Compostagem: de resíduo orgânico a fertilizante

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a compostagem doméstica "poderá ter benefícios importantes ao nível da minimização da pegada carbónica" (Foto: PxHere)

A compostagem caseira permite obter fertilizante para adubar o solo utilizado na agricultura, nas hortas ou na jardinagem. Uma iniciativa ao alcance de qualquer pessoa e que alguns municípios incentivam. Duas famílias referem o que as motiva a reciclarem matéria orgânica.

Há “quase meio século” José Filinto Trigo começou a ganhar consciência para a reciclagem da matéria orgânica produzida em casa. Tinha nove anos e acabara de mudar para uma moradia, em Famalicão. “Os meus pais colocaram um compostor no fundo do quintal”, conta o engenheiro civil, de 56 anos, com o palpite de que provavelmente a motivação “não tenha tido por base razões de proteção ambiental como hoje as interpretamos”. Acredita, pois, que o intuito tenha sido “resolver uma boa parte do problema da recolha do lixo” que era produzido e “aproveitar o composto como fertilizante” na pequena horta.

Mais recentemente, há 11 anos, com a aquisição de uma vivenda também em Famalicão, Filinto teve a oportunidade de reproduzir o engenho. Nessa altura, a esposa, Maria de Fátima, de 48 anos e engenheira civil de profissão, iniciou-se na compostagem caseira. Os filhos do casal – João de 16 anos, Ana de dez e Beatriz de sete – apreendem as ações em prol do ambiente.

Marlene Marques, engenheira do ambiente e presidente do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, refere alguns benefícios associados à compostagem caseira. Ao nível individual e familiar, ajuda a “mudar estilos de vida e compreender alguns ciclos da natureza que estão muito esquecidos, principalmente nas áreas urbanas”. No seio da comunidade, é um contributo para a redução dos indiferenciados, uma vez que “os resíduos valorizados correspondem a 40% do lixo doméstico”.

O compostor desta família, que divide o tempo entre a moradia e o apartamento no Porto, é constituído por uma manilha de betão colocada sobre paralelepípedos, de forma que, estando ligeiramente elevada do solo, permita retirar o composto. “Colocamos essencialmente verdes. Ao lado, acumulamos alguns resíduos castanhos, ou seja, os ramos mais finos das podas de árvores de fruto, folhas secas e a relva resultante dos cortes que realizo com alguma frequência”, diz Filinto.

A família de José Filinto Trigo reconverte matéria orgânica em casa, em Famalicão
(Foto: Paulo Jorge Magalhães/Global Imagens)

A proporção de verdes deve ser superior à de castanhos, segundo a presidente do GEOTA. “É importante manter o equilíbrio desejável dos nutrientes”, diz, indicando que devem colocar-se camadas alternadas, para assegurar o arejamento, sendo a última camada de castanhos, para prevenir odores indesejáveis.

Cátia Godinho é coordenadora de projeto nas áreas de resíduos orgânicos, compostagem e agricultura urbana na Circular Economy Portugal (CEP) e comenta que as pessoas geralmente pretendem obter resultados rapidamente quando começam a fazer compostagem caseira. “É um processo lento. Quem tem experiência pode conseguir composto em cerca de três meses, mas os principiantes podem demorar aproximadamente nove meses”, aponta a colaboradora da CEP.

Na residência de Filinto, o maior volume de lixo orgânico é produzido no jardim, com as podas das árvores e cortes de relva. No interior, está associado a cascas, restos de preparação de legumes ou de comida. “Parece-nos absurdo colocar o lixo orgânico num saco, levá-lo até ao ponto de recolha do camião do lixo, que o transportará para a estação de tratamento de resíduos sólidos urbanos distanciada a cerca de 20 quilómetros”, observa o engenheiro civil, evidenciando “a solução simples” que tem em casa. “O lixo orgânico desloca-se apenas 15 metros e já não contribui para aumentar as imensas pilhas que se amontoam nas unidades de tratamento do lixo.”

Iniciativas que (in)formam

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a compostagem doméstica “poderá ter benefícios importantes ao nível da minimização da pegada carbónica”. Primeiro, reduz os transportes de recolha de resíduos; segundo, transforma a matéria orgânica num produto com valor, evitando emissões relacionadas com a deposição em aterro. Para a APA, só com uma “compostagem de qualidade” é que se evita a contaminação do solo, a libertação de gases ou a proliferação de vetores. Aconselha, por isso, todos os interessados a contactarem o município ou sistema de gestão de resíduos urbanos para se informarem sobre a existência de campanhas que envolvam ações de formação e/ou distribuição de compostores.

