Esclerose Lateral Amiotrófica: prisioneiros no próprio corpo

O físico Stephen Hawking era portador da doença ELA (Foto: Kim Shiflett/NASA)

Doença neurológica degenerativa, progressiva e sem cura, que se caracteriza pela fraqueza e atrofia muscular. O tempo de vida é demasiado curto. A 21 de junho assinala-se o Dia Mundial da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Vivê-la em tempos de pandemia não tem sido fácil.

Rosa Pestana conta o que aconteceu e as voltas que a vida deu. Há oito anos, a sua mãe foi diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e o chão tremeu. “Toda a família levou com o primeiro balde de água gelada. Ouvíamos falar da doença, mas não estávamos preparados para o impacto familiar. Entre consultas de neurologia, fisioterapia, terapia da fala, pneumologia, gastroenterologia. Uma panóplia de especialidades médicas envolvidas, houve necessidade de transformar divisões da casa e adquirir equipamentos que ajudassem à mobilidade e comunicação”, recorda.

Todos os dias, um novo desafio pela frente, procurar soluções, atenuar o sofrimento. Ao lado da mãe, esteve e está sempre o seu pai. “Cuidador extremoso que se anulou de si próprio para lhe proporcionar o conforto tão necessário. Era ele que fazia a sua higiene, medicação, alimentação, e outros tantos cuidados, uma vez que a minha mãe perdeu a fala, a deglutição e todos os movimentos, mas nunca o seu discernimento.” A situação foi piorando. “Entretanto, surgiram as complicações respiratórias, existindo a necessidade de fazer respiração mecânica ininterruptamente, assim como aspirações constantes causadas pela acumulação de secreções”, acrescenta.

Há cerca de ano e meio, conscientes da sua dependência a 100% e perante a impotência de todos, chegou a hora da decisão mais difícil. Tirar a mãe do conforto de casa para uma unidade de cuidados hospitalares em Portel, no Alentejo. “Não foi fácil agilizar a admissão, mas lá foi ultrapassado mais um obstáculo, uma vez que era nossa intenção internar a mãe na freguesia onde reside, só desta forma teria o carinho e o apoio emocional que o meu pai lhe podia proporcionar. Desde então, até dia 13 de março, foi-lhe facultada a sua visita cerca de cinco a seis horas diárias e nunca falhou um dia”, refere Rosa Pestana.

O segundo balde de água gelada aconteceu quando lhe comunicaram, a 13 de março, que a mãe não teria mais visitas. Conscientes das atuais circunstâncias de uma pandemia, a família entendeu, mas não aceitou a decisão. O único alento da mãe está suspenso, o pai de Rosa perdeu sete quilos. “Todos nós agonizamos à espera de um dia voltarmos a visitar a mãe, se formos a tempo. A covid-19 veio para ficar e isolar estes doentes e acelerar a sua partida. As instituições devem promover a adaptação das visitas durante a pandemia”, diz Rosa.

Cerca de 800 portugueses sofrem desta doença neurológica degenerativa, progressiva, sem cura

Passado uns anos do diagnóstico, Rosa e a família recorreram à Associação Portuguesa de Esclerose Amiotrófica Lateral (APELA) que tem sido, sublinha, “a nossa âncora.” A APELA vai apresentar os resultados de um inquérito que reflete o impacto que esta nova realidade pandémica teve para os doentes. Há atrasos de três meses nas consultas e tratamentos, cancelamento de visitas por causa da covid-19, consequências que se podem traduzir em perdas físicas irreversíveis e num grande impacto psicológico nos doentes e seus cuidadores informais, que continuam sem apoio do Estado.

No dia 21 de junho, Dia Mundial da ELA, a APELA realiza um evento virtual no Facebook para abordar o impacto da covid-19 com histórias de vida que ilustram episódios de gestão e vivência com a doença em situação de emergência nacional, bem como projetos de apoio que têm sido importantes para ajudar doentes, famílias, cuidadores.

A ELA é uma doença neurológica, degenerativa, progressiva e sem cura, que se caracteriza pela fraqueza e pela atrofia muscular progressivas. É uma doença profundamente incapacitante e que, em proporções variáveis e imprevisíveis, aprisiona cada parte do corpo do doente, comprometendo também a fala, a deglutição e a respiração.

