Carlos Alexandre: o juiz decide

Foto: Gustavo Bom/Global Imagens

Admirador dos Trovante e consumidor voraz da Netflix, não é raro a família de Carlos Alexandre dar por ele a ouvir “125 Azul”, a favorita, ou embrenhado em “The Crown”. Porém, para quem está de fora não é fácil imaginar que alguém com tal sisudez e sentido de dever entranhado parta veloz, “sem mais nem menos” e “sem destino”. Sobretudo, “sem ligar importância àquilo que a vida quer”, conforme reza a canção.

“Em casa, o meu pai não é o juiz.” João, 21 anos e estudante de Direito, é o filho mais novo. Reconhece a exigência paterna – “procura tirar o melhor de mim e do meu irmão (engenheiro químico) e consegue”. A irritação perante o desleixo – “como participa, mesmo não gostando, nas tarefas domésticas, obriga-nos ao mesmo”. A preocupação com o trabalho – “assume sempre a responsabilidade”. Mas nunca o mau feitio nem a exaltação de que rezam testemunhos. Nunca a “figura austera”, “o inquisidor- mor” descrito por alguns dos que lhe caíram nas mãos, em processos de forte impacto mediático: Monte Branco, Furacão, Portucale, Face Oculta, BPN, Labirinto, Vistos Gold. E o maior de todos: Operação Marquês, no âmbito da qual decretou a prisão preventiva de um ex- primeiro-ministro, ganhando o maior dos seus inimigos.

“Tem grande persistência e imensa capacidade de trabalho”, descreve Rosário Teixeira à NM. O procurador gaba-lhe o sentido prático na resolução das questões jurídicas numa frase breve: “Joga sempre para a frente, nunca para o lado”.

O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC, ou Ticão) é a casa de Carlos Alexandre. Aí trata dos megaprocessos, com a defesa a cargo dos mais prestigiados advogados. Dos contactados, seis, nenhum quis prestar depoimento. Todos têm casos na mesa do chamado “super juiz”. E com ele, é sabido, os processos não se arrastam.

“Justiceiro”, capaz de ir além do próprio Ministério Público, ou “juiz sem medo”: não há meio-termo na avaliação do magistrado, filho de um carteiro e de uma operária fabril, mais novo de três irmãos, marcado por uma infância difícil e com ligação a Mação, terra natal, inalterada. Mesmo quando cursou Direito em Lisboa, procurando vida melhor, visitava os pais duas vezes por mês.

Na faculdade, conheceu António Costa e vontade de intervenção política. De tal forma que entre 1982 e 1984 foi deputado pelos socialistas à Assembleia Municipal. “Costumo dizer que ele é um rural meio urbano.” Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação e amigo antigo, exemplifica: “Mantém o apego à terra e às tradições, reconstruiu a casa dos pais, tem gosto na pequena horta, participa nas tradições religiosas”. Em tempos, foi bombeiro.

“O Carlos é uma pessoa muito leal aos amigos, à família, aos princípios que defende.” Revela gostos: “Convívios banais, uma cerveja com amendoins e tremoços, uma tisana ‘noites tranquilas’ depois de jantar”. E acrescenta: “Quando anda mais embrenhado em processos, nota-se que não está ali connosco”.

Priva pouco com outros juízes. Mais do que qualquer outro, tem recebido ameaças – uma pistola sobre a fotografia dos filhos, da vez em que lhe entraram em casa. Anda com segurança. Não se intimida, mas não esquece. Nunca esquece. Tem uma memória rara. “Talvez porque detesta queijo”, diz o filho João.

Carlos Manuel Lopes Alexandre
Cargo: Juiz
Nascimento: 24/03/1961(58 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Mação)