Fazer um reset digital quando uma relação termina

A exposição dos relacionamentos online é transversal a várias gerações e a todos os géneros (Ilustração: MG/Notícias Magazine)

A nossa vida passa muito pelas redes sociais. Deixou de estar resguardada e invisível aos outros. E quando um relacionamento acaba, o que fazer ao rasto digital do ou da ex? Se é difícil gerir a perda, há quem opte por começar de novo… na vida online.

É quase um clássico. A exposição de relacionamentos nas redes sociais, como o Facebook ou o Instagram, abre a janela para a curiosidade. Senão, vejamos: quantos de nós não perceberam que um relacionamento de um amigo(a) ou conhecido(a) tinha terminado porque deixou de ver fotos ou comentários do namorado(a) nos seus perfis? No caso das figuras públicas, a situação é ainda mais notória e os comunicados oficiais a anunciar uma separação acabam por antecipar os comportamentos que alguns utilizadores mais atentos poderiam vaticinar. É célebre a ideia de que o que se publica na internet ficará para sempre online. O que fazer então com o rasto digital de quem deixou de ter um relacionamento feliz e quer “apagar” essa ligação da sua vida?

As pessoas não reagem de forma igual. “Temos casos em que a relação termina e as pessoas conseguem interagir de forma civilizada, seja online ou offline, existindo, porventura, algum maior distanciamento”, refere Tito de Morais, fundador do projeto Miúdos Seguros na Net. Por outro lado, quando as relações terminam mal, se antigamente havia quem rasgasse, cortasse ou se desfizesse de fotografias e outros vestígios do cônjuge, relativamente ao online há quem elimine fotos, “desamigue” ou bloqueie amores anteriores e elimine identificações em fotos, havendo mesmo quem, no limite, elimine as suas contas nas redes sociais para começar – ou não – de novo. “Os perfis comuns, aqueles que pertencem ao casal e não a nenhum elemento em particular, podem colocar maiores problemas”, salienta.

Para a psicóloga e terapeuta de casal Catarina Lucas, quando uma relação termina, isso não significa que tenhamos de eliminar automaticamente toda a ligação digital à outra pessoa. “Na verdade, nós não excluímos pessoas da nossa vida. Por isso, é também difícil apagá-las digitalmente. Contudo, quando o término da relação é traumático, poderá ser necessário fazer um reset digital, deixando de seguir determinada pessoa e deixar de verificar os tempos passados online pelo outro através dos chats.”

Mara Almeida, 46 anos, já passou por várias fases relativamente à exposição dos seus relacionamentos no mundo online. A sua última ligação, de três anos e meio, estava assumida nas redes sociais, sobretudo no Facebook. “Mas quando as coisas começavam a correr mal, tirávamos a relação da rede social e colocávamos as fotos restritas, voltando tudo ao normal quando fazíamos as pazes”, conta. Depois do final definitivo, que aconteceu há dois anos, colocou também um ponto final definitivo no rasto digital da relação. E deu muito trabalho? “Não, foi chegar lá e apagar”, responde, sem pensar demasiado. Mas, um pouco mais à frente na conversa, confessa que as memórias que o Facebook partilha regularmente acabam por servir de lembrete e são “dolorosas” para quem viveu um relacionamento que terminou mal.

Atualmente, Mara não mantém amizade com o ex-namorado nas redes sociais. “Fui bloqueada por ele na página pessoal de Facebook, mas não me bloqueou no perfil profissional.” Os amigos de ambos foram percebendo a instabilidade do namoro e, não raras vezes, as redes sociais eram motivo de discussão entre o casal. “Claro que o online faz parte nas nossas vidas, mas o peso destas plataformas acaba por ser doentio porque a importância que se lhes dá hoje é ridícula.”

Quando o online boicota a saúde mental

A exposição dos relacionamentos online é transversal a várias gerações e a todos os géneros. “Os homens julgam-se geralmente imunes a esse tipo de problemas até que lhe bata à porta em resultado de um caso extraconjugal. Se alguma diferença há entre gerações, a minha perceção é que os mais jovens tendem a viver a sua sexualidade online mais do que os mais velhos”, constata Tito de Morais.

Seja como for, não é fácil cortar vínculos com uma pessoa com quem se manteve uma relação, independentemente de quem tomou essa decisão. Catarina Lucas lançou o livro “Vida a dois”, em julho último, em que explica as razões por que é difícil enfrentar uma separação e eliminar os comportamentos que nos ligam ao outro, dedicando um capítulo ao tema: “Divórcio: eu e tu já não somos um”. “Tudo se organiza em torno da relação estabelecida que assume múltiplas funções na vida de uma pessoa. Ela é estruturante para nós e, quando termina, sentimo-nos desorganizados, como se nos tirassem ‘o chão’. Muitas vezes, aquilo que se torna mais difícil não é a perda da pessoa, mas sim a falta da nossa vida tal qual a conhecíamos.” Uma separação implica um processo de luto até que se consiga seguir em frente e apagar a vida conjugal online acaba por ser gerido como se de uma nova perda se tratasse.

