Helena controlou a psoríase e já não usa base para disfarçar as lesões

Helena Guia tem 30 anos e é consultora de comunicação (Foto: DR)

Helena Guia, 30 anos, deixou de ir à praia, a sítios públicos, de usar saias e vestidos. Acreditou numa terapêutica eficaz e hoje fala da doença com a esperança de diminuir o preconceito. Hoje é Dia Mundial da Psoríase.

Helena Guia tinha 13 anos quando a doença começou a dar os primeiros sinais. A única avó ainda viva tinha morrido e o impacto emocional foi muito forte. Primeiro, no couro cabeludo, depois nos joelhos e nos cotovelos, consultas em dermatologistas em clínicas privadas e públicas, diagnósticos de seborreia e eczemas, prescrições de cremes, pomadas, loções, champôs. “Recordo-me que, enquanto adolescente, as pomadas e loções que aplicava em casa com a ajuda da minha mãe me eram bastante agressivas na pele, mas sempre acreditei que seria o melhor para mim”, conta.

Aos 18 anos, mais uma consulta de dermatologista e o diagnóstico de psoríase. Tinha 80% do seu corpo com lesões. “É uma altura muito melindrosa dar de caras com uma doença para a qual não há cura.” Foi duro encarar a realidade, uma jornada difícil. “Não ia a sítios com muita gente, não ia à praia, passava base nas pernas para camuflar as lesões e vestir saias e vestidos”, recorda. Tinha dores nos joelhos e, por vezes, as crostas das lesões faziam sangue que tentava disfarçar. “Isolava-me da doença, fazia de conta que não estava lá.”

Entrou na universidade, começou a estudar Comunicação Empresarial e Relações Públicas. Nesse tempo, meteu-se em tudo e mais alguma coisa, não queria pensar na doença, tentava contrariar o isolamento. Passou longos períodos com um fármaco oral, teve vários surtos de psoríase. “As lesões não passavam, não sei se o meu corpo não se habituou à medicação.” Queria limpar o corpo e quase desistiu.

A psoríase é uma doença crónica, inflamatória, autoimune e sistémica que se manifesta na pele

Depois de uma longa temporada com medicação oral, as lesões voltaram a manifestar-se, até que o seu atual dermatologista introduziu a terapêutica injetável. “A minha qualidade de vida melhorou exponencialmente. As lesões desapareceram e com elas as dores e a comichão”, refere. “Já não precisei de optar por peças de roupa que escondessem as lesões, pude voltar a usar camisas brancas sem o risco de ficarem com manchas de sangue das feridas, pude frequentar a praia e sítios públicos sem me sentir observada.”

Helena Guia tem 30 anos, é consultora de comunicação. Natural de Torres Novas, mora em Lisboa. Fala abertamente da psoríase, da sua doença. “Sendo esta uma doença que afeta o nosso maior órgão, a exposição é inevitável apesar dos enormes e constantes esforços de camuflar as lesões de alguma forma. É desafiante e a capacidade de resiliência e fé são colocadas à prova.” O preconceito ainda existe. Ouviu comentários e olhares depreciativos tantas vezes. E tantas vezes explicou que a doença não é contagiosa. Aconselha a procurar ajuda, até porque há outras doenças que se manifestam com a psoríase que nada tem a ver com uma má higiene.

A doença pode surgir em qualquer idade, afeta 1 a 3% da população mundial e mais de 200 mil portugueses

A psoríase é um problema de pele comum que afeta cerca de 2% da população mundial. Começa, com mais frequência, em pessoas com idade entre os 16 e os 22 anos e dos 57 aos 60 anos e, normalmente, evolui por surtos. “Não é infeciosa, não é contagiosa e não deixa cicatrizes na pele”, adianta Nuno Menezes, dermatologista.

A causa da doença ainda é desconhecida, no entanto, há indicações importantes. Sabe-se, por exemplo, “que em doentes com psoríase há alteração da normal diferenciação celular da pele que está acelerada e, portanto, há maior produção de ‘escamas’ que irão ser responsáveis pela cor branca normal das lesões de psoríase”, refere o especialista. Há também inflamação e proliferação dos vasos sanguíneos na pele afetada. E algumas pessoas são mais suscetíveis do que outras, sobretudo se há alguém na família com essa patologia. É, portanto, uma doença com base genética ou hereditária.

