Cirurgia robótica: operações que superam os limites da mão humana

O sistema cirúrgico Da Vinci tem três componentes: a consola do cirurgião, o módulo de braços robóticos e a torre do comando com os processadores e sistema de imagem de alta definição (Foto: [2019] Intuitive Surgical, Inc)

É uma imagem estranha, um cirurgião a operar com um robô cirúrgico. Está sentado num banco e não em pé. A sua cabeça debruça-se não sobre o paciente, mas antes sobre uma consola, onde – através de um visor que se parece vagamente com uns binóculos – consegue ter uma visão do campo cirúrgico em alta definição, tridimensional e várias vezes vezes aumentada.

E nas suas mãos não estão instrumentos: uns complexos manípulos “traduzem” os seus movimentos para os quatro braços robóticos que se encontram a um metro, por cima do paciente. Ao mesmo tempo que executa os comandos dados pelo cirurgião, o software conduz verificações para maximizar a precisão e segurança. O robô faz lembrar o estudo sobre as proporções anatómicas de Leonardo Da Vinci, o “Homem Vitruviano”. E o seu nome é precisamente esse: Da Vinci.

A cirurgia robótica não é uma novidade. O primeiro robô cirúrgico Da Vinci foi aprovado para uso em pacientes pela Food and Drug Administration (FDA) em 2000. Em Portugal alguns privados já têm este equipamento há alguns anos, mas foi apenas em outubro passado que ele entrou em funcionamento no Serviço Nacional de Saúde – oferecido pelo líder da comunidade ismaili em Portugal, o príncipe Aga Khan -, tendo sido instalado no bloco operatório do Hospital Curry Cabral, em Lisboa.

A cirurgia robótica começou por ser usada na urologia, sobretudo nas cirurgias de difícil acesso, explica o responsável do serviço de Urologia do Curry Cabral, Luís Campos Pinheiro. “A prostatectomia radical, uma cirurgia de grande dificuldade técnica quando executada por via laparoscópica, foi a primeira a ser executada por cirurgia robótica com grande sucesso. Esta cirurgia deve ser muito minuciosa, com uma dissecção muito cuidada da uretra e dos feixes vasculonervosos, para obter bons resultados funcionais, ou seja, para manter a função sexual e a continência urinária.”

Apesar de o cirurgião principal estar afastado na consola, durante a operação o cirurgião assistente e o enfermeiro mantêm-se junto ao doente (Foto: [2019] Intuitive Surgical, Inc)
Perante as vantagens que foram ficando bem estabelecidas, hoje já outras especialidades seguiram o exemplo da urologia e adotaram o robô para alguns procedimentos, por exemplo área colorretal, ginecologia e cirurgia bariátrica. “No nosso hospital temos programas com a cirurgia hepática e cirurgia plástica e planeia-se também iniciar a cirurgia torácica e pancreática auxiliadas por robô”, conta. Para o paciente, diz o cirurgião, o uso do Da Vinci passa por ter acesso “às vantagens da cirurgia minimamente invasiva realizada em grande cirurgia: menor dor no pós-operatório, menos hemorragia cirúrgica e muito mais fácil recuperação, com menor tempo de inatividade”.

Minimamente invasiva, maximamente eficaz

Também muito recente em Portugal é a hipótese da remoção de nódulos da tiroide através desta ferramenta, um procedimento feito pela primeira vez em novembro deste ano, na CUF. O grupo já usa o Da Vinci desde 2016, em áreas tão variadas como na cirurgia torácica, oncológica, da obesidade e endometriose – agora usou pela primeira vez o robô para uma tiroidectomia, tendo operado uma mulher de 47 anos com nódulo benigno de quatro centímetros no lobo esquerdo da glândula.

“A cirurgia robótica aplicada à tiroide permite, antes de mais, realizar uma cirurgia fora da área de acesso clássica que é o pescoço. Esta nova via, a axilar, permite realizar a cirurgia sem deixar qualquer cicatriz visível, ao contrário da cirurgia clássica, cuja cicatriz cervical é obrigatória”, sublinha Carlos Leichsenring, cirurgião geral no Hospital CUF Descobertas e um dos responsáveis pelo procedimento. “Mas temos também outras vantagens, como a maior precisão de movimentos e a visão ampliada das estruturas críticas do pescoço como as glândulas paratiroideias e o nervo recorrente, estruturas essenciais de identificar para reduzir a taxa de complicações.”

O robô cirúrgico insere-se numa tendência que vem de longe e na qual se aposta cada vez mais: tornar qualquer cirurgia o menos invasiva possível. A técnica da laparoscopia usada para muitos procedimentos faz isso mesmo: por oposição à cirurgia “aberta”, utiliza pequenas incisões através das quais são introduzidos o laparoscópio e os instrumentos cirúrgicos, evitando assim um corte maior. Acontece que incisões pequenas significam menos acesso para o cirurgião e é aqui que entra o Da Vinci: os braços robóticos têm uma amplitude de movimento muito superior à do punho humano. O robô não faz nada sozinho: é o cirurgião que opera, mas pode fazê-lo sem os limites da mão humana.

Carlos Leichsenring concede que por agora ainda pode causar estranheza observar um cirurgião a operar assim, mas garante que, para quem opera, a adaptação é estranhamente rápida e intuitiva. “O que podemos perder em tato, ganhamos em visão, delicadeza de gestos – nomeadamente na eliminação do tremor – e precisão de movimentos. E o cansaço associado a cirurgias longas é muito reduzido, dado o conforto que se obtém com uma ergonomia ótima durante a operação. A partir do momento em que nos sentamos na consola percebemos que o paradigma mudou.”

Os pacientes, conta, têm recebido esta possibilidade de serem operados com auxílio de um robô sem medos. “A tecnologia faz parte do quotidiano e as pessoas estão muito cientes do que o progresso tecnológico lhes pode trazer. Na saúde em particular, esses avanços são muito apreciados: melhores resultados agradam tanto aos doentes como aos seus médicos.”

Cirurgião da CUF a operar os comandos do sistema robótico Da Vinci (Foto: [2019] Intuitive Surgical, Inc)