Os benefícios de uma alimentação saudável não são apenas físicos e podem assumir especial relevância para quem sofre de ansiedade e de depressão.
Para quem gosta de chocolate, um pequeno pedaço a derreter na boca é sinónimo de um momento de prazer. Há uma explicação biológica e neurológica para o facto. Pela presença de determinadas substâncias, este e outros alimentos desencadeiam ações no cérebro e não apenas nas papilas gustativas. A alimentação pode ajudar no tratamento de estados depressivos e promover a saúde física e mental, aumentando a qualidade de vida e reduzindo o risco de depressão.
Inês Pádua, nutricionista e consultora alimentar, nota que “existem dois grupos diferentes de alimentos. Os que química e biologicamente têm na sua matriz propriedades que podem interferir com a sensação de bem-estar. E aqueles em que isso não acontece de uma forma tão expectável, uma vez que quimicamente não é suposto, mas que, por outros motivos, causam essa sensação, porque sabem bem ou remetem para memórias”.
A especialista explica que “os alimentos em que está presente o aminoácido triptofano potenciam a produção de serotonina, o chamado neurotransmissor da felicidade, que atua não só a nível do humor, mas do sono, da libido e da dor”. Mas a conversão do triptofano, presente nas proteínas, em serotonina, só acontece se existirem boas condições à absorção, como níveis adequados de vitamina b6, minerais como magnésio e zinco, fibras e hidratos de carbono complexos.
“Pessoas emocionalmente fragilizadas são mais propensas a dependência alimentar e a procurar refúgio no açúcar”
Inês Pádua
nutricionista
A também investigadora da Universidade do Porto garante que “numa alimentação equilibrada, a produção de serotonina está assegurada”. Contudo, se o triptofano não for consumido nas quantidades recomendadas, ou se não existir o ambiente favorável à conversão, essa produção fica condicionada. “Podemos potenciá-la através da alimentação.”
Alimentos que criam esse ambiente propício, como frutos de casca rígida, nomeadamente a noz, que fornece ácidos gordos como ómega 3, são importantes para o bom funcionamento da função cerebral. A amêndoa e a avelã também apresentam benefícios. A aveia, fonte de magnésio, ajuda no aporte de fibras e promove saúde intestinal. E é precisamente no intestino que se dá a maior conversão de triptofano em serotonina (cerca de 90%). A nutricionista refere ainda a banana, fonte de magnésio, produtos lácteos como leite, que desperta não só a serotonina, mas a melotonina, e o chocolate preto, que funciona a nível químico e sensorial.
Inês afirma que vários estudos “têm associado a necessidade de ter especial cuidado com a alimentação em pessoas com patologias de ansiedade e depressão. Aliada à medicação, pode ser uma ajuda importante”.
A especialista revela que é de extrema importância optar por hidratos de carbono complexos, e não açúcares simples: “Pessoas emocionalmente fragilizadas são mais propensas a dependência alimentar e a procurar refúgio no açúcar, que não tem benefício nenhum. Pelo contrário, causa picos de energia, que baixam rapidamente e obrigam a ingerir de novo. É um bocadinho como a diabetes”. A compulsão pode provocar efeitos ao nível da perceção da imagem corporal, que provoca quebras na autoestima. É o chamado efeito bola de neve, sendo frequente que pessoas com excesso de peso assumam que tiveram ou têm depressão ou ansiedade e que isso as faz comer de forma emocional.
O tesouro mediterrânico
No estudo de 2017 “Alimentação e Depressão”, Inês Senra, da Universidade do Porto, ressalva que “a presença de sintomas depressivos se mostrou associada a uma alteração dos hábitos alimentares”, como um maior consumo de alimentos considerados de conforto, “por norma ricos em açúcares simples e ácidos gordos trans e saturados, o que pode aliviar momentaneamente os sintomas, mas agravar os episódios depressivos a longo prazo”. Isto, para além de aumentar o risco de desenvolver outras doenças crónicas, como a obesidade, “que também está relacionada com sintomas depressivos”.
Na pesquisa, orientada por Maria João Gregório, diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, reconhece-se que “há evidência que aponta para um provável efeito protetor de determinados padrões alimentares e nutrimentos específicos na depressão, através de mecanismos metabólicos como a diminuição do stresse oxidativo e de marcadores inflamatórios, melhoria da função endotelial e alteração da síntese e funcionamento da serotonina”.
A dieta mediterrânica pode ser interessante no tratamento da patologia depressiva, por se tratar de um “padrão alimentar que garante uma ingestão adequada de ácidos gordos poli e monoinsaturados, uma ingestão praticamente nula de ácidos gordos trans e que privilegia o consumo de hortofrutícolas e cereais integrais, ricos em vitaminas, minerais e fibra”. É recomendada a atividade física regular e a convivência com a família e/ou amigos às refeições.
“Nos últimos dez anos tem havido um crescente interesse no estudo da relação entre alimentação e depressão”
Lia Moreira
pedopsiquiatra
Um outro estudo, publicado este ano pela revista académica “Plos One”, elucida a importância do que comemos na resposta dos sistemas imunológico e metabólico. “Se ingerirmos uma refeição mediterrânica, tipicamente portuguesa, com massa, tomate, azeite e peixe, a resposta é imediata, contrariamente ao que acontece com a fast-food. Existe uma grande diferença em termos metabólicos, pois quimicamente tudo interage e contribui para um ambiente favorável ao bem-estar”, especifica Inês Pádua.
Lia Moreira, pedopsiquiatra na Clínica Médica Arrifana de Sousa e no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, sublinha que “nos últimos dez anos tem havido um crescente interesse no estudo da relação entre alimentação e depressão, associada à baixa produção de monoaminas, substâncias derivadas de aminoácidos, como a serotonina, dopamina e noroadrenalina”.
A depressão relaciona-se com estados inflamatórios do cérebro, rico em gorduras e ácidos gordos, como os ómegas 3 e 6, essenciais na regeneração das células. Por isso, “fala-se cada vez mais da importância de o tratamento para a sintomologia depressiva ser complementado com a suplementação”. A pedopsiquiatra destaca as nozes, sementes de chia e de linhaça, azeite e peixes como sardinha, salmão e atum, que se forem de mar, e não de aquacultura, são ricos em ómega 3.
A Universidade de Vermont, nos Estados Unidos da América, ressalvava em 2017 a importância do consumo de magnésio, presente em sementes, leguminosas, espinafre, banana, figo e no cacau. E uma metanálise, publicada em 2016 no “American Journal of Psychiatry”, refere que, além do ómega 3, substâncias como ácido fólico, vitamina B12 e vitamina D aumentam a produção de compostos básicos de triptofanos, precursores da produção dos neutrosmissores. Lia Moreira aponta como exemplos os vegetais escuros, como brócolos e espargos, lentilhas, morangos e citrinos. A vitamina E, presente nas sementes de girassol, azeitonas e frutos secos, também apresenta benefícios.
A especialista recorda que, embora tenha particular importância em pessoas com perturbações de humor e patologias de ansiedade e depressão, a alimentação saudável promove bem-estar físico e emocional em qualquer pessoa. Pelo contrário, o consumo de alimentos pró-inflamatórios, ricos em ácidos gordos saturados, açúcar e sal, é maléfico. A alimentação cuidada deve ser aliada a atividade física, bons hábitos de sono e exposição à luz solar. Tudo por uma mente sã em corpo são.