Grupos de pais nas redes: úteis e fúteis

As aplicações de mensagens instantâneas podem ser uma ajuda preciosa à parentalidade. Uma espécie de reunião em permanência. Mas por vezes transformam-se numa fonte de problemas.

Rui, 60 anos, familiarizou-se há muito com os grupos de WhatsApp. “Aqueles grupos de famílias. Estava habituado a lidar com isso. Não ligava muito.” Entretanto, a filha entrou na Escola Primária em Vila do Conde. Para agilizar assuntos rotineiros, um dos pais sugeriu que se criasse um grupo. Rui alinhou. Como todos os pais, de resto.

A princípio – que é como quem diz, na primeira semana – tudo correu bem. “Acho que não recebemos mais de duas mensagens.” Mas a acalmia haveria de durar pouco. A propósito das aulas de Educação Moral e Religiosa, a questão da formação religiosa dos pais passou a ser tema. “Às tantas o assunto já era catequese e outras coisas mais. Começou toda a gente a disparar sobre tudo. Houve até uma mãe que disse no grupo que não conseguia falar com o marido.” Para Rui, bastou. Ao fim de duas semanas, adeus grupo. “Falei com a encarregada de educação responsável por fazer a ponte entre a professora e os restantes pais e pedi-lhe que me mandasse mensagem sempre que houvesse algo importante.”

“Começou toda a gente a disparar sobre tudo. Houve até uma mãe que disse que não conseguia falar com o marido”
Rui
Encarregado de educação

Entretanto, viu-se noutra experiência com grupos. No conservatório de música que a filha frequenta foram criados três: um do conservatório, um da turma de Educação Musical e um específico para os pais dos meninos que tocam um determinado instrumento. “Neste caso, provavelmente derivado de experiências anteriores, houve logo a indicação de que os grupos serviriam exclusivamente para tratar dos assuntos referidos.” Volta e meia, lá aparece uma mãe a perguntar o que o filho deve levar calçado para a audição. Tudo corre, no geral, de forma pacífica. A análise de Rui é, ainda assim, cuidadosa: “Em aspetos funcionais, estes grupos têm coisas positivas. Mas acho que também há uma expectativa exagerada em relação ao contributo que podem ter”.

A questão ganha força com a generalização deste tipo de grupos. Que por sua vez se tornaram frequentes graças à vulgarização do uso de aplicações de conversação instantânea. Num estudo da Marktest feito em 2019, 74% das pessoas inquiridas, entre os 15 e os 64 anos, referiam ter uma conta no WhatsApp, fazendo deste serviço de mensagens a segunda rede social mais popular no país, só atrás do Facebook.

O Messenger, aplicação associada a esta rede, é outra das plataformas possíveis para a criação destes grupos. Que nem têm obrigatoriamente que ver com a escola. São também comuns os grupos de pais relacionados com as atividades extracurriculares dos filhos. Seja qual for o mote, ou a aplicação, o conceito é quase sempre o mesmo: ter uma ferramenta que permita, em tempo real, agilizar assuntos relacionados com os filhos. Ferramenta essa que, no fundo, se transforma numa espécie de reunião de pais em permanência. Com tudo o que de bom e mau isso tem. Mas vamos às boas notícias.

“Facilita bastante o contacto entre todos. Mas também há mal-entendidos, porque falta a parte da comunicação não-verbal”
Sílvia Monteiro
Psicóloga

Eliana Rico, 52 anos, do Porto, tem dois filhos. Um deles, de 15 anos, joga na Escola de Futebol Hernâni Gonçalves. Esse foi o mote para a criação não de um, mas de dois grupos no WhatsApp. “Primeiro criou-se um grupo de pais, porque eram mais eles que acompanhavam os miúdos. Depois as mães também fizeram um. E funciona lindamente.” Seja para coisas práticas (“é muito frequente os miúdos perderem os calções ou uma camisola e graças ao grupo facilmente os pais se ajudam uns aos outros a encontrar”), para combinar boleias, jantares e até passeios. E tudo tem corrido bem. Sem que, até ver, sejam precisos cuidados de maior. “Quando alguém entra, normalmente, nós de forma muito subtil explicamos que o grupo serve para combinar determinadas coisas. E eles naturalmente percebem o tipo de linguagem do grupo. Até hoje só houve uma mãe que fez críticas ao treinador, mas como percebeu que ninguém alimentava a conversa desistiu.”

As vantagens destes grupos não se esgotam por aqui. Transmitir recados entre pais mais rapidamente (se uma professora falta, sobretudo em escolas em que não é permitido o uso de telemóvel), divulgar atividades, colocar questões (quando um dos filhos tem alguma dúvida quanto a um trabalho de casa) e avisar para dadas situações (como uma praga de piolhos na turma) são alguns dos exemplos em que estas plataformas de contacto virtual se revelam de grande utilidade. Casos há em que podem funcionar ainda como uma espécie de terapia. Por exemplo, quando um pai está extremamente preocupado com as más notas do filho e os pares o ajudam a relativizar.

