Roupa informal no escritório. Sim ou não?

Nos setores mais conservadores, a formalidade continua a imperar

Informalidade no vestuário vai ganhando terreno no mercado laboral. A culpa é em parte das grandes empresas de tecnologia. Mas há marcas do passado que resistem.

Carlos Gonçalves, 33 anos, engenheiro de software, é um fã assumido de calções. Assim que o tempo quente dá sinal, lá corre para o armário à procura de opções que lhe permitam menos tecido e mais conforto. “É preciso ver que eu moro em Braga. De maio para a frente é um calor desgraçado”, acrescenta. Por isso, era habitual ir trabalhar de calções. Volta e meia, havia colegas que faziam o mesmo, mas mais esporadicamente.

“Um dia cruzei-me com a pessoa errada numa zona comum da empresa, pessoa essa que aparentemente não partilhou da alegria da utilização dos calções”, recorda, com sentido de humor. A pessoa errada era um dos superiores máximos da empresa, que estava de passagem e não ficou agradado com o cenário. Transmitiu, por isso, o desconforto ao superior direto de Carlos que, numa “conversa casual”, deu uma espécie de diretiva no sentido de os homens não usarem calções.

“O mais curioso é que, no momento em que a tal pessoa me viu, estava uma rapariga de minissaia ao lado. Mas o problema foram os meus calções.” Carlos faz questão de explicar que a situação não foi propriamente gratuita, na medida em que, na sede da empresa, em Lisboa, onde está o polo de negócios propriamente dito, havia efetivamente um dress code.

“Mas ali estávamos num polo de engenharia, onde não tínhamos contacto com clientes. Não fazia sentido. Isto passou-se em 2015, não em 1985.” Entretanto, Carlos saiu da empresa (não por causa disso, ressalva), mas soube que, face ao desconforto causado pela nega aos calções, a empresa acabou por implementar um dia por semana em que o vestuário usado pode ser informal. Quanto a ele, está hoje feliz numa grande empresa da mesma área, que não lhe coloca qualquer restrição em termos de indumentária.

O episódio vivido em 2015 ajuda, no entanto, a levantar a questão: já é hoje aceitável que um homem vá para o escritório de calções ou continua a ser malvisto? E uma mulher pode andar livremente no local de trabalho de minissaia e decote generoso sem ser alvo de reparos? Sara Baía, 37 anos, licenciada em Recursos Humanos e consultora interna nessa mesma área, numa empresa de transportes e logística, assinala as mudanças que se têm vindo a desenhar.

“Tem-se notado uma evolução. Sobretudo nas empresas multinacionais, muitas vezes nas empresas de tecnologia, há um salto grande em termos de informalidade, a todos os níveis. E o vestuário acompanha essa tendência.”

A política de não haver política

A Creative Lemons, empresa de produção audiovisual, design e publicidade, é um bom exemplo desse à-vontade. Liderada por Daniel Martins, 32 anos, outro fã incondicional dos calções, a firma tem uma política de vestuário simples: não haver política.

“Sinceramente foi uma questão que nunca se colocou, principalmente em relação aos nossos colaboradores. Como sempre estive à vontade para me vestir informalmente e vir de calções, isso nunca foi sequer assunto. Nem eu dei a entender que eles podiam andar como quisessem nem eles perguntaram, porque nunca sentiram sequer que pudesse haver essa condicionante.”

O facto de a empresa ter um ambiente informal em toda a linha explica o à-vontade. Em jeito de brincadeira, até já houve um colaborador a trabalhar de pijama durante um dia. Para Daniel, o CEO da empresa, a questão coloca-se, quanto muito, quando tem uma reunião com um cliente.

Na Creative Lemons, o vestuário que cada colaborador adota nunca foi sequer assunto. A liberdade é total
(Foto: Paulo Jorge Magalhães/Global Imagens)

“Mas ainda ontem fui a uma reunião de calções. Porque apesar de pensar nisso, na perceção que pode haver do outro lado, depois também penso: ‘Se for esse o critério para avançarmos, e não a qualidade de trabalho, não é um cliente que me interesse’.”

Joyce Doret, stylist, concorda que tem havido uma evolução. “Acho que [a progressiva informalidade no vestuário no local de trabalho] é muito mais bem-vista do que há 20 anos. Uma minissaia, um decote, um soutien à mostra já é hoje muito mais normal. Ao longo dos anos a formalidade foi-se perdendo. Cada vez mais importa que as pessoas estejam confortáveis. Depois, claro, há o bom senso.”

