Em tempo de isolamento profilático e de confinamento em casa, cozinhar transformou-se num escape. Engordar, por estes dias, parece inevitável. Mas é possível combater o peso que pode vir a ganhar na nova rotina.
Quem está em teletrabalho ou a dar assistência aos filhos em casa devido à pandemia de Covid-19 já se terá apercebido que as partilhas no Facebook e Instagram traduzem-se muitas vezes em cozinhados de doces, bolos e pão. Criatividade não falta.
Como resumo destes tempos impostos, as famílias reinventaram também a alimentação. “A mim só me dá para comer.” “Vou acabar a quarentena a rebolar.” “A seguir disto, vou ter de fazer dieta.”… As frases foram escolhidas aleatoriamente nas redes sociais, onde se sucedem, por esta altura, receitas em direto promovidas por bloggers e influenciadores digitais desta área.
Somos ainda confrontados com fotografias de amigos que decidiram revelar o padeiro escondido que tinham dentro de si.
Nuno Borges, nutricionista da Associação Portuguesa de Nutrição (APN), diz que a pandemia veio trazer várias mudanças às famílias, e uma delas é a de aparentemente cozinharmos mais. “E isso é positivo. Precisaremos de mais tempo para perceber o que é que efetivamente vai acontecer às pessoas mas suspeito que eventualmente possam aumentar de peso, desde logo, pela menor atividade física. Estar parado representa um menor gasto energético.”
Apesar de haver uma maior tendência para se procurar receitas clássicas, o nutricionista defende que o problema é maior quando se opta por escolher apenas “receitas de bolos e salgados, por exemplo”. Por outro lado, temos mais tempo e podemos ter mais cuidado na preparação dos alimentos. Apesar da necessidade de uma diferente organização das idas ao supermercado impostas pelo confinamento, Nuno Borges considera que a grande arma para estes dias é o planeamento. “Se comprarmos produtos mais equilibrados para uma alimentação saudável e se tivermos menos chocolates e ingredientes para bolos, menor a probabilidade de chegar ao fim da quarentena com o dobro dos quilos que se tinha há dois meses.”
Cozinhar por estes dias tem assumido várias vertentes: hobby, fuga à rotina, gestão do stresse. “Para muitos, esta pode ser a atividade mais entusiasmante, gratificante e calmante do dia”, sugere a psicóloga Catarina Lucas. Por outro lado, ao instalar-se na mente dos portugueses a palavra “crise”, muitos são “os que estão a adotar comportamentos de ‘sobrevivência’, nomeadamente cozinhar a própria comida, inclusive o pão, tido como alimento básico”.
O facto de estarmos mais tempo em casa pode conduzir a maiores tentações para doces e aperitivos. “Evite o impulso de comer demasiados hidratos de carbono, principalmente os simples, como os alimentos açucarados, pois além de darem uma momentânea sensação de prazer, irão aumentar os episódios de desejos alimentares compulsivos e desequilibrar as defesas do corpo”, aconselha Fábio Pereira, profissional de ciências do desporto, exercício e saúde. O foco deve ser manter a forma física e reforçar o sistema imunitário. “Nesse aspeto, tanto a atividade física como a alimentação são preponderantes”, sublinha.
Novas oportunidades
O nutricionista Nuno Borges sustenta que, apesar dos muitos aspetos negativos da pandemia, esta pode constituir “uma oportunidade indiscutível para o regresso a um modelo alimentar mais interessante e saudável”, recuperando alguma tradição enraizada na cultura portuguesa relativamente à cozinha. “Será uma fase em que ouviremos comentários de pessoas que percebem ‘que até sabem cozinhar’ e constatam que é mais económico comer em casa, sobretudo para aqueles que frequentavam regularmente restaurantes.”
A situação atual obriga a readaptar hábitos, daí que seja urgente criar uma rotina de exercício. De igual modo, é importante manter horários equilibrados para as várias refeições do dia.
Catarina Lucas: “É importante encontrar outros mecanismos de distração. Para muitos, a fome é também emocional e é crucial minimizar as deslocações ao frigorífico com outras alternativas, como ligar a um amigo ou familiar. De igual modo, devemos ter em atenção os petiscos em excesso para quem passa muito tempo em frente à televisão”.
Fábio Pereira acrescenta que o momento impõe alguma redução de ações do dia a dia, como caminhar e subir escadas. A viver em Granada, Espanha, tem promovido algumas aulas de pilates gratuitas online, em direto do Facebook. “Neste período de quarentena, existe um consequente aumento da inatividade física, logo, perda de massa magra e encurtamentos musculares. Com estas aulas é possível desenvolver a força, com grande enfoque no reforço da parede abdominal e dos músculos mais profundos da bacia e da coluna vertebral, responsáveis pela manutenção de uma correta postura e da saúde articular.”
Além disso, Fábio faz algum aconselhamento online e destaca as diferenças entre os dois países, o que pode ser relevante no momento de escolher uma atividade. “Em Espanha, as medidas são bem mais restritivas, sendo apenas possível fazer treinos em casa. Em Portugal é permitido dar passeios na rua, ainda que perto da zona de residência, o que possibilita a realização de exercícios outdoor como caminhadas e corridas.”
De mãos dadas com a alimentação, o exercício físico pode ajudar a evitar a compulsão por alimentos menos saudáveis. “Costumo dizer que a alimentação tem um peso de 80% para a queima da massa gorda, e o exercício 20%. É fundamental termos a consciência da necessidade de controlar o que comemos, não só pela possibilidade de engordar, mas também para reforço da imunidade”, frisa Fábio Pereira.
Catarina Lucas e Nuno Borges chamam também à atenção para o consumo excessivo de álcool. “Em momentos de adversidade, algumas pessoas utilizam as bebidas alcoólicas como estratégia para atenuar o sofrimento. Contudo, esta forma de alívio dos pensamentos negativos ou da ansiedade só fará agravar a situação e, eventualmente, criar um problema maior”, alerta a psicóloga. O nutricionista acrescenta que o álcool “diminui o sistema imunitário, cria situações de dependência e as pessoas mais deprimidas ou que estejam sem trabalho, nesta fase, podem cair mais facilmente em tentação”.
Aproveite o domingo de Páscoa para cozinhar em família e aventure-se numa das muitas receitas disponíveis em diversas plataformas online. Quem sabe se este bom hábito não o acompanhará no período pós-Covid.
Regras
Novas tecnologias aliadas a uma quarentena saudável:
- O Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde criou um manual onde ajuda a esclarecer algumas dúvidas sobre as alterações no comportamento de compra e no consumo dos próprios alimentos em tempo de Covid-19. Aceda a nutrimento.pt.
- Associação Portuguesa de Nutrição criou um ciclo de conversas em livestream, “#15nutricionistas#15conversas”, que decorrerá até meados de maio, com diretos no Instagram da APN às segundas, quartas e sextas pelas 18 horas. Nestas sessões é possível esclarecer algumas dúvidas.
- Existem várias iniciativas online e diversas linhas de apoio psicológico ao dispor para quem estiver em maior dificuldade nesta fase. Aceda a ordemdospsicologos.pt e informe-se.