Valter Hugo Mãe

De regresso à pandemia


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Na verdade, enquanto o Governo se manteve a pedir apenas responsabilidade quis desresponsabilizar-se de tomar medidas que, claro está, propendem para ser impopulares.

Não havia terminado, mas é verdade que para uma vasta maioria a pandemia se tornara algo especulativo, um tópico para opiniões sem demasiado compromisso. Afinal, a economia não pode parar e os efeitos do isolamento não podem significar o colapso profissional e o fim da maturação escolar de tantos milhões. Julgo, contudo, que ninguém quis ser avisado de que, na verdade, isolamento é sobretudo cuidado, não é deixar de trabalhar ou de estudar. É usar máscara (saber que máscaras são seguras e não cair no engodo dos paninhos enfeitados que caem do nariz), é higienizar as mãos, cumprir dois metros de distância. Isolamento passou a ser consciência de uso da normalidade possível, não implica ausência ou confinamento absoluto. Significa contenção e respeito.

Claro que do Governo, uma e outra vez, se esperava uma comunicação mais assertiva, onde não basta que António Costa peça uma conduta responsável a todos. Não é assim que resolve a pandemia, como não é assim que resolve a corrupção, o furto ou o roubo, a infracção no trânsito ou a má inclinação clubística. A prevaricação que a lei sanciona não acaba com a ternura de se pedir respeito. Julgar que com um pedido assim se está a agir contra uma pandemia tem de ser um placebo que engana os que querem muito ser enganados. Na verdade, enquanto o Governo se manteve a pedir apenas responsabilidade quis desresponsabilizar-se de tomar medidas que, claro está, propendem para ser impopulares.

Voltámos à pandemia porque os números exigem e os hospitais ameaçam deixar de ter condições para receber todos os doentes, e os mortos aumentam consideravelmente e já os espíritos mais especulativos prestam atenção à necessidade de entender isto que se torna concreto.

Com as novas medidas sobram as dúvidas. A comunicação continua a investir no assim-assim. Retive, por exemplo, a ideia de serem admitidas as festas familiares de até 50 pessoas quando marcadas a partir de agora. As festas marcadas anteriormente poderão exceder esse número. Enfim. Todos os aniversários e o Natal estão, por definição, combinados. Na verdade, quem vai fiscalizar algo como isto? A marcação começa no dia em que alguém decide juntar a família ou no dia em que o comunica à primeira pessoa? E quem da família vai denunciar às autoridades que a ideia começou depois de 15 de Outubro?

Não sei se, novamente, perante a notícia mais assustadora e constante, não voltará a ser a comunidade a tomar iniciativas que apenas depois o Governo dará como necessárias e obrigatórias. Hoje, vi uma das vizinhas a usar pela primeira vez máscara. Foi absolutamente a primeira vez que desceu pelo prédio já de máscara e assim ficou na rua. Nada até agora a havia convencido. É assinalável, de qualquer modo, que o faça antes que o Governo o dê como fundamental, sem rodeios nem hesitações.

Parece que, depois de cada passo, é com as perguntas da imprensa que o Governo entende o que quer ou não quer dizer com aquilo que decreta. Como se medisse a sensibilidade da imprensa para saber se avança ou não com as medidas a que alude com bastante imprecisão.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)