Gestão de emergência: o teletrabalho dos CEO de empresas portuguesas

Reorganizar as formas de trabalho foi a primeira urgência para assegurar os dias deste presente (Foto: Freepik)

Ainda antes das 9 horas, com a ginástica feita e o pequeno-almoço tomado, Rita Nabeiro entra no escritório e liga o portátil. Tal como Teófilo Leite, Jorge de Melo, Alexandre Fonseca ou Fernando Cunha Guedes. É como se saíssem de casa e chegassem à empresa à hora do costume. Só que continuam em casa. O mesmo com os restantes dois milhões de portugueses que, segundo os inquéritos da Marktest, estão agora em teletrabalho. A diferença é que, quando eles ligam o ecrã, há centenas – ou mesmo milhares – de trabalhadores do outro lado. Compete-lhes continuar a gerir as suas empresas da mesma forma como o faziam antes desta pandemia encafuar o mundo inteiro nos seus apartamentos.

E o que eles fazem é tudo no geral e nada em particular. É correr para todo o lado, sem parar em lugar nenhum. É olhar para dentro, mas também ver para fora. Explicando melhor, para não se ficar com ideias erradas: “Estou presente em todos os momentos, ao lado da minha comissão executiva e das equipas responsáveis pelos projetos”, explica Alexandre Fonseca, presidente executivo da Altice Portugal.

É o que Teófilo Leite, presidente do conselho da administração da Lavoro, especializada em calçado profissional de segurança, chama de “coordenação global com os diretores”. E o que Jorge de Melo, CEO da Sovena, diz ser necessário para perceber, no dia a dia, “o que está a funcionar e o que precisa de ajustes ou melhorias”.

É, no fundo, “procurar que todos estejam alinhados, motivados e comprometidos com o projeto da empresa”, ressalva o presidente da Sogrape, Fernando Cunha Guedes. Mas também “acompanhar as tendências de mercado, acertar estratégias e definir objetivos a curto, médio e longo prazo”, acrescenta a diretora-geral da Adega Mayor, Rita Nabeiro. Liderar uma empresa ou um grupo de empresas é, para abreviar e não complicar, “ter foco no crescimento e nos resultados”, remata Alexandre Fonseca.

“Se tiver a necessidade de parar por algumas horas, faço-o. Ajuda-me a concentrar e a estipular prioridades”
Alexandre Fonseca (presidente executivo da Altice Portugal)
(Foto: DR)

É isso tudo e, agora, mais ainda, porque muita coisa vai mudar quando a porta da rua se abrir e as economias tiverem de reagir. “Face a esta nova realidade, torna-se ainda mais urgente entender as consequências, as oportunidades e os desafios dos próximos tempos”, avisa Jorge de Melo. Daí a necessidade de “ler e digerir” muita da informação que surge das consultoras ou de outras entidades sobre os efeitos desta crise. Até porque todo o planeamento feito anteriormente terá de ser revirado de ponta a ponta. “Objetivos, orçamentos, estimativas serão agora reestruturados, obrigando-nos a pensar em todos os impactos esperados no futuro”, assinala Rita Nabeiro.

A máquina não pode parar

Preparar o futuro é, mais do que nunca, uma preocupação diária, mas reorganizar as formas de trabalho foi a primeira urgência para assegurar os dias deste presente. “Planos de contingência, de segurança e de preparação para o teletrabalho foram implementados rapidamente, estando agora tudo a decorrer dentro desta nova normalidade”, conta Jorge de Melo.

As equipas foram organizadas, os portáteis atribuídos a quem não os tinha e as assinaturas digitais asseguradas. Cerca de 400 colaboradores – entre os 1 200 espalhados por Portugal, Espanha, Estados Unidos, China e Brasil – estão em casa. Os restantes continuam a assegurar a parte industrial, operacional e as atividades agrícolas.