Lisboa a Compostar concretiza uma medida de 2017 prevista no Plano Municipal de Gestão de Resíduos de Lisboa. Com este projeto, a Câmara Municipal de Lisboa pretende diminuir os resíduos encaminhados para incineração e reter a matéria orgânica no município, para completar o ciclo de vida dos resíduos. Segundo a edilidade, até ao momento, houve “quatro mil inscrições e contactos diários com pedidos de informação. Foram distribuídos 2104 compostores domésticos e na compostagem comunitária, feita em cinco locais da cidade, participam 85 munícipes”.

Anualmente, a Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto trata cerca de 500 mil toneladas de resíduos urbanos produzidos por aproximadamente um milhão de habitantes. A Horta da Formiga é uma entre várias iniciativas que esta entidade promove na área da educação ambiental. Foi através desta ação que Ana Costa obteve o compostor que colocou no jardim e o balde que tem na cozinha para ir enchendo de resíduos orgânicos. A investigadora científica na área da microbiologia nasceu em Famalicão há 38 anos e há 15 que vive no centro do Porto, altura em que se tornou sócia da Vento Norte – Associação de Defesa do Ambiente e Ocupação de Tempos Livres.

Ana Costa vive no Porto e só põe no lixo o que não pode mesmo ser reciclado
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

A sensibilidade de Ana para as questões ambientais tem génese na infância. A começar pelos pais que fazem compostagem na própria terra. Há cinco anos reproduziu o método no quintal da sua vivenda, onde tem algumas árvores de fruto e ervas aromáticas, mas teve conhecimento do projeto da Lipor, inscreveu-se e participou na atividade formativa. “Usamos o composto nos vasos e nas plantações na terra. É um bom fertilizante”, menciona Ana, que já converteu o marido, Daniel Carvalho, de 38 anos, à reciclagem e à compostagem. “É o mínimo que posso fazer pelo ambiente. Não dá assim tanto trabalho e traduz-se em valor”, acrescenta a investigadora, que só deita no lixo aquilo que não “pode mesmo ser reciclado”, como a areia das quatro gatas. “Estou à procura de uma solução milagrosa. Há quem eduque os felinos a irem à sanita, mas as minhas não vão.”

Em Famalicão, Filinto e Maria de Fátima vão continuar o mesmo caminho em prol do ambiente. “O facto de estarmos a educar, acreditando que o nosso comportamento venha a ser reproduzido pelas famílias dos nossos filhos, também nos entusiasma”, sublinha Filinto. “Vivemos tempos de mudança. É tempo de agir e a compostagem caseira está ao alcance de todos”, afirma a presidente do GEOTA.

Utensílios para a compostagem

• Compostor
• Tesoura de podar para diminuir alguns dos resíduos
• Ancinho para manusear o material
• Termómetro
• Regador
• Terra para plantas para acelerar a compostagem

Colocar no compostor

Marlene Marques, presidente do GEOTA, especifica quais os resíduos para compostar:

Castanhos (ricos em carbono e secos)
• Folhas secas
• Relva cortada seca
• Palha ou feno
• Resíduos de podas
• Aparas de madeira e serradura
• Carumas
• Cascas de batatas

Verdes (ricos em azoto e húmidos)
• Folhas verdes
• Ervas sem semente
• Flores
• Aparas de relva frescas
• Restos de vegetais e frutas
• Borras de café
• Folhas e saquetas de chá
• Cascas de ovo esmagadas

Não colocar no compostor

São muitos os resíduos que não servem para a compostagem caseira. Cátia Godinho, da Circular Economy Portugal, indica alguns:

• Comida cozinhada
• Ossos e espinhas
• Carne, peixe e marisco
• Óleos e gorduras
• Laticínios
• Cinzas de carvão mineral
• Excrementos de animais domésticos
• Beatas de cigarros
• Materiais não orgânicos

Tipos de compostores

Compostor duplo – Colocar dentro de um caixote de lixo dois tijolos e em cima outro caixote mais pequeno, perfurado por baixo e nos lados
Compostor de madeira – Recipiente do género de caixa de fruta com tampa
• Amontoar o material, no terreno, dando a forma de uma pirâmide
• Abrir um buraco na terra, colocar os resíduos orgânicos e cobrir com terra ou folhas secas
• Existem ainda compostores à venda em superfícies comerciais e/ou oferecidos no âmbito de programas ambientais