Jorge Manuel Lopes

Duas vidas dedicadas ao r&b


As escolhas musicais de Jorge Manuel Lopes.

Ao contrário do rock, seguir o fio à meada a carreiras no r&b após o apogeu comercial não é um processo facilitado, nem pela indústria discográfica, nem pela mediática. Todo o ritual é diferente: as reedições luxuosas e/ou os reembalamentos em vinil são drasticamente menores (exceções recentes: “Sign O’ the times” de Prince e a integral em LP “This far” de Sade), as aparições nos cartazes dos festivais de verão generalistas microscópicas. E no entanto elas (são quase sempre “elas”) prosseguem carreiras, na música mas também na televisão, cinema, “reality shows”, e prosseguem os seguidores, que não são poucos, formando uma insólita espécie de underground em pleno mainstream.

O mundo conhece Brandy sobretudo por “The boy is mine”, o dueto com Monica que explodiu em 1998, quando do oceano do r&b brotavam pérolas diárias. A cantora, compositora, produtora e atriz continuou carreira em vários formatos, e em “B7”, o primeiro álbum desde 2012 e registo de estreia da sua própria editora, apresenta um trabalho que conduz o ouvinte para um ambiente de quatro da madrugada. É dos seus registos menos lineares, com alguns momentos a lembrar gente mais associada ao vanguardismo, como Dawn Richard. Há canções em estado líquido e gasoso, vozes multiplicadas que se cruzam no espaço, e fantasias digitais que não abdicam de algum esqueleto rítmico e da voz virtuosa e clássica q.b. de Brandy, e esse equilíbrio é o segredo de uma obra surpreendente.

Cinco anos antes de Brandy, Toni Braxton obtinha o primeiro de dois êxitos ubíquos com “Breathe again”. Seguido, em 1996, pelo ainda mais famoso “Un-break my heart”. Ao décimo álbum, “Spell my name”, a também cantora, compositora e produtora mantém-se em terreno seguro: os temas em baixa rotação mas elevada intensidade são maioritários. Há ótimos episódios de funk, disco e r&b à moda da década de 1990, tudo roupas familiares e que assentam bem numa das vozes contralto mais reconhecíveis da música popular, a que se junta uma rasante ao hip-hop graças à preciosa aparição de Missy Elliott em “Do it”. “Spell my name” não oferece os desafios de “B7” mas a elegância, rigor e refinamento da sua linguagem são à prova de bala.