Quando se passa a controlar o comportamento do outro através das redes sociais e dos chats, o equilíbrio ao nível da saúde mental fica mais difícil de gerir. “É comum tentar fazer suposições daquilo que o outro faz ou de com quem está através destes mecanismos. Tentamos ainda perceber se o outro já está numa nova relação por esta via. O problema disto é que é altamente enganador, pois um like não tem de significar que a pessoa está com uma pessoa nova e o estar online não quer dizer que esteja a falar com um(a) novo(a) companheiro(a)”, realça Catarina Lucas.

Para algumas pessoas, as redes sociais e os chats tornam-se um mecanismo de vigilância em relação ao outro, o que só alimenta o próprio sofrimento. “Isto torna-se, muitas vezes, um comportamento compulsivo que precisamos eliminar. Diminuir o tempo passado ao ecrã, deixar de seguir a outra pessoa e estabelecer algum autocontrolo na visita a páginas ou verificação de status do chat pode ajudar.”

Tito de Morais recebe alguns pedidos de ajuda de pessoas que são perseguidas de forma persistente através da Internet. “Os ciberstalkers difamam, espalham boatos, rumores e falsidades através da rede de contactos do casal, mesmo que a outra parte tenha, no limite, deixado de ter uma presença online ou criado outra identidade digital.” Os casos tornam-se ainda mais complexos quando as ameaças chegam ao ambiente de trabalho da vítima, junto a colegas de trabalho, chefes, criando problemas laborais e impactos emocionais devastadores.

Noutras situações menos graves, a maioria dos casos tem contornos diferentes e corresponde à partilha de fotografias normais de qualquer casal, mas que uma das partes não deseja ver expostas depois de terminado um relacionamento. “Infelizmente, nem sempre os dois estão de acordo e, preventivamente, há pouco que se possa fazer, porque é normal os casais tirarem fotos juntos. No entanto, poderão ter eventualmente alguma proteção legal ao abrigo do direito à imagem ou do direito ao esquecimento, podendo por isso procurar conselhos jurídicos de um(a) advogado(a)”, explica Tito de Morais.

No caso de Laura (nome fictício), a rondar os 50 anos, nem o afastamento físico (vivem agora em países diferentes, depois de Laura ter regressado a Portugal) impediu comportamentos de caráter abusivo por parte do anterior companheiro. “Ficou com uma obsessão por mim em que, além de me bloquear no Facebook, criou um perfil falso como se fosse eu.” Laura só teve conhecimento desse perfil quando amigos em comum estranharam as publicações com imagens editadas, frases dúbias e edições de “tremendo mau gosto”. “Conseguia ver o que ele publicava através do perfil de uma amiga.”

Na altura em que se desentenderam, também Laura apagou ou ocultou as fotos que tinha com o antigo companheiro, para que a relação deixasse de estar exposta para os outros. “Foi uma situação surreal”, descreve, acrescentando que o Facebook parece “estar do lado destes cobardes e não das vítimas, porque foi muito difícil conseguir que este perfil fosse apagado por essa via”. Só depois de uma queixa na polícia é que foi possível colocar um ponto final no assunto.

Além deste primeiro impulso de apagar as fotografias ou comentários, há quem também atualize o seu status de relacionamento no Facebook ou opte por algumas definições mais privadas. No caso do Instagram, é possível arquivar fotos. No Facebook pode optar-se pela funcionalidade “Apenas eu”, uma alternativa para quem ainda está indeciso ou quer respeitar um novo relacionamento, por exemplo. É que o passado, esse, ninguém pode apagar.

Como gerir melhor o fim de uma relação online

  • Não passar demasiado tempo ao ecrã, pois torna-se mais difícil resistir ao controlo do outro.
  • Se necessário, deixar de seguir a outra pessoa, de modo a diminuir notificações ou o aparecimento de posts de alguém.
  • Não tentar interpretar likes, comentários ou status.
  • Ponderar a resposta a mensagens do outro.
  • Em termos preventivos, desaconselham-se os perfis comuns, a partilha de palavras-passe e o uso de e-mail e apps a partir dos dispositivos dos cônjuges.
  • O uso de perguntas e recuperação de palavras-passe baseadas em dados pessoais deve ser evitado.
  • Evitar o uso de georreferenciação em aplicações.

O que fazer em situações de perseguição online?

  • Familiarize-se com os mecanismos de denúncia e bloqueio de conteúdos e utilizadores abusivos em todas as plataformas e aplicações que utilize, assim como os processos de eliminação de contas.
  • Crie um alerta no Google com variantes do seu nome e adquira informações sobre os processos de remoção dos dados dos resultados de pesquisa do Google.
  • Recomenda-se o recurso a um software básico de segurança, como firewall, antivírus, anti-spyware e, com particular relevância para este tipo de situações, um software contra Remote Access Trojans (RAT’s), que geralmente são instalados para monitorizar e controlar os dispositivos dos seus parceiros.