“Deverá existir um acompanhamento dos pais, seja por que via for, mas isso não invalida a sua presença assídua em contexto de escola”
Filinto Lima
Presidente da ANDAEP

Sílvia Monteiro, psicóloga e conhecedora da realidade dos grupos de pais (tem dois filhos), resume a questão desta forma: “Facilita bastante o contacto entre todos. Mas volta e meia também dá lugar a mal-entendidos, até porque falta a parte da comunicação não-verbal. Se estivermos numa reunião de pais e alguém fizer um comentário consegue perceber-se, até pela expressão facial, se a pessoa está ou não a brincar. No WhatsApp não. Essa é a parte negativa. Volta e meia gera-se uma troca de palavras mal interpretadas e mal lançadas.”

Miguel Rodrigues, psicólogo, também com filhos em idade escolar, aponta para o facto de estes grupos virtuais contribuírem, por vezes, para empolar determinadas questões. “Em determinados momentos acho que os pais querem assumir demasiada responsabilidade, mesmo em coisas que são da competência da escola. Acaba por haver reações mais emotivas. E depois também há aqueles pais mais competitivos, que podem ter tendência para entrar em comparações. É preciso ter algum cuidado com tudo isso.”

Segundo relatos de vários encarregados de educação que integram grupos do género, há ainda aqueles que gostam que a sua opinião prevaleça – quando se cruzam três ou quatro pais com este perfil no mesmo grupo, está bom de ver que a discussão pode eclodir a qualquer momento. E os que transportam para o grupo os problemas entre os filhos. Ou os que escrevem a toda a hora. Daí que, sobretudo em turmas grandes, o fluxo de mensagens possa roçar, por vezes, o “neurótico”.

O assunto levanta ainda outras questões. Como a da independência dos rebentos. Ou a falta dela. “Há uma grande perda de autonomia”, considera Sílvia Monteiro. “Deixam de sentir aquela responsabilidade de trazer o recado para casa ou de o partilharem com os pais. E isso são competências pessoais que é importante desenvolver para a vida adulta.” Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, a maior preocupação é a de que haja pais a pensar que os grupos nas redes podem tomar a vez da presença nas reuniões escolares. “Deverá existir um acompanhamento dos pais, seja por que via for, mas isso não invalida a sua presença assídua em contexto de escola. Uma coisa não pode substituir a outra”, alerta o dirigente.

Essa é uma de várias premissas que devem enformar a utilização destes grupos. Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais, enfatiza a necessidade de moderação. “Há aspetos positivos e negativos. Depende sempre da forma como as pessoas leem a informação. É bom para os pais poderem participar em alguma iniciativa, ter algum cuidado com um determinado tipo de situação. Outras vezes é mau porque se dramatiza e isso acaba por gerar confusões que não se justificariam. Há casos em que uma mensagem mal passada pode provocar muitos problemas. Os grupos são positivos desde que sejam bem utilizados.”

Para Rui, o pai que decidiu sair de um grupo da escola ao fim de duas semanas, o problema é não haver “uma formação de base que permita a toda a gente comportar-se com decência”. “Por isso, os grupos acabam por ter tanto de positivo como de pernicioso, dependendo da educação das pessoas”, diagnostica. “Mas é como na vida em geral.”

Sobrevivência parental em apps de mensagens

• O objetivo do grupo deve ser bem definido logo à partida, alertando, se necessário, para o facto de deverem ser evitadas considerações várias. Ou seja, se a ideia é criar-se um grupo para facilitar a comunicação relativa às atividades escolares, não fará sentido usá-lo para comentar a má nota do filho a Matemática ou para divulgar o mais recente estudo que aponta os malefícios do leite.

• Para facilitar a comunicação, sobretudo em turmas grandes, o ideal será que, por cada aluno, apenas um dos encarregados de educação integre o grupo.

• Se estiver em causa um problema sério deve evitar-se o grupo. A interação frente a frente será sempre a melhor forma de debater e resolver situações melindrosas.

• Confirmação e validação. Não dar por garantido tudo o que é dito no grupo. Confirmar qualquer informação antes de tomar medidas. Da mesma forma, deve evitar reproduzir nestes grupos algo de que não esteja plenamente seguro.

• Evitar entrar em grandes considerações de índole pessoal, nomeadamente quando estiverem em causa assuntos sensíveis, como os hábitos familiares ou a melhor educação a dar aos filhos.

• Antes de escrever algo no grupo, refletir sobre a forma como o que dizemos pode ser interpretado. A ausência da comunicação não-verbal neste tipo de interação pode complicar e fomentar grandes mal-entendidos. Não esquecer que o à-vontade não é o mesmo entre todos os pais e que o que se está a escrever é público (dentro do grupo). E fica.

• Filtrar o que é transmitido aos filhos, com base em assuntos discutidos no grupo. Deixá-los fora de questões (e discussões) paralelas será sempre a melhor forma de evitar que estes temas resvalem para a interação da turma.

• Não descurar a responsabilização dos rebentos. Ou seja: apesar de os grupos permitirem fácil e rapidamente dissipar dúvidas – em relação aos trabalhos de casa do dia, por exemplo – estes não devem servir para que crianças e adolescentes estejam menos atentos.