Na Adega Mayor, com sede em Campo Maior, dos 60 trabalhadores, cerca de duas dezenas estão em teletrabalho. Ficaram a equipa de enoturismo, que passou a assegurar a expedição das encomendas online, a produção e quem trabalha na vinha, que não pode parar. “Há, por exemplo, tratamentos que têm de ser feitos para não colocar em causa as colheitas seguintes e ainda engarrafamentos que precisam de ser preparados para quando chegar a altura da campanha”, especifica Rita Nabeiro, ressalvando que as equipas são agora mais reduzidas e trabalham em rotatividade.

Na Altice Portugal, em que o universo de colaboradores chega aos 20 mil, diretos e indiretos, a operação assume uma outra dimensão. “Numa semana e meia, colocámos quatro mil pessoas a trabalhar à distância”, realça o presidente executivo. Agora, já são dez mil, todos eles equipados com portáteis, serviços de acesso à Internet ou VPN corporativa para se conectarem em segurança à rede interna: “Até mesmo as vertentes de call center, dos centros de atendimento, uma parte muito significativa foi migrada e está a ser feita a partir de casa”.

Dos cerca de mil trabalhadores que a Sogrape tem em nove países, uns 500 estão em regime de teletrabalho. Mas, “porque a natureza não pára e as vinhas continuam a crescer”, a outra metade sai todos os dias de casa para trabalhar, embora condicionada pelas rotinas dos planos de contingência. “Produzimos o vinho verde, mas também estamos, por exemplo, a plantar vinhas no Douro e no Alentejo, em vindimas na América do Sul ou a construir uma adega no Alentejo”, salienta o presidente do grupo de empresas e marcas de vinho.

Dos cerca de 200 funcionários da Lavoro, um quarto deles, das áreas administrativa, marketing ou comercial, desempenha funções a partir de casa. A maioria continua nas fábricas de Guimarães, mas com as engrenagens reajustadas aos ritmos da emergência. A empresa aproveitou os equipamentos na área da robótica e do corte automático para produzir mil viseiras por dia. “Começámos, no âmbito da nossa responsabilidade social, a distribuir peças para lares, unidades de saúde, bombeiros e forças policiais”, recorda Teófilo Leite.

“A ideia de que a China é a fábrica e a Europa o escritório do mundo não poderá continuar”
Teófilo Leite (presidente do Conselho de Administração da Lavoro)
(Foto: DR)

Mas, rapidamente surgiram mais pedidos desses equipamentos por parte de clientes, não só em Portugal como do resto da Europa: “Estamos, neste momento, a fazer todos os esforços para aumentar a capacidade”. Mais viseiras, mas também mais máscaras de proteção individual, estão a ser produzidas com o know-how que a empresa transferiu dos pés para a cabeça.

O calçado profissional, apesar da quebra na procura, continua a sair das linhas de produção, agora dirigido às forças de segurança, bombeiros e funcionários da área alimentar. Todos reforçaram as suas equipas com mais deslocações no terreno ou com um maior volume de entregas ao domicílio, aumentando a necessidade de equipamento de segurança: “E, como tal, a gestão que agora se procura fazer é, no essencial, responder rapidamente às variações de mercado”.

A corrida dos consumidores aos supermercados e às grandes superfícies, logo após serem conhecidos os primeiros casos de infeção, também fez disparar a produção da Sovena, líder no mercado mundial do azeite. Durante três semanas, as fábricas em Portugal e em Espanha estiveram na sua capacidade máxima e sem interrupções: “Foram momentos muito complicados de gerir, não apenas pela saturação das linhas de embalamento ou de constrangimentos na logística e transporte, como igualmente pelo desafio que foi continuar a assegurar as regras de segurança e de saúde dos trabalhadores”, observa o CEO da Sovena, Jorge de Melo.

Apanhando a todos desprevenidos, o que a Covid-19 provocou, desde logo, foi a readaptação rápida aos tempos de pandemia. “Em praticamente uma semana, surgiu um conjunto significativo de ideias, iniciativas ou projetos”, lembra Fernando Cunha Guedes, da Sogrape. E para pôr tudo isso no terreno novas equipas nasceram “espontaneamente”, ligando vários departamentos e diferentes geografias. “Algumas destas propostas surgiram como consequência do isolamento social, outras estavam na gaveta e passaram a prioritárias.”

