É uma das doenças do sistema nervoso mais incapacitantes e está associada a alterações hormonais que o organismo feminino sofre ao longo da vida. A enxaqueca é muito mais do que uma dor de cabeça. Rute Cardoso conta a sua história.
Durante a adolescência, tinha algumas dores de cabeça que passavam com um simples paracetamol. Recorda-se, porém, de ouvir a irmã com dores muito fortes na cabeça e de andar sempre prevenida com medicação. Por volta dos 18 anos, passa a sofrer de enxaquecas frequentes. O médico de família recomenda-lhe SOS sempre à mão, que ia resultando. Durante a primeira gravidez, livrou-se de enxaquecas. Nove meses fantásticos, sem dores. Mas depois do nascimento do primeiro filho, as enxaquecas voltaram com a mesma intensidade e regularidade.
“As crises pioraram drasticamente durante a gravidez da minha filha mais nova, gravidez essa em que tive enxaqueca crónica desde o quinto mês, que só veio a passar duas semanas após o nascimento. Os dias eram passados no quarto, sem luz, e com gelo na cabeça. Foi nessa fase que fui pela primeira vez a um neurologista, que me passou um preventivo compatível com a gravidez, mas que infelizmente não trouxe resultados”, conta Rute Cardoso, 41 anos.
Chegou a ter 20 dias de enxaqueca num mês e depois do nascimento da filha mais nova, crises e crises de dor intensa que chegavam a durar cinco dias seguidos. O trabalho ao computador tornou-se impossível nos picos de dor insuportável. Rute Cardoso é Business Intelligence (BI) Developer. Valeu-lhe a compreensão da entidade patronal que lhe permitia compensar posteriormente o tempo não trabalhado. “Não é fácil viver nessa instabilidade, sempre com receio da próxima crise, impossibilitando a gestão do meu dia a dia”, revela.
A enxaqueca é uma dor latejante e que se agrava com os movimentos da cabeça e com o esforço físico
Aprendeu a ler sinais das suas dores. “Noto que as crises não surgem sempre da mesma forma. Já identifiquei fatores que parecem poder desencadeá-las, como o stress, proximidade do período menstrual, cheiros intensos, calor. Por serem tantas as variáveis nunca consegui isolar os fatores ou padrões dos mesmos que originam uma crise.” Quando soube que havia um hospital com consulta especializada em enxaqueca e cefaleias, marcou imediatamente. Terapêutica preventiva, baseada em três medicamentos diferentes, diminuiu a frequência para uma média de sete dias de enxaqueca por mês. A médica que a acompanha identificou um SOS que costuma acalmar a dor e que, habitualmente, dura até ao dia seguinte.
A filha de Rute Cardoso começou também a queixar-se de enxaquecas aos seis anos de idade. “Tirando partido da experiência que já adquiri com a minha condição, iniciei o acompanhamento dela em neuropediatria e temos conseguido controlar”. “A escola que ela frequenta tem sido uma grande ajuda, seguindo as diretrizes e medicando-a correta e atempadamente quando os sintomas apontam para o início duma crise.” “Tem agora quase oito anos e já faz também parte da sua vida diária apontar num calendário as suas crises”, acrescenta.
A enxaqueca está, por vezes, associada ao ciclo reprodutivo feminino. Provavelmente são desencadeadas quando os níveis de estrogénio aumentam ou flutuam. Há uma maior prevalência depois da primeira menstruação. Nota-se uma preferência pelo período menstrual e um agravamento ocasional pelo uso de pílula anticoncecional ou de terapêutica hormonal. Pode atenuar ou desaparecer durante a gravidez ou na menopausa. Antes da adolescência, a enxaqueca afeta rapazes e raparigas por igual. A partir da adolescência, é duas a três vezes mais frequente no sexo feminino.
Um estudo português revela que 81% dos doentes referem que a enxaqueca tem um impacto negativo na sua vida profissional
Rute Cardoso esteve na criação da MiGRA Portugal – Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias. Uma associação de doentes criada por pessoas que sofrem desta doença invisível, com a finalidade de disponibilizar mais informação, possibilitando às pessoas lidar com esta doença incapacitante no seu dia a dia de uma forma mais elucidada – e com resultados potencialmente mais eficazes. “Foi esta premissa que me levou a juntar a um grupo de pessoas fantásticas para a criação da associação, e podermos lutar pelos nossos direitos e também consciencializar a população”, adianta.
As crises de enxaqueca severas são classificadas pela Organização Mundial da Saúde como uma das doenças mais incapacitantes do mundo, comparável à demência, quadriplegia e psicose ativa. A prevalência da doença é de cerca de 8% a 15% da população, sendo mais frequente do que a asma ou a diabetes.