideias de Trump. A verdade é que muitas pessoas viram em Joe Biden uma oportunidade de mudança, até em contraponto à personalidade de Donald Trump, acho que foi mais por aí. A eleição de Biden deixou-me feliz e foi muito importante. Mas há outra questão…

(Foto: DR)

Qual?
A eleição foi acesa, com discussões quentes de parte a parte. Aliás, atualmente as discussões são muito redutoras, estão num ponto em que quem não concorda contigo é logo catalogado como inimigo. Isso vê-se muito nas redes sociais. Não deveríamos ver as coisas descerem a esse nível. Temos que assumir que a outra parte tem também algo a dizer e que pode ser válido.

O seu novo álbum pode ajudar a reunir quem está desavindo, mesmo do ponto de vista político?
Não, não… Definitivamente não. As canções de Natal são uma forma lindíssima de juntar as pessoas pelo próprio ambiente da época, independentemente do resto. Estar em modo de Natal é o mais importante, as pessoas adoram. Todo o ambiente da época é especial, a árvore, as decorações… E isso acaba por unir as pessoas durante essa altura do ano, é fantástico.