Jorge Manuel Lopes

Dançando pela igualdade


O gatilho foi o homicídio de George Floyd em maio. Reforçado pelo assassinato de Bruno Candé Marques em Lisboa, a 25 de julho. E se o racismo vem perdendo a vergonha (mas também os meios para passar despercebido), o antirracismo nunca foi tão mobilizador. E urgente. “Labanta Braço” é uma compilação de 37 criadores negros, portugueses ou aqui residentes, organizada pela revista digital de música Rimas e Batidas (ReB) e pelo programa da NiTfm Raptiliário e que, lê-se no ReB, apela à união “por todas as vítimas do racismo e da opressão social”. Existe em formato digital no Bandcamp, onde é descarregável a partir de um euro. As receitas seguem para a SOS Racismo.

“Labanta Braço” não é bem o que se pensa quando se pensa em músicos que se reúnem por uma causa, protesto, celebração, em parte porque deixa praticamente de fora o meio mais direto de passar mensagens: as palavras ditas ou cantadas. Elas figuram, cerradas e fortes, na abertura, de Nástio Mosquito, “Sejamos perigosos… hoje!”. A que se seguem 36 temas inéditos e onde, com uma exceção (Herlander), a voz humana, quando aparece, é samplada ou tratada como uma camada sonora entre muitas.

A compilação surpreende pela consistência estética. Mesmo não estacionando num género durante muitos minutos. Ainda assim, abunda aquilo a que se pode chamar, correndo o risco de abrir um guarda-chuva demasiado vago, hip-hop instrumental. Também abundante, e particularmente vibrante, é a música de dança assente em ritmos de ADN africano, do sopro de vida que sai de “Uma das ilhas”, de Danykas DJ, à festa contagiante de “Diamante negro” de DJ Lycox, ou a aproximação à eletrónica surrealista dos Yello ao longo de “420” de Nigga Fox. Pelo meio, múltiplas peças difíceis de catalogar, do funk motorizado e notívago de “Ruas tensas” de Ângela Polícia à trilha sonora de uma cena de amor de um filme americano de 1985 contida nos mecanismos lentos de “Scar tissue” de El Conductor. O otimismo que atravessa “Labanta Braço” é bem superior ao que seria legítimo esperar. E para lá da causa nobre que o teceu, calha de ser um retrato do melhor, e mais generoso, que a música moderna portuguesa tem para mostrar em 2020.