Iguarias da Páscoa feitas no sabor do lar

Pão de ló, cabrito assado no forno e amêndoas torradas fazem parte de muitas mesas portuguesas no domingo de Páscoa

A Páscoa puxa para os doces, já se sabe. Os encontros de família podem estar suspensos, por força das circunstâncias, mas não é razão para mesa vazia. Até as amêndoas podem ser feitas em casa. São 400 gramas (g) de miolo de amêndoa sem pele que vão a torrar no forno a 200 graus (°C) durante cinco minutos. Numa frigideira larga, 200 g de açúcar em pó, casca de limão ralada, 0,5 decilitros (dl) de água. Mexer em lume brando até derreter, juntar as amêndoas até estarem cobertas. Colocar as amêndoas em cima de uma pedra mármore pincelada com óleo de amendoim. Separar as amêndoas com um garfo e deixar arrefecer. Não é muito complicado, não há desculpa.

Em Bragança, os irmãos Geadas, estrela Michelin, respeitam o folar e o pão preto na Páscoa. Está-lhes no sangue. O chef Óscar Gonçalves partilha a receita do folar de Vinhais que observava a avó fazer e que agora replica. Um quilo (kg) de farinha, 12 ovos inteiros, 200 g de manteiga, 2 dl de azeite, 25 g de fermento de padeiro, 200 g de presunto, 200 g de chouriça, 200 g de salpicão, 150 g de barriga de porco. Num tacho, a farinha, os ovos, a manteiga, o fermento diluído num pouco de água. Amassar tudo com as mãos até ficar uma massa com uma consistência elástica. Deixar repousar uma hora a hora e meia para levedar.

Os irmãos Geadas, estrela Michelin, respeitam o folar e o pão preto na Páscoa
(Foto: Rui Ferreira/Global Imagens)

Tirar a massa do tacho e envolver todas as carnes, formar uma bola, colocar numa forma-tacho untada com um pouco de banha de porco. Mais uma hora em repouso para um segundo momento de levedação. Forno preaquecido a 200 °C, sem ventilação, folar a cozer durante uma hora. Tirar, deixar arrefecer, saborear.

O pão preto é também uma iguaria pascal em Vinhais e, dica de chef, pode ser cozinhado nos intervalos da levedura do folar, aproveitando o forno quente. São 500 g de farinha tipo 55 (das mais finas), seis ovos, 500 g de açúcar mascavado, meio litro de leite, 25 dl de aguardente, 250 g de manteiga, 25 g de bicarbonato de sódio, 25 g de fermento Royal, canela a gosto. Em primeiro lugar, juntar os sólidos e mexer bem. De seguida, adicionar a manteiga, o leite, os ovos, a aguardente. Mexer bem e levar a cozer em tabuleiro no forno preaquecido a 180 °C durante 30 minutos. Iguarias na memória e no paladar. “Têm a ver com a tradição de correr o folar nas aldeias desta zona”, adianta Óscar Gonçalves. Os jovens, de casa em casa, de porta em porta, petiscam e agradecem o que as famílias oferecem, comida e bebida, no dia de Páscoa.

Tradições e raízes

Na Páscoa, a chef Justa Nobre faz cabrito assado à transmontana, onde estão as suas raízes, com a receita da mãe e ditado do pai. “Leitão de mês, cabrito de três, moço de 18, rapaz de 23.” O cabrito deve ter três meses, portanto. A bola de sebo, o bedum, tem de ser retirada antes de tratar do animal como deve ser para temperar apenas na véspera, não mais tempo do que isso. Cortado em quatro, com golpes nas pernas de trás, nas da frente também, e ainda nos ossos. Sal, alho, louro, um bom cálice de vinho do Porto, sumo de laranja, azeite. Quanto a ervas aromáticas, tomilho e salsa, que podem ser colocados como uma cama no tabuleiro para assar com batatas e cebolas. Golpes virados para cima, fio de azeite na carne, forno ligado a 160 °C. O tempo depende do tamanho, mas hora e meia para assar é uma boa média, virando-se o cabrito a meio desse período. “Não é muito complicado”, garante Justa Nobre.


A chef Justa Nobre faz cabrito assado à transmontana. A receita é da mãe
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

A chef Marlene Vieira também é fiel às raízes nortenhas, de Braga, às receitas da mãe na época pascal. O pão de ló da sua terra faz parte da tradição. Oito ovos, seis gemas, 250 g de açúcar e 150 g de farinha bastam para um bolo que dará para 12 pessoas. Forno preaquecido a 250 °C, batem-se os ovos, as gemas e o açúcar na batedeira pelo menos 20 minutos. Envolve-se a farinha peneirada nas gemas batidas com muito cuidado, a mão pode ajudar. Forrar uma forma de barro própria para pão de ló com papel-manteiga, com duas ou mais folhas de maneira enviusada para que fiquem com as pontas viradas para fora. Encher a forma com o preparado e tapar com outra igual de barro. Cinquenta minutos no forno até sair palito seco. Servir morno ou frio.

Marlene Vieira divide-se entre o pão de ló e o bolo húmido de ananás (Foto: Carlos Manuel Martins/Global Imagens)

Para Marlene Vieira, Páscoa é família e doces feitos pela mãe. O bolo húmido de ananás não pode faltar à mesa. São oito rodelas de ananás descaroçadas, 150 g de açúcar, 50 mais 100 mililitros (ml) de água, uma colher de sopa de manteiga, 250 g de manteiga, 300 g de açúcar, seis ovos, 170 g de farinha, uma colher de café de fermento em pó, 100 ml de sumo de ananás. Forno preaquecido a 180 °C. Descascar o ananás, retirar o caroço, cortá-lo em rodelas com um centímetro de espessura. Caroço e cascas com 100 ml de água triturados na liquidificadora. Passar o sumo por um coador e reservar. Açúcar com 50 ml de água ao lume até atingir o ponto de caramelo. Forrar uma forma redonda de bolo com esse caramelo e pedaços de manteiga por cima. Logo de seguida, as fatias de ananás na forma bem encostadas, mas não sobrepostas, atenção. A forma tem de estar totalmente preenchida até ao centro. Entretanto, junta-se a manteiga e o açúcar e bate-se até ficar homogéneo, adicionar os ovos um a um, sempre a bater na velocidade média. Misturados os ovos, parar a batedeira e envolver a farinha e o fermento. Enche-se a forma com essa massa e vai ao forno durante 50 minutos. Retira-se, mas ainda na forma, quando estiver morno, um banho de sumo de ananás. Deixar arrefecer o bolo antes de desenformar. E depois? Depois é saborear as iguarias pascais que trazem tão boas memórias e fazem sentir a família bem perto.