O tempo de vida é curto, oscila, em média, entre dois e cinco anos, após os primeiros sintomas. “No entanto, tem marcada variabilidade interindividual, com doentes evoluindo até à morte durante um ano, e outros levando mais de 20 anos de lenta evolução. A doença é mais comum entre os 55 e os 65 anos, mas afeta um conjunto apreciável de adultos jovens”, adianta Mamede de Carvalho, neurologista, professor de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

A doença aprisiona cada parte do corpo e compromete a fala, a deglutição e a respiração

Apesar da mesma palavra, ou seja, esclerose, que significa tecido cicatricial, a ELA e a esclerose múltipla são totalmente distintas, com tratamentos diferenciados. “A ELA é geralmente esporádica, ou seja, sem história familiar, mas cerca de 10% dos doentes têm outros membros afetados na mesma família. Mais de 30 genes têm sido associados a esta doença, mas a maior parte são mutações muito raras. Cerca de 5% dos doentes sem história familiar têm esta mutação, sendo identificada em mais de 30% daqueles com história familiar positiva”, refere o neurologista.

A doença caracteriza-se por fraqueza muscular, que pode ter início num membro superior, ou afetando primeiramente os músculos da articulação verbal, raramente os músculos respiratórios são os primeiros a serem “atacados”. Outro traço característico é a progressão da doença da mão direita para a mão esquerda, por exemplo.

Segundo Mamede de Carvalho, a dor não ocorre nas fases iniciais da doença. “Os sinais clínicos de morte dos neurónios motores medulares (medula espinhal) e do córtex motor são importantes serem encontrados no exame neurológico para o diagnóstico clínico.” “O exame mais importante para confirmação do diagnóstico é a electromiografia, um exame a ser realizado por neurofisiologistas, em particular com experiência em doenças neuromusculares. Em geral, este exame facilmente suporta ou excluí o diagnóstico”, acrescenta.

Os doentes devem ser acompanhados em unidades de neuromusculares com experiência na doença. “Está provado que esta abordagem aumenta o tempo de vida dos doentes.” O neurologista e professor salienta que “a tutela da maior parte dos países europeus tem determinado os centros que devem acompanhar estes doentes, de forma a melhorar os resultados clínicos. Tal nunca foi implementado em Portugal.”

A dor não ocorre nas fases iniciais da doença, os sinais clínicos de morte dos neurónios são importantes para o diagnóstico

A intervenção mais significativa em termos de impacto no tempo de vida, na própria qualidade de vida e no alívio sintomático, é a introdução de ventilação não invasiva a ser determinada pelo neurologista, ou pneumologista, ou outro médico com treino na área, tendo em conta as provas de função respiratória e os sintomas. “Outra intervenção relevante é a gastrostomia como meio de nutrir os doentes nos quais a deglutição está muito limitada. Mais uma vez, a indicação deve partir de médicos credenciados, após discutir com os doentes as vantagens e os riscos, pesando a função respiratória e o tempo expectável de vida”, refere Mamede de Carvalho que avisa que “soluções abruptas devem ser evitadas.”

Todos os apoios são bem-vindos nestas situações difíceis e dolorosas. “As associações dos doentes, em particular da ELA, têm um papel crítico no apoio dos doentes, como sucede com a APELA. A pequena dimensão desta associação não permite uma ação nas áreas científicas, mas cumpre bem o seu desiderato primordial. O apoio social aos doentes é fundamental. O suporte nas áreas clínicas é importante, em particular pelos técnicos de saúde da associação, ao serem enquadradas e sincronizadas com os médicos assistentes dos doentes, no respeito pelas competências e limitações de cada um.”

A colaboração de doentes e cuidadores na investigação científica é muito importante, sustenta o neurologista. É, realça, um “comportamento muito comum em todos os países ocidentais, mas ausente em Portugal. Importa estimular.” “Da investigação pode partir uma melhor solução para o futuro. O futuro certamente será melhor, mas temos de fazer algo para isso”, remata.