Desperdício alimentar, uma luta que devia ser de todos

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Em média, estima-se que cada português deita 100 quilos de comida para o lixo por ano. Na maioria das vezes, por desconhecimento do que fazer com as sobras e por não saber interpretar os prazos de validade ou como conservar os alimentos.

Todos os anos, 89 milhões de toneladas de alimentos adequados para consumo humano são perdidos ou desperdiçados nos países que fazem parte da União Europeia. As famílias são apontadas como responsáveis por 53,6% desse valor, ou seja, 47 milhões de toneladas. O desperdício alimentar começa nas decisões e nos comportamentos dos consumidores. E não só.

A partir de 2020, por decisão das Nações Unidas, 29 de setembro é o Dia Internacional da Consciencialização Sobre Perdas e Desperdício Alimentar. Uma maneira de sensibilizar para o problema e alertar para possíveis soluções e esforços globais e coletivos. A sensibilização vem de vários lados e de diversas formas. Há sugestões para aproveitar as sobras alimentares e as partes que normalmente vão parar ao lixo. Vendem-se produtos em fim de validade com descontos. Doam-se alimentos a instituições de solidariedade. O PAN, partido político, quer que as grandes superfícies e as cantinas públicas passem a ter o dever legal de doar os géneros alimentares que tenham perdido a sua condição de comercialização, mas que continuem em condições de serem consumidos – e já apresentou um projeto de lei.

O desperdício alimentar é um assunto de todos. A distribuição de bens carrega, na sua raiz, desigualdades. Uns têm mais, outros têm menos. E o desperdício alimentar é um problema. Muita produção sem destino, apenas uma parte consumida, o que sobra vai para o lixo. Como sensibilizar a população para esta questão? “A melhor forma de sensibilização passa pela informação e formação, as pessoas desde novas saberem o que é gerado, como é gerado, o que necessitam, e o que as decisões que individualmente tomamos afetam o todo e que, particularmente na alimentação, podem gerar desperdício, criando muitas vezes desigualdades”, refere Nuno Jardim, diretor-geral da CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo.

“Muitos alimentos estão em perfeito estado de utilização e não faz sentido deitar fora porque não foram vendidos”
Nuno Jardim
(diretor-geral da CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo)

“Desde novos que devemos incutir a boa gestão da nossa alimentação e definir, de forma mais rigorosa, o que compramos para consumirmos apenas o que necessitamos. Vai com certeza trazer melhor saúde, menos gasto financeiro e, claro, menos desperdício”, sublinha o responsável.

Os restos de uns são a comida de outros. Tudo devia ser aproveitado, nada deveria ser desperdiçado. Segundo Nuno Jardim, várias instituições têm feito um bom trabalho nesta área, promovendo a recolha diária de alimentos de superfícies comerciais, mesmo, destaca, “apesar de todas as exigências inerentes e da falta de recursos humanos e técnicos que por vezes existe.”

Há vários anos que o que sobra na alimentação é aproveitado, utilizado e reintroduzido na cadeia alimentar, nomeadamente através do trabalho de várias associações que fazem doações aos seus utentes. “Muitos alimentos estão em perfeito estado de utilização e não faz sentido deitar fora porque não foi vendido.” Cadeias alimentares, restaurantes, mercearias fazem essas doações.

“O trabalho a fazer passa por nós, consumidores, termos mais informação sobre como funciona a rede e como podemos ajudar na redução do desperdício”, sublinha o diretor-geral da CASA. Mas há ainda muito para fazer. “O Estado, via comunicação social, via escolas, universidades, e outros meios de comunicação, deve investir para que todos saibamos como atuar, como diminuir o desperdício e como utilizar na plenitude os alimentos.” “Como estruturar um frigorífico ao nível da distribuição dos alimentos e como organizar uma despensa, no fundo sabermos como fazer uma gestão eficiente da nossa economia familiar”, acrescenta Nuno Jardim.

