A esclerose múltipla é uma doença altamente incapacitante, afeta o sistema nervoso central e interfere no mecanismo urinário. É uma disfunção comum, mas negligenciada.
A esclerose múltipla é uma doença neurológica crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa que afeta cerca de oito mil portugueses. A maioria dos casos é diagnosticada entre os 20 e os 50 anos. Não é fatal, mas tem um impacto tremendo na vida de quem sofre dessa patologia que mexe com sistemas e funções importantes do corpo humano. A bexiga é um deles. A incontinência urinária de quem padece de esclerose múltipla pode transmitir uma falsa sensação de normalidade. Mas não deve ser assim, não pode ser relegada para segundo plano.
Segundo Maria Edite Rio, neurologista no Hospital de Santa Maria, no Porto, a esclerose múltipla é a doença neurológica mais frequente no adulto jovem, mas pode surgir na infância e mesmo depois dos 50 anos. “E, apesar dos contínuos avanços no diagnóstico, com as novas técnicas de imagiologia, continua a ter um reconhecimento difícil e a ser uma doença potencialmente muito incapacitante apesar da enorme evolução das novas terapêuticas”, afirma.
O prognóstico depende do tipo de esclerose múltipla, primária progressiva ou secundária progressiva, e pode apresentar diferentes sinais e sintomas, desde incapacidade motora ou alterações do equilíbrio e da marcha, incontinência urinária, perturbação da fala, disfunção sexual ou alterações a nível psicológico e psiquiátrico, como uma depressão.
A grande maioria das pessoas com esclerose múltipla sofre de bexiga hiperativa, vontade súbita e incontrolável de urinar
“Há alguns anos que se preconiza que na esclerose múltipla ‘tempo é cérebro’ e ‘o tempo conta’, visto que um diagnóstico precoce permite escolher, atempadamente, o tratamento mais eficaz e adequado para cada doente. E, atualmente, já dispomos de um leque significativo de produtos, com grande variação de eficácia e toxicidade, e mais ou menos cómodos e práticos de utilizar, mas todos têm efeitos colaterais, que é necessário conhecer e resolver, porque podem levar a que doentes menos esclarecidos desistam do tratamento”, sublinha a neurologista.
Não basta falar do diagnóstico precoce e do seu tratamento. Não é uma doença fatal, mas tem um impacto significativo na qualidade de vida por causa das complicações associadas à forma como a doença afeta o sistema nervoso, que controla várias funções no nosso organismo, como a marcha, a fala, a visão ou o controlo dos esfíncteres.
“No caso do sistema urinário, a esclerose múltipla pode alterar o controlo do aparelho urinário inferior conduzindo a uma desregulação que, em última instância, pode conduzir à perda involuntária de urina em homens e mulheres independentemente da idade. Esta é uma disfunção muito comum e estima-se que afete perto de 80% dos doentes de ambos os sexos”, adianta Maria Edite Rio.
Além das consequências físicas, a incontinência urinária tem ainda uma carga emocional e psicológica intrínseca que não pode ser esquecida
Maria Edite Rio
Neurologista
O que se passa é que a doença provoca a perda da camada de mielina que reveste os neurónios, prejudicando a normal condução nervosa, conduzindo a sintomas como a incontinência urinária que, segundo a neurologista, ocorre geralmente no contexto de bexiga hiperativa, ou seja, vontade súbita e incontrolável de urinar. O que pode levar a perda de urina em grande quantidade, por vezes com esvaziamento total da bexiga.
“Além das consequências físicas, a incontinência urinária tem ainda uma carga emocional e psicológica intrínseca que não pode ser esquecida, pois pode agravar outros sintomas e levar a um impacto considerável na vida profissional, social, pessoal e sexual.” “Um cenário que ganha dimensão com a pandemia da covid-19, uma vez que, com a limitação de espaços abertos e dificuldade acrescida em aceder a uma casa-de-banho, pode levar a que as pessoas fiquem mais tempo isoladas em casa”, acrescenta.
Por tudo isso, um tratamento precoce, que vá além da esclerose múltipla, é fundamental. A médica explica. “Isto é, um tratamento eficaz e adaptado ao padrão de lesões de cada doente e complicações relacionadas com a incontinência urinária, sendo fundamental que estes doentes sejam seguidos por um médico urologista e seja realizado um estudo urodinâmico para caracterizar a disfunção existente.” Por norma, numa primeira fase, é utilizada terapêutica médica em comprimidos, mas, quando é ineficaz, a injeção de toxina botulínica na bexiga ou a implantação de um neuromodulador de raízes sagradas na coluna são opções viáveis.