O Natal não será igual a nenhum outro. Famílias separadas, mesas com menos gente, netos sem os avós, filhos longe dos pais. As estratégias para manter o espírito da época de amor e de afetos.
Netos que não estarão com os avós, filhos que não irão a casa dos pais, crianças que não verão os primos, tios e cunhados que não se reencontrarão. Os que estão longe, os que emigraram, os que não podem viajar. Este Natal não será igual aos outros, não será normal, como já garantiu o primeiro-ministro. Pelas restrições por causa da pandemia, pelos impactos emocionais da ausência e da distância.
A normalidade será uma impossibilidade no atual contexto com avisos constantes para os riscos associados à quadra festiva e a necessidade de evitar uma nova vaga nos primeiros meses de 2021. “Não é fácil. Para os mais velhos, mais difícil é; os mais novos vão tendo outro tipo de contacto, de afeto dos pais. Os mais velhos ficam mais isolados e em relação ao toque estão mais vulneráveis”, destaca Raquel Barbosa, psicóloga clínica. “O carinho também se pode manifestar através das palavras, da expressão verbal. É importante continuar a manifestar os afetos mesmo à distância, escrevendo uma carta, um postal para quem está mais longe, fazendo videochamadas”, sublinha a psicóloga.
É estar ali de alguma forma, na voz, numa imagem, num vídeo, numa fotografia. Não é a mesma coisa, mas diminui a dor da ausência física. “É importante manter o contacto e manifestar o afeto de muitas formas. As pessoas têm necessidades diferentes e essa sensibilidade nem sempre é fácil perceber”, refere Raquel Barbosa. Ter menos gente em casa e à vez durante os dias de Natal, combinando horários, é uma opção. “Depende do bom senso e das condições físicas de cada casa.”
O Natal faz parte do imaginário dos mais novos. O Pai Natal pode continuar a deixar presentes ao pé da árvore, as famílias podem deixar prendas à porta de casa uns dos outros com uma videochamada antes e depois da missão natalícia. Segundo Patrícia Macho, pedopsiquiatra, as restrições e regras de saúde pública entranharam-se nas rotinas das crianças, adolescentes, jovens. Custou, no início, agora faz parte da normalidade. Escrever cartas aos familiares, sobretudo aos avós, enviar fotografias de outros natais e momentos especiais, oferecer presentes, tentar que o Natal seja um pouco igual, com menos gente, é certo, mas com o colo, abraços e mimos dos pais. “O mais importante é manter o contacto, nem que seja por videochamada e o Pai Natal pode estar presente.”
É um Natal comprometido por todas as circunstâncias. Mesmo assim, há vontade de suavizar ausências. “Há muito empenho para minimizar o que ninguém pode substituir: o abraço da família”, garante Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. As novas tecnologias tornaram-se aliadas ainda mais fortes e presentes no dia a dia, fazem-se videochamadas através de várias plataformas – tudo ao dispor para manter o contacto com quem está a cinco ou a cinco mil quilómetros de distância.
As dinâmicas dos lares de idosos são essenciais para animar os residentes, principalmente nesta altura. Decorar a árvore em conjunto, ajudar nos bolos da época, ter músicas da época como som de fundo. Escrever cartas para a família de perto ou de longe durante um Natal sem beijos e abraços. “Animá-los de todas as formas e feitios, depois é a imaginação de cada lar e de cada idoso que leva a fazer coisas diferentes.” As visitas aos lares não estão fechadas, mas não são a mesma coisa, feitas através de vidros ou acrílicos, sem toque, sem abraços. “As videochamadas resultam bastante bem, mas é sempre diferente não ter a visita presencial”, observa João Ferreira de Almeida, presidente da ALI – Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos.
As restrições são apertadas, há que tentar manter o espírito com decorações que envolvam quem quer participar para atenuar a ausência e a solidão. “Depende também da dinâmica dos profissionais de animação ocupacional.” Para que o Natal não passe ao lado de quem não pode ir a casa cear com os seus nesta altura. Os mais velhos sofrem com a distância, com a solidão, com a ausência, com o abandono. Não apenas no Natal. “Temos de ter noção de que se trata de um problema estrutural que precisa de uma resposta organizada”, avisa Maria João Quintela, presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia. “Todos somos poucos para fazer sentir melhor os idosos na sociedade, para dar resposta às necessidades sociais.” E se os mais velhos estão bem, as famílias estão bem também.
Escalas para comunicar todos os dias
As famílias são o grande pilar e manter os contactos, com os constrangimentos atuais, é fundamental no Natal e nos restantes dias do ano. Definir uma escala familiar para os telefonemas ou videochamadas é uma estratégia para que praticamente todos os dias haja conversa com quem está longe, em instituições ou em sua casa. Os laços familiares são insubstituíveis. “Se se sentem abandonados pelos seus, estão em sofrimento.” E Natal é sinónimo de amor e de afeto.
A comunicação é fundamental, falar à distância exige tecnologia, e o país deveria ter rede em todo o lado onde há gente. “O diálogo com empresas de comunicação e outras de novas tecnologias é muito importante. O próprio Estado devia ter uma área organizada ou uma comissão que se preocupasse especificamente com esta questão.” As rádios locais também são bons aliados de combate à solidão e ao isolamento nos meios mais rurais. São uma companhia para os mais velhos. A teleassistência e os programas de proximidade da PSP e da GNR às populações mais isoladas, sobretudo aos idosos, são bons serviços, bons exemplos.
A sociedade, autarquias, entidades locais, forças vivas, voluntários, todos têm de estruturar respostas organizadas no combate à solidão dos mais velhos. Para Maria João Quintela, “é preciso aprimorar o conhecimento que se tem do papel dos mais velhos para que se perceba exatamente qual é o valor, e não os custos, dos mais velhos”. No Natal e em qualquer altura.
Sugestões
- Marcar videochamadas na ceia, durante o dia 25 ou depois, quando as famílias estiverem reunidas em suas casas e quiserem comunicar.
- Uma ceia com o computador à mesa a servir de ligação entre a família espalhada por várias casas.
- Escrever cartas, postais, enviar fotografias, vídeos. Netos para avós, avós para netos, primos para primos, filhos para pais, pais para filhos.
- Manter a tradição dos presentes. Deixar prendas à porta e abri-las durante uma video chamada.
- Surpreender a família, enviar presentes pelo correio, deixar na caixa de correio bilhetes de amor.
- Envolver os mais velhos que residem em lares ou frequentem centros de dia nas decorações de Natal.
- Há linhas gratuitas para combater a solidão e o isolamento dos idosos, dos mais vulneráveis. A SOSolidão (800 912 990) da Fundação Bissaya Barreto é um exemplo.