Carlos Ramalho: astronauta com os pés na terra

Carlos Ramalho é presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) (Ilustração: Mafalda Neves)

Gosta de ficção científica e de olhar as estrelas. É um enfermeiro “paciente e cuidadoso”. E um sindicalista muito determinado, mas capaz de ceder.

Tinha meia dúzia de anos, sonhava com galáxias. “De imaginação prodigiosa e muito criativo”, palavras da irmã Cristina, queria ser astronauta e conhecer o mundo extraterrestre. Pouco depois, acompanhava sem falta Espaço: 1999, fim de século que lhe parecia muito distante, quase irreal. À história dos ocupantes de base lunar Alpha, em viagem pelo espaço, transmitida pela TV, seguiu-se Guerra das Estrelas, saga que acompanha e de que é fã incondicional. “Com a idade, os pés foram ficando cada vez mais assentes na terra”, diz. Mas nem por isso foi deixando de “olhar o céu”. “Das primeiras coisas que ofereci ao meu filho foi um telescópio. Mais para mim do que para ele, confesso.”

Uma outra paixão vem desde a infância. “Apesar dos nossos pais proibirem os cães, o Carlos ia adotando os que podia”, recorda a irmã. Hoje, vive com os labradores Lucky e Maggie. E também com Luna, boxer de oito meses, “absolutamente doida”.

Precoce é também “o jeito para contar histórias”, frisa Cristina e confirmam amigos. “O Carlos é muito falador e quando está com os amigos o tempo fica em suspenso, ainda mais se tiver uma boa refeição a acompanhar.” Carlos Caldeira é amigo de três décadas. Trabalharam juntos na psiquiatria do hospital de Évora. “O Carlos é um enfermeiro muito atencioso numa área em que a paciência é fundamental. Nunca perdeu a compostura mesmo em situações mais complicadas, e passou por várias.”

O enfermeiro Ramalho iniciou a carreira nos Açores, há 28 anos. Do curso de 1989, fora um dos sete homens, numa turma de 30 alunos. “A enfermagem tem a ver com o meu gosto por cuidar, por tratar dos outros.” Nunca se arrependeu. Ou melhor: “A prática tem sido gratificante. Mas, no que diz respeito a reconhecimento e retribuição, por vezes fico a pensar”. Até porque “a população, influenciada pela comunicação social, ora elogia muito ora critica muito”.

Cristina Ramalho, oito anos mais nova, professora de escola pública, tem no irmão uma referência. “Tirando ser um pouco daltónico”, não lhe encontra defeito. Mas lamenta “a excessiva humildade” do presidente do sindicato. Desde logo porque foi capaz de “criar de raiz uma organização complexa, quando toda a gente dizia que era uma utopia”. Três anos depois, o SINDEPOR representa cerca de cinco mil associados em todo o país. “Temos de olhar ao contexto – dos cerca de 70 mil inscritos na ordem só 20 a 25% são sindicalizados”, realça o presidente.

O que pode contar o Governo do sindicalista, que agora anunciou uma greve para novembro? “Alguém muito determinado, mas disposto a ceder. Alguém que não é jogador, que abre sempre o jogo e afirma os objetivos com honestidade e capacidade de ouvir.” Reafirma, porém: “Estamos cansados. Os enfermeiros estão muito cansados”. Garante que não querem prejudicar a população: “Esta greve é sobretudo um manifesto”.

Em fevereiro de 2019, depois de umas lulas recheadas, entrou em greve de fome. Disposto “a cair de morto se fosse necessário”. Dois dias depois, o Governo acabaria por retomar as negociações. Pedro Alexandre, à época interlocutor pelo lado do Ministério da Saúde não pessoaliza. “Com todos os sindicatos com que me cruzei profissionalmente foi sempre possível dialogar”, refere apenas.

“É de ideias convictas, mas é também emocional, pensa com o coração”, rotula Cristina, que soube da greve de fome do irmão pela comunicação social. “Chorei muito e fui logo a Lisboa, dar-lhe um abraço.” Carlos Caldeira também esteve em desacordo. “As intenções eram nobres, mas a forma não foi a melhor”, conta hoje.

Descreve o amigo. “Uma pessoa boa, com valores éticos e morais elevados, um paciente e um lutador. Num campo de batalha é aquela pessoa que queremos ter ao nosso lado”, diz o algarvio do alentejano.

Carlos Ramalho, “homem de muita fé em Deus”, nasceu em Portalegre, filho de um militar de carreira que andou pelas índias. Do pai herdou um livro de memórias a que acrescentará capítulos. “Quero dar continuidade a esse livro do meu pai para deixar ao meu filho.” O filho, de 24 anos, não quer ser enfermeiro. “Nem eu deixava. Bastamos eu e a mãe.” Suspira, aliviado: “Era só que faltava”.

Carlos Manuel Baliza Ramalho
Cargo:
presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR)
Nascimento: 03/10/1967 (53 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Monforte)