E os setores mais conservadores, onde a formalidade continua a imperar. “Na banca, no atendimento ao público, ainda não há essa abertura para um vestuário mais informal”, especifica Sara Baía. E há os meios-termos. A especialista em Recursos Humanos partilha uma experiência própria, relacionada com a empresa a que presta consultoria.

“Durante anos, apesar de não termos atendimento ao público presencial, havia um código de vestuário muito formal, de fato e gravata. Atualmente não. O estilo de vestuário aconselhado é o smart casual, um vestuário menos formal em que as pessoas estejam mais à vontade.”

Mas, então, há homens a ir trabalhar de calções, por exemplo? “Não. Apesar de não haver nada explícito, acho que continuam a não se sentir à vontade para isso. Nas mulheres creio que há mais abertura. Até por termos equipas muito jovens, é muito comum as meninas irem com um vestido mais curto. E nada lhes é apontado, claro.”

Paula Guerra, especialista em sociologia da cultura e da arte, com vasto trabalho desenvolvido na área da moda, ajuda a dar o contexto mais geral do assunto. “Podemos alargar a questão dos calções e das minissaias às tatuagens, aos cabelos, aos piercings. Há 20 anos eram coisas condenadas, as pessoas tinham de esconder. Agora, há já algum tempo que nos é permitido gerir esse tipo de situações.”

O termo gerir não é aqui aplicado ao acaso. “Há uma margem de manobra, dentro daquilo que são as tendências da moda e do multiculturalismo, mas é um dar e tirar, é feita uma espécie de gestão controlada. Há uma evolução que não é ditada por abertura total, antes por uma lógica de que é importante e politicamente correto admitir-se essa diversidade.”

As restrições que ainda persistem, os olhares de lado, os narizes torcidos, as reservas em relação ao que é mais ousado vêm-nos, pois, também da História. De um regime ditatorial que nos foi impondo cânones conservadores. E que levam tempo a ser ultrapassados.

“Há ainda muitos resquícios de uma ordem passada. Em Portugal, as lojas de pronto a vestir só chegaram já nos anos 1980. Noutros países chegaram logo no pós-guerra. Apesar de tudo vivemos uma mudança recente, uma espécie de fase de transição, uma continuidade de um passado que pode continuar a ditar juízos e valorações.”

A perspetiva jurídica

A propósito de restrições – e de resto, de dress codes no geral – há uma questão que se impõe: uma empresa pode obrigar ou proibir um trabalhador a vestir-se de determinada forma? A pergunta é simples, a resposta nem tanto. Rui Assis, especialista em Direito do Trabalho, ajuda a escrutinar a questão. Por partes.

“Antes de mais, a questão dos calções, por exemplo, convoca o tema da individualidade, que é no fundo a vida privada de um trabalhador. Ora, a vida privada pode ser a música que eu oiço, os filmes que eu vejo ou, claro, as minhas opções de vestuário.” Dito isto, Rui Assis defende que há uma premissa, uma espécie de regra base, que deve servir de esteio a qualquer discussão posterior.

“O ponto de partida é que o trabalhador, em contexto laboral, tem uma linha que o protege em relação à sua esfera privada. Ora, a regra, à partida, é que a minha esfera privada não é sujeita à determinação do empregador.”

O que não significa que não haja exceções a considerar. Rui Assis dá exemplos práticos. “Numa companhia aérea, por exemplo, não faz sentido que as hospedeiras possam vestir-se cada uma à sua maneira. Numa operadora de telecomunicações em que os funcionários incorporem a imagem da empresa, há obviamente de ter uma apresentação mais cuidada.”

Em suma, as regras de vestuário podem ser estabelecidas “apenas na medida em que tenham uma justificação muito consistente à luz do interesse legítimo da empresa”. Devem ser, portanto, encaradas como exceções à regra base do respeito pela individualidade do trabalhador.

E voltando a Sara Baía, especialista em Recursos Humanos, podemos então esperar um futuro com um vestuário cada vez mais informal? Tudo indica que sim. “Genericamente vamos percebendo que há cada vez mais empresas de outras áreas a importar as práticas associadas às empresas de tecnologia, desde a flexibilização dos horários de trabalho à própria indumentária.” Pode preparar os calções.