O que podemos e devemos fazer em casa para evitar o desperdício alimentar? Uma melhor gestão da economia doméstica, adquirir apenas as quantidades necessárias, não descurar o armazenamento dos alimentos. São passos para atenuar um problema que é educacional, informativo, económico, ambiental, social. “Não sou um apologista de obrigações, as pessoas para o fazerem corretamente necessitam compreender o objetivo, parece-me muito mais eficaz haver uma informação contínua sobre a temática e agilizar alguns procedimentos legais para a distribuição alimentar”, defende.

Uma gestão eficiente da economia familiar é um pormenor importante para evitar o desperdício alimentar

“O que precisamos todos é de mais informação e formação, esses parecem-me pontos mais úteis para que possamos reduzir e até acabar com desperdícios, sejam eles quais forem.” A pandemia veio alertar para a importância de evitar o desperdício alimentar? Nuno Jardim tem a sensação de que nada mudou. “Julgo que a pandemia gerou outras preocupações nas pessoas que, se olharmos para o momento atual, vemos uma ânsia grande da normalidade que conhecíamos e que nos trazia segurança. Sou um pouco cético no sentido de a pandemia ajudar a mudar algo no sentido positivo no mundo, seja ambiental, social ou político, temo que tenha o efeito oposto, mas isso também vai depender dos diversos discursos e da comunicação que vai sendo feita, nomeadamente na comunicação social e nos diversos agentes da nossa sociedade”, comenta.

Várias empresas e estruturas fazem doações. O Pingo Doce é um desses exemplos. Fernando Ventura, chefe da área de Projetos Ambientais de Eficiência e Inovação do Grupo Jerónimo Martins, refere que a empresa foi o primeiro grupo de retalho alimentar em Portugal a calcular, a verificar de forma independente, e a divulgar publicamente a sua pegada de desperdício alimentar.

“Estando consciente de que os recursos do planeta são finitos, e no âmbito da sua política de atuação sustentável, o Pingo Doce assume há muitos anos o combate ao desperdício alimentar como uma missão, em diferentes vertentes. Só em 2019, evitou-se o desperdício de cerca de 10 700 toneladas de alimentos, através de diversas iniciativas, sendo a cadeia de retalho alimentar que mais alimentos doa em Portugal”, revela.

Este grupo económico atua em quatro vertentes no que diz respeito ao desperdício alimentar. A doação de alimentos faz parte da sua política. “Quando os alimentos estão aptos para serem consumidos, mas não para venda, são doados a IPSS que apoiam pessoas em situação de vulnerabilidade nas comunidades próximas das lojas Pingo Doce. Atualmente, são apoiadas regularmente mais de 500 instituições, sendo que, só no primeiro semestre deste ano, foram doadas cerca de 2 800 toneladas de alimentos”, garante Fernando Ventura.

Cadeias alimentares fazem descontos nos produtos em final de validade

Os “legumes feios” são outra forma de não desperdiçar alimentos aptos a consumir. São legumes com tamanhos, cor ou forma não padronizados, mas com perfil nutricional igual aos outros. “Estes legumes são comprados aos produtores e incorporados nas sopas confecionadas nas cozinhas centrais, ou transformados em legumes prontos a utilizar. Só em 2019, o Pingo Doce utilizou mais de 3 700 toneladas de legumes não calibrados em sopas e produtos de 4.ª gama.”

Descontos nos produtos em final de validade é outra estratégia. Fernando Ventura lembra que essa iniciativa foi implementada em março de 2019 e “permitiu evitar o desperdício de 1 100 toneladas de alimentos, até final desse mesmo ano.” Além disso, o grupo tem receitas de desperdício zero online e na sua revista “Sabe Bem”, precisamente para aproveitar partes de alimentos ou sobras de refeições que habitualmente não são valorizadas. Mais uma forma de evitar o desperdício, poupar dinheiro, preservar recursos.