A atividade humana perturba a vida de outras espécies de modo crescente. Terão as aves de dormir - ainda mais - com um olho aberto?
A convivência entre aves e humanos nem sempre foi a mais pacífica. Não é preciso ir muito atrás na História para encontrar exemplos disto, como a Campanha das Quatro Pragas de Mao Zedong, ou a Grande Guerra aos Emus na Austrália. Mas, atualmente, a erradicação destes animais faz-se através da nossa atividade quotidiana, de forma lenta e silenciosa.
As aves têm tido de se adaptar à civilização, encontrando alternativas no que toca a alimentação ou abrigo, sendo um dos casos mais bem documentados o dos corvos, que fazem ninhos com lixo humano ou recorrem a soluções tão perspicazes como deixar cair nozes na estrada para serem abertas pelos carros que passam. Mas esta adaptação tem por vezes um preço alto.
As aves canoras, para se fazerem ouvir por cima do barulho do trânsito, tiveram de passar a cantar mais alto, ou perderam mesmo uma parte do “repertório” do seu canto, explica Joaquim Teodósio, coordenador do Departamento de Conservação Terrestre da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Esta dificuldade na comunicação torna as aves mais vulneráveis a ataques, já que o canto é uma forma de avisar o resto do bando de uma ameaça iminente. Um estudo publicado no “Journal of Zoology” descreve as perturbações do sono nos ostraceiros causadas pelo bulício humano: a frequência e a duração com que estas aves abrem os olhos durante o repouco aumenta com a atividade nos arredores, comprometendo assim o seu descanso.
Também a poluição luminosa alterou os ciclos de atividade: “As aves deixam de cantar ao amanhecer e passam a fazê-lo durante a noite, o que não era natural”, diz Joaquim Teodósio. E este “dia artificial” traz perigos. O técnico da SPEA dá o exemplo dos cagarros, ave típica dos Açores: “A iluminação urbana confunde-os [estes animais orientam-se pela luz das estrelas] e, quando saem pela primeira vez do ninho, dirigem-se para terra em vez do mar, sendo atropelados ou predados por outros animais”.
As alterações climáticas provocam mudanças nas rotas migratórias, com as aves a migrarem cada vez menos para sul, consequência de invernos menos rigorosos, ou a alterarem os períodos de migração e de nidificação. Isto faz com que, quando chegam ao destino, por vezes já não exista alimento, pois as mudanças no clima também afetam os ciclos das plantas e insetos. Como adverte Joaquim Tedosósio, “estes efeitos adaptativos vão ocorrendo ao longo de gerações, e podem não acompanhar mudanças tão bruscas”, resultando inevitavelmente na extinção de algumas espécies ou, pelo menos, no seu desaparecimento de alguns territórios, com consequências drásticas na biodiversidade desses locais.