Comer bem não tem de pesar na carteira

Há “truques” que podem ser adotados por quem queira comer bem e barato (Foto. PxHere)

Nutricionistas desconstroem ideia de que uma dieta equilibrada implica abrir os cordões à bolsa. Solução é recorrer menos a “alimentos da moda” e mais a produtos tradicionais e de época.

Questão: é possível comer bem, de forma saudável e equilibrada, e evitar gastos avultados? A dúvida é pertinente e tem-se agigantado à medida que se alarga a panóplia de alimentos salutares que vão aparecendo nas prateleiras de supermercados e integrando as dietas sugeridas por nutricionistas aqui e ali. Óleo de coco, quinoa orgânica, sementes de chia bio, manteiga de caju, bebida vegetal de avelã, abacate e salmão constituem bons exemplos de “produtos da moda” que implicam ir às compras com predisposição para deixar na caixa quantias consideráveis. Mas calma. “Comer bem não tem de ser dispendioso”, garante a nutricionista Inês Pádua. “É possível fazer uma alimentação equilibrada a baixo custo”, concorda Lilian Barros, também especialista em nutrição.

Antes de percebermos como, importa entender de onde vem então esta ideia de que ter uma alimentação correta implica despesas acrescidas no final do mês. “Acho que nos habituámos a olhar para a alimentação saudável de um prisma mais exótico. Não quer dizer que não haja alimentos novos que sejam importantes, porque são. Mas não é obrigatório ir por aí para ter uma boa alimentação”, justifica Inês Pádua.

Lilian Barros completa a ideia. “As pessoas são levadas a pensar que ser saudável é comer os alimentos da moda. A questão é que estes alimentos são muitas vezes importados e consumidos fora de época e acabam por estar inflacionados por serem conotados com uma alimentação mais saudável e com propriedades mais específicas.”

A solução? É mais simples do que parece. O princípio-base é mesmo optar por produtos tradicionais, que sempre vigoraram na nossa alimentação. Como a fruta e os legumes, por exemplo. “As leguminosas, apesar de serem muito consumidas na época dos nossos avós, foram durante muito tempo o parente pobre da nutrição. Eram associadas a um alimento de classes menos favorecidas quando não o são de todo. Tanto que em 2016 a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] declarou o Ano Internacional das Leguminosas”, contextualiza Inês Pádua. Certo é que o panorama se está a inverter. E isso só pode ser uma boa notícia. “O feijão, o grão, a ervilha ou a fava são alimentos muito ricos do ponto de vista nutricional, que nos deixam saciados e que são baratos.”Importante, neste jogo de conciliar alimentação salutar com uma folha de despesas contida, é também recorrer a alimentos da época e produzidos em Portugal. “Quando aconselhamos alimentos da época não o fazemos por preciosismo. São alimentos que não requerem tantos cuidados e que são mais baratos, além de terem mais nutrientes. Não é à toa que dizemos que os produtos da época sabem muito melhor”, sublinha a especialista.

Há outros “truques” que podem ser adotados por quem queira comer bem e barato. Um deles está relacionado com a forma como aproveitamos os alimentos. “Uma sopa, além de saudável, é sempre uma boa forma de gastarmos todos os legumes que temos lá em casa. E umas maçãs passadas, por exemplo, podem dar um ótimo puré de maçã para juntar a um iogurte natural. E assim preparamos um lanche bom e barato”, exemplifica.

Um guia de alternativas

Há, então, forma de substituir os produtos benéficos e altamente nutritivos que começam a acumular-se nos supermercados? Inês Pádua defende que sim. “O abacate é um fruto excelente do ponto de vista nutricional mas é quase sempre importado da América Latina. Numa base diária conseguimos substituí-lo por alimentos mais baratos, de produção nacional. O óleo de coco é uma boa gordura, mas é muito dispendioso. Se comprarmos uma garrafa de azeite sai muito mais barato.” O mesmo a propósito de todas as tostas, bolachas e tortitas que se vão multiplicando como opções sadias para refeições mais leves: um pão escuro é uma opção igualmente nutritiva e bem mais em conta.

Lilian Barros alarga o leque de exemplos. “Os cereais são importantes, mas não precisamos de ir para uma quinoa ou para um arroz integral especial vindo de não sei de onde. Podemos ir para o arroz integral normal, para a batata-doce, até para a batata normal, desde que não seja frita. O mesmo em relação a algumas granolas da moda, que são muito caras. Basta irmos à origem de coisa. A aveia, por exemplo, é super importante do ponto de vista nutricional. Podemos comprá-la na forma mais básica, em flocos de aveia, e trabalhar a partir daí. Papas, panquecas, fazer a nossa própria granola.” Já as sementes de chia podem ser substituídas pelas sementes de abóbora “caseiras”. Ou seja, aproveitar o recheio da abóbora, secar as pevides e levá-las ao forno. E até a manteiga de amendoim, muito rica em vitamina E, pode ser facilmente feita em casa, lembra a especialista.

Resta ainda uma questão: como minorar os gastos avultados com carne e peixe? Lilian chama a atenção para um equívoco recorrente, que pode servir de guia para o problema. “A maior parte da população tem tendência a consumir mais proteína do que precisa. Se conseguirmos ajustar a quantidade de proteína às nossas necessidades, também conseguimos poupar.” De resto, a nutricionista lembra que nem só a carne e o peixe nos podem fornecer o tipo de proteína de que precisamos. “Os chamados aminoácidos essenciais, que são nove, podem ser encontrados na carne, no peixe, nos ovos e nos laticínios. Ou seja, se eu hoje comer carne, amanhã peixe, no dia seguinte ovos e num outro queijo fresco não estou em défice de proteína.”

Mesmo para quem não dispensa a carne e o peixe, há opções mais em conta. A nutricionista aponta alternativas. No caso da carne, o peru e o frango, por exemplo, são produtos mais baratos, “importantes do ponto de vista nutricional”. Em relação ao peixe, a cavala pode ser uma boa escolha para render o salmão. “Também é rica em ómega 3 e tem um ótimo perfil nutricional.” Inês Pádua sugere ainda as conservas de peixe. “Além de serem ricas do ponto de vista nutricional, têm a vantagem de ser um produto nacional.” Ou outro exemplo de que comer bem pode, afinal, custar pouco.

Pobreza e obesidade

Mesmo sendo possível comer bem sem gastar muito, seria imprudente assumir que o nível socioeconómico das famílias não influencia a qualidade da alimentação. Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto procurou perceber de que forma o contexto onde se vive influencia a obesidade infantil. A investigação conclui que as crianças que vivem mais perto de estabelecimentos de fast-food e com maiores níveis de privação socioeconómica têm maior probabilidade de serem obesas. Ana Isabel Ribeiro, primeira autora do estudo, explica que “filhos de mães que tenham completado o Ensino Secundário têm 20% menos probabilidade de serem obesas”, acrescentando que “entre duas crianças cuja mãe tenha o mesmo nível de escolaridade, uma que viva num local pobre vai ter mais risco de obesidade do que uma que viva num local rico”.