Como ser mais feliz em casa

A organização transmite calma e segurança. Mas nem sempre a desarrumação é sinónimo de tristeza e tudo no sítio sinal de felicidade. A chave está no cérebro que tudo comanda.

Não sai de casa sem fazer a cama. Todos os dias. Quando a máquina acaba de lavar, a louça vai para o seu sítio. A roupa suja tem um cesto, quando está lavada, seca ou passada a ferro vai para as suas gavetas, não há vestuário a acumular em pilhas. Sabe em que pastas estão documentos e papeladas, as chaves têm lugar reservado. Em cima da secretária, no trabalho, tem apenas um monitor, um teclado, um rato, uma impressora e um suporte para o telemóvel. Os papéis só estão na mesa quando são necessários, de resto estão guardados à espera de destino.

“Sou arrumado, não tenho nenhuma obsessão compulsiva, gosto das coisas no sítio certo”, refere Hugo Silva, 37 anos, administrativo numa instituição religiosa. “Tudo o que uso, arrumo.” Admite que essa organização facilita a vida, não só a si, mas também aos que moram e convivem consigo. “Quando preciso de alguma coisa, despacho-me mais rapidamente porque sei onde está. O trabalho que tenho em colocar as coisas no sítio seria o mesmo do que colocar mais ali ou acolá.” E garante: “A arrumação dá-me tranquilidade”.

Arrumado e organizado não são exatamente a mesma coisa. “Arrumado significa colocar dentro de uma gaveta ou de um armário sem uma lógica. Organizado significa colocar numa gaveta ou num armário, mas com uma lógica, passando a ser funcional, prático, tem uma lógica e é uma solução individual pensada para aquela pessoa e a casa”, adianta Susete Lourenço, consultora de organização e produtividade, autora do livro “Casa organizada, vida feliz”.

Se a casa reflete a vida e a vida se reflete na casa, um lar arrumado e organizado tem impacto no dia a dia. E a desarrumação atrapalha a vida. A vários níveis. “A casa organizada traz uma vida feliz. É outra forma de começar o dia, uma forma tranquila com qualidade e tempo, conseguimos sair a horas, tomar o pequeno-almoço com a família, sem stresse, e evitamos muito as birras matinais das crianças. No final do dia, temos vontade de regressar, de fazer o jantar, conseguimos divertirmo-nos e descansar para o dia seguinte”, realça a especialista, certificada em organização profissional, licenciada em Ciências da Informação e Documentação, responsável pela biblioteca e arquivo da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários durante 17 anos, responsável pelo Centro de Documentação da Bolsa de Valores de Lisboa sete anos.

Uma casa desorganizada cansa e pode condicionar todo um dia. Aquele tempo em que não se encontra a roupa que se quer vestir, aqueles minutos que parecem horas à procura da chave do carro. “Muitas pessoas não têm consciência de que a casa desarrumada influencia o seu humor e estado de espírito, só sentem que não estão confortáveis ou que não lhes apetece regressar no final do dia.” E não só. O impacto também é financeiro, organização significa poupança. Organizar a despensa, planear as compras, pensar nas refeições. Tudo isso faz diferença nos custos mensais.

Casa arrumada não significa obrigatoriamente uma vida feliz. A associação não é assim tão linear ou simplista. “Não é suficiente atribuir que alguém extremamente organizado ou desorganizado é, igualmente, totalmente feliz ou triste”, esclarece Ana Pinheiro, psicóloga clínica. “Não se pode afirmar que a desorganização é sinal de desequilíbrio, como organização sinónimo de equilíbrio. Importa ter em conta a análise intrínseca do indivíduo, para apurar o seu funcionamento global e aferir a existência ou ausência de algum desequilíbrio emocional.”

“Não se pode afirmar que a desorganização é sinal de desequilíbrio, como organização sinónimo de equilíbrio”, garante Ana Pinheiro, psicóloga clínica

Há, no entanto, comportamentos que vêm ao de cima e que podem “surgir perante quadros clínicos, como a depressão, ansiedade, perturbação obsessiva-compulsiva e hiperatividade e défices de atenção, que podem indicar quais as áreas disfuncionais de um indivíduo e úteis à intervenção psicoterapêutica”.

Desequilíbrio ou momento de transição

A arrumação e a desarrumação espelham sentimentos e emoções? Esta análise envolve vários fatores, não pode ser feita de forma independente, há perguntas que têm de ser lançadas sobre hábitos, comportamentos, mudanças, sensações. “A desorganização pode significar desequilíbrio ou apenas um momento de transição. Pode ser o nascimento de um bebé, um divórcio, etc. São momentos que fazem parte da vida, mas que são transitórios”, sustenta Susete Lourenço.

Para Ana Pinheiro, é necessário enquadrar. “Por exemplo, um indivíduo com depressão pode manifestar alguma desarrumação, mas não é regra porque não é assim com todas as pessoas, como pode ficar excessivamente arrumado se experienciar, por exemplo, agitação motora.” Adianta ainda a psicóloga que “noutra situação clínica, como a perturbação obsessiva-compulsiva, a casa poderá estar extremamente arrumada e organizada mas, mesmo assim, influenciar o seu humor negativamente, pois ter uma casa arrumada não equipara, de forma exclusiva, o sentimento ou humor”.

“Muitas pessoas não têm consciência de que a casa desarrumada influencia o seu humor e estado de espírito”, reconhece Susete Lourenço, consultora de organização e produtividade

A organização transmite, regra geral, segurança. No entanto, é o cérebro que tudo comanda, que tudo enquadra. Todos iguais, todos diferentes, com especificidades extraordinariamente distintas. “É a interpretação que fazemos dos acontecimentos, das nossas decisões, dos comportamentos ou sentimentos que dá o significado ao acontecimento. Ou seja, se uma pessoa se sente extremamente culpada por não conseguir ser organizada isso causa mal-estar e poderá ter prejuízo no seu funcionamento global. Por outro lado, se alguém não atribui qualquer significado à desarrumação, mesmo sendo criticado (como pode acontecer), isso não terá qualquer impacto na sua vida”, sublinha Ana Pinheiro. Porquê? Porque a atribuição causal é diferente e a perceção é distinta. É tudo, portanto, uma questão de perspetiva.

Factos e dicas

    • As casas são para ser vividas com descontração. Mas é importante perceber se a organização está adaptada ao dia a dia.
    • A organização transmite segurança e controlo. Saber onde tudo está, quando é preciso. A tranquilidade também depende destes fatores.
    • A organização é uma boa aliada da poupança de tempo e dinheiro. Não esquecer contas por pagar, planear compras domésticas, evitar desperdícios.
    • Se uma pessoa organizada muda repentinamente de hábitos é importante perceber se há uma patologia associada.
    • Cuidar da saúde mental e não menosprezar sentimentos, emoções e comportamentos que podem começar por uma casa desarrumada.
    • É aconselhável guardar e armazenar tudo o que não corresponde à estação, verificar se as peças estão em condições antes dessa operação.
    • Definir um sítio para objetos essenciais ao dia a dia.
    • Quarto de dormir arrumado implica fazer a cama todas as manhãs. Um tapete ajuda à decoração, poucos objetos e luz suave induzem ao descanso.