No entanto, e dado o caráter multifatorial da doença, normalmente o que a desencadeia é um acontecimento externo. Uma infeção na garganta, o stress ou traumas na pele. Habitualmente a luz solar melhora a psoríase, já o consumo elevado de álcool e o tabagismo agravam-na, bem como medicamentos usados para outras doenças como o lítio, alguns comprimidos para a malária e outros medicamentos como betabloqueadores, normalmente usados na hipertensão.

Quase 50% das pessoas com psoríase estão convictas de que o estigma social associado à doença provoca mais angústia do que os sintomas

“As lesões de psoríase, frequentemente designadas por placas, são cor-de-rosa ou vermelhas e cobertas por escamas brancas prateadas. Podem ter diversas formas e tamanhos e apresentam fronteiras bem definidas com a pele circundante”. “Algumas surgem quando a pele sofre danos, por exemplo como um corte ou um arranhão, e isto é conhecido por fenómeno de Köbner. No couro cabeludo, as escamas amontoam-se pelo que é difícil observar a vermelhidão que está por baixo. Ao contrário, as áreas vermelhas bem definidas são fáceis de ver nas dobras do corpo, como axilas e virilhas, onde pela humidade raramente há escamas”, explica o dermatologista.

A gravidade difere ao longo do tempo e de pessoa para pessoa. Uma ou duas placas é considerada uma psoríase ligeira, um grande número é mais grave. As placas podem assumir diversos padrões na pele. “As placas persistentes tendem a aparecer simetricamente e sobretudo nos joelhos, cotovelos, tronco e couro cabeludo, embora qualquer área possa estar envolvida. Se procuradas com cuidado, podem também encontrar-se frequentemente alterações nas unhas. Estas surgem em até 50% dos doentes com psoríase.” As alterações mais frequentes são unhas com picadas irregulares à superfície, áreas circulares de descoloração sob a unha por vezes com cor salmão, separação entre a unha e o seu leito, e ainda espessamento das unhas.

A psoríase tem bastante impacto no doente e o sofrimento aumenta devido a diagnóstico tardio ou incorreto, falta de acompanhamento médico, tratamento desadequado

Como é que a psoríase pode ser tratada? O tratamento depende do tipo de psoríase e da sua gravidade. “Pode ser realizado com meios físicos (radiação ultravioleta) ou com fármacos quer tópicos, quer sistémicos, quer biológicos. Nos tratamentos tópicos estão cremes, pomadas, pastas e loções, habitualmente em caso de psoríase ligeira. Para localizações especiais podem-se usar ainda champôs ou vernizes específicos. O uso de emolientes é também importante na remoção das escamas, suavização da pele e alívio do prurido.”

A fototerapia, termo que se refere ao tratamento com várias formas de luz ultravioleta por vezes auxiliado pela toma de determinados comprimidos, é benéfica se a psoríase for extensa, se não desaparecer com o tratamento tópico, ou se voltar rapidamente depois de aparentar desaparecer. Pode ser administrada através de máquinas especiais de dois tipos de luz ultravioleta: UVA e UVB.

Nos tratamentos sistémicos, em casos em que a doença é muito extensa ou grave, os doentes podem precisar de tratamento oral. No entanto, todos estes comprimidos distintos apresentam riscos potenciais. Todos os comprimidos requerem análises ao sangue e muitos interferem com outros medicamentos. Segundo Nuno Menezes, os medicamentos biológicos inibem certas substâncias químicas envolvidas no sistema imunológico.

“Estes medicamentos são administrados por injeção e tendem a ser os mais eficazes para o tratamento da psoríase grave, conseguindo por vezes o desaparecimento completo das lesões. Graças a estes fármacos o objetivo atual do tratamento da psoríase deverá ser ter o doente pelo menos 90% melhor após 12 a 16 semanas de tratamento.” “Este facto leva a uma diminuição do estado de inflamação crónica induzido pela doença, o que parece levar a um aumento da esperança de vida destes doentes, além de uma melhoria marcada na qualidade de vida”, conclui o dermatologista.