“Esta emergência originou novas aprendizagens e formas de trabalhar”
Fernando Cunha Guedes (presidente da Sogrape)
(Foto: DR)

Desde novas soluções online para apresentação de vinhos e contactos com os clientes, até estratégias mais focadas no comércio eletrónico, passando pelas iniciativas de responsabilidade social, como a produção e entrega de gel desinfetante nas comunidades. “O próprio mindset das pessoas reinventou-se, levando-as a fazer diferente, mais rápido e bem-feito.”

Sozinhos, o novo normal

Tudo o que se faz agora neste novo normal, que é trabalhar sozinho numa sala de jantar ou num escritório, já antes se fazia. As rotinas pouco se alteraram. Afinal, as funções são iguais e a carga horária também. Começam todos à hora de sempre, fazem as mesmas pausas e desligam o interruptor à hora do costume.

Em tempos de confinamento, tal estratégia permite traçar a fronteira entre casa e trabalho. “Não sabendo quando esta maratona terminará, é preciso gerir o esforço para que tanto as capacidades físicas como as intelectuais estejam em forma no dia seguinte”, defende Teófilo Leite, da Lavoro.

Entrar no modo de pausa é, aliás, mais um instrumento de trabalho a juntar-se aos outros, conta Alexandre Fonseca, da Altice. “Sou uma pessoa metódica, organizada e tento sempre garantir um conjunto de rotinas que me permitem realizar as tarefas necessárias, mas também ter a disciplina de parar para pensar.” Suspender o trabalho não só para “ler”, “estudar” ou fazer “balanços”, mas sobretudo para equilibrar o lado profissional e familiar. “Se tiver a necessidade de parar por algumas horas, faço-o. Ajuda-me a concentrar e a estipular prioridades.”

E, se quase tudo se faz como antes, a verdade é que quase nada poderia ser feito sem as tecnologias agora usadas para encurtar as distâncias impostas por este isolamento. Reuniões diárias, semanais e mensais mantêm-se através de conference call, Microsoft Teams, Zoom ou outras plataformas digitais. “Debatemos iniciativas e projetos, fazemos o ponto de situação de temas de negócio e estratégicos, estudamos medidas a implementar, abordamos novas formas de atuação ou, mesmo, fazemos balanço de resultados”, revela o presidente executivo da Altice.

Virtualmente unidos

A tecnologia já existia – esclarece Fernando Cunha Guedes, da Sogrape -, mas a Covid-19 “acelerou” ainda mais os processos de comunicação. “Tenho estado em mais contacto diário com a minha equipa e sobretudo com a Direção”, diz Rita Nabeiro. Há mais reuniões e também mais participadas. “Quem antes não podia comparecer fisicamente consegue agora marcar presença virtual”, destaca a diretora-geral da Adega Mayor.


“Tenho estado em mais contacto diário com a minha equipa e sobretudo com a Direção”
Rita Nabeiro (diretora-geral da Adega Mayor)
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

Como há também aquelas reuniões a ligar o Conselho de Administração da Sogrape aos gestores da Argentina, que vieram para ficar. “Esta emergência originou novas aprendizagens e formas de trabalhar. Daqui para frente nada será igual”, conclui Fernando Cunha Guedes.

Ninguém julgue que estes gestores ficaram adeptos incondicionais dos encontros virtuais. Todos eles assumem que o contacto olhos nos olhos é o que mais falta lhes faz. Será aliás a primeira rotina a resgatar mal as cancelas se levantem. Há até quem esteja convencido de que muita coisa se perde quando a comunicação se faz de ecrã para ecrã. As reuniões digitais são mais eficientes e pragmáticas – como todos, mais uma vez, reconhecem -, mas há “sensações pessoais” que nunca passam para o outro lado, admite Teófilo Leite. “São menos, agora, aqueles momentos de humor e de descontração.”

Pode parecer pieguice, mas é justamente dessas insignificâncias que surgem ideias, conceitos ou abordagens inusitadas, defende Jorge de Melo: “Aquilo que está definido na agenda faz-se, mas há aspetos não tangíveis que só acontecem numa sala entre duas ou três pessoas a bater bolas”.

Depois da turbulência

Reuniões cara a cara, viagens ao estrangeiro todas as semanas, deslocações de cidade para cidade, há uma quantidade industrial de rotinas, próprias dos gestores deste Mundo global, que a Covid-19 deixou penduradas. Mas, mal a turbulência da pandemia assente, outra se levantará, com ondas de choque mais duradouras. O regresso ao trabalho não poderá mais ser como antes. “Temos de esperar uma subida enorme no desemprego, sobretudo na área do turismo, e competirá aos industriais responder a mais esta emergência”, adverte Teófilo Leite.

As experiências anteriores, como a crise de 2008, terão de servir para alguma coisa, diz o CEO da Lavoro. Tal como nessa altura as empresas substituíram as importações pelas exportações, também agora será urgente reinventar postos de trabalho, deslocando a produção para dentro do país. “No nosso caso em particular, estamos a ver o que podemos deixar de comprar na Índia e transferir essa capacidade para Portugal.”

O que esta pandemia veio, desde logo, destapar é a dependência da Europa face aos mercados chineses e a urgência de ter retaguardas logísticas asseguradas, alerta Jorge de Melo. “A vantagem de ter três fábricas em Espanha e duas em Portugal foi, aliás, o que permitiu à Sovena responder à súbita procura dos consumidores pelos produtos alimentares.”


“Face a esta nova realidade, torna-se ainda mais urgente entender as consequências, as oportunidades e os desafios dos próximos tempos”
Jorge de Melo (CEO da Sovena)
(Foto: DR)

É razão suficiente para a globalização, a partir de agora, “recuar alguns passos” para que as “indústrias estratégicas” não estejam concentradas num único polo. “A ideia de que a China é a fábrica e a Europa o escritório do Mundo não poderá continuar. Essa será já uma das conclusões a tirar destes tempos”, sustenta o presidente da Lavoro.

E qualquer que seja o próximo plano de contingência para combater a crise que se avizinha, terá sempre de depender da capacidade de entreajuda das comunidades, empresas, instituições públicas e privadas. “Teremos de ser muito mais solidários, não só neste momento, mas também no dia de amanhã, que será muito difícil”, antecipa Rita Nabeiro.

Será esta a primeira resposta, acredita a diretora-geral da Adega Mayor, mas já haverá algo demonstrado pelos portugueses que joga a favor de todos. “A capacidade que tivemos de nos adaptar de uma forma tão rápida a uma situação totalmente inesperada foi verdadeiramente surpreendente”, reconhece Fernando Cunha Guedes.

É por demais evidente “a lição” que já se tira no planalto desta pandemia, conclui Jorge de Melo. “Mesmo trabalhando à distância e com todas as limitações, soubemos responder às emergências”, considera o CEO da Sovena. E é isso que lhe dá “confiança” para encarar os tempos que se seguem.

Abrir a porta da rua

Haverá ainda muitos desafios a superar mal o Mundo se livre do coronavírus. Antes disso, virá a primeira trégua que permitirá finalmente abrir a porta da rua. A maioria já saberá, provavelmente, o que fazer com a liberdade reconquistada. “Pegar na família e gozar talvez um dia de praia ou um piquenique no Gerês”, conta Teófilo Leite. “Abraçar os meus avós, a minha família e os amigos que vivem à distância estes dias connosco”, sublinha Rita Nabeiro.

“Sair à rua com a família, sem preocupações, máscaras ou luvas e conduzir sem destino estrada fora”, confidencia Alexandre Fonseca. Distribuir abraços pela família, amigos e colegas. “Do que eu sinto mesmo falta são dos abraços”, desabafa Fernando Cunha Guedes.

Ou entrar no escritório e encontrar tudo como antes. A última vez que Jorge de Melo foi à empresa, estavam três pessoas num edifício habitualmente com 100/120 funcionários. “Ver aquele espaço vazio e silencioso deixou-me confuso e desconfortável.” E, como tal, querendo “obviamente” abraçar família e amigos, o CEO da Sovena também está “ansioso” por voltar ao trabalho e “sentir a alegria, o corrupio e a pressão